Tive um pensamento que estava naturalmente em relação com a negra tristeza do meu espírito.
Desejei estudar o cadáver, que se ia sepultar.
Fixei a minha luneta mágica no féretro.
Eis o que vi:
Primeiro um caixão de madeira coberto de ricos estofos pretos e de galões de ouro, dentro um cadáver já em corrupção, fétido, repugnante... Iodo e pó da terra e nada mais.
Logo depois a memória das singulares virtudes do finado e... oh!... a felicidade, a incomparável felicidade da morte!...
Eu vi, senti, compreendi a morte, que se patenteou tal qual é, a visão do bem!
Eu vi a morte— mal julgada, caluniada pelos homens — sono plácido, suavíssimo que começa à última dor, ao extremo transe da vida, e que acaba ao despertar nas delicias da eternidade; paz sem cuidados, sossego sem a mais leve perturbação— véspera instantânea da verdadeira vida— porta do fim que é luz celeste. — Oh! que gozos na morte! a podridão e o fétido do cadáver em sublime contraste muito de longe dariam idéia da pureza e do angélico aroma da alma que se desprende do pó! Que gozos na morte! O mais vaidoso dos reis sente-se pela primeira vez verdadeiramente grande e exaltado elevando-se à esfera onde se encontra igual ao mais humilde e rude dos vassalos ou escravos que tivera!... Não há dor, nem ânsias, nem moléstias, nem privações, nem miopia na imensa e refulgente região da morte! Aquela frieza enregelada do cadáver significa esquecimento absoluto das penas da vida efêmera e mundana.
Pela morte o escravo é livre, a criança e a virgem são anjos, a esposa jovem, a matrona e a velha santas, a mundanaria é Madalena purificada, o malvado, o celerado são arrependidos que se regeneram, o desgraçado é feliz, o mudo tem voz, o paralítico voa, o surdo ouve segredos, o cego vê nas trevas, o desgraçado é perfeitamente feliz!...
A morte é Jordão que lava as culpas...
A morte é glória...
A morte é luz...
Só a morte é que dá principio à vida.
Eis um pouco do muito que a visão do bem me fez descobrir e apreciar na morte.
O préstito já tinha passado.
Deixei cair a luneta mágica.
Abismei-me em profunda introversão, no estado da minha intima consciência, no estado novo e extraordinário do meu espírito...
Achei-me consolado, forte, invencível, contente, feliz...
Eu desejava, almejava morrer...
Morrer era começar a viver... e a viver que vida de delícias!...
Eu acabava de conceber a idéia, e de abraçar-me com a idéia do suicídio.