A caridade (Machado de Assis, ortografia atualizada)
Ela tinha no rosto uma expressão tão calma
como o sono inocente e primeiro de uma alma
Donde não se afastou ainda o olhar de Deus;
Uma serena graça, uma graça dos céus,
Era-lhe o casto, o brando, o delicado andar,
E nas asas da brisa iam-lhe a ondear
Sobre o gracioso colo as delicadas tranças.
Levava pela mão duas gentis crianças.
Ia caminho. A um lado ouve magoado pranto.
Parou. E na ansiedade ainda o mesmo encanto
Descia-lhe às feições. Procurou. Na calçada
À chuva, ao ar ao sol, despida, abandonada
A infância lacrimosa a infância desvalida,
Pedia leito e pão, amparo, amor, guarida.
E tu, ó caridade, ó virgem do Senhor,
No amoroso seio as crianças tomaste,
E entre beijos - só teus - o pranto lhes secaste
Dando-lhes pão, guarida, amparo, leito e amor.