A MÃE D’AGUA.
«Minha mãe, olha aqui dentro,
Olha a bella creatura,
Que dentro d’agoa se vê!
São d’ouro os longos cabellos,
Gentil a doce figura,
Airosa, leve a estatura;
Olha, vê no fundo d’agua
Que bella moça não é!
«Minha mãe, no fundo d’agua
Vé essa mulher tão bella?
O sorrir dos labios della,
Inda mais doce que o teu,
É como a nuvem rosada
Que no romper da alvorada
Passa risonha no céo.
«Olha, mãe, olha depressa!
Inclina a leve cabeça
E nas mãosinhas resume
A fina trança mimosa,
E com pente de marfim!...
Olha agora que me avista
A bella moça formosa,
Como se fez toda rosa,
Toda candura e jasmim!
Dize, mãe, dize: tu julgas
Que ella se ri para mim!
«São seus labios entre-abertos
Semilhantes a romã;
Tem ares d’uma princesa,
E no entanto é tão medrosa!...
Inda mais que minha irmã.
Olha, mãe, sabes quem é
A bella moça formosa,
Que dentro d’agua se vê!»
— Tem-te, meu filho; não olhes
Na funda, lisa corrente:
A imagem que te embelleza
É mais do que uma princesa,
É menos do que é a gente.
— Oh! quantas mães desgraçadas
Chorão seus filhos perdidos!
Meu filho, sabes porque?
Foi porque derão ouvidos
Á love sombra enganosa,
Que dentro d’agua se vê.
— O seu sorriso é mentira,
Não é mais que sombra vã;
Não vale aquillo que eu valho,
Nem o que val tua irmã:
É como a nuvem sem corpo
De quando rompe a manhã.
— É a mãe d’agua traidora,
Que illude os faceis meninos,
Quando elles são pequeninos
E obedientes não são;
Olha, filho, não a escules,
Filho do meu coração:
O seu sorriso é mentira,
É terrivel tentação. —
Junto ao rio cristalino
Brincava o ledo menino,
Molhando o pé;
O fresco humor o convida,
Menos que a imagem querida,
Que n’agua vê.
Cauteloso de repente,
Ouve o concelho prudente,
Que a mãe lhe dá;
Não é anjo, não é fada,
Bas uma bruxa malvada,
E cousa má.
Ella é quem rouba os meninos
Para os tragar pequeninos,
Ou mais talvez!
E para vingar-se n’agua
Da causa tanta magoa,
Remeche os pés.
Turba a fonte n’um instante,
Já não vê o bello infante
A sombra vã,
E as brancas mãos delicadas
E as longas tranças douradas.
Da sua irmã.
O menino arrependido
Diz consigo entristecido:
— Que mal fiz eu!
Minha mãe bem que indulgente,
Só por não me ver contente,
Me repr’hendeu. —
Era figura tão bella!
E que expressão tão singela,
Que riso o seu!
Oh! minha mãe certamente
Só por não me não ver contente,
Me repr’hendeu!
Espreita, sim, mas duvida
Que a bella imagem querida
Torne a volver;
E na fonte cristalina
Para ver todo se inclina
Se a pode ver!
Acha-se ainda turbada,
E a bella moça agastada
Não quer vollar;
Sacode leve a cabeça,
Em quanto o pranto começa
A borbulhar.
E de triste e arrependido
Diz comsigo entristecido:
— Que mal fiz eu!...
Leda ao ver-me parecia,
Era boa, e me sorria ...
Que riso o seu!
As aguas no entanto de novo se applacão,
A lisa corrente se espelha outra vez,
E a imagem querida no fundo apparece
Com mil peixes varios brincando a seus pés.
Do collo uma charpa trasia pendente,
Cortando-lhe o seio de brancos jasmins,
Um iris nas cores, e as franjas bordadas
De prata lusente, de vivos rubins.
Uma harpa a seu lado frisava a corrente
Gemendo queixosa da leve pressão,
Como harpas ethereas, que as brisas conversão,
Achando-as perdidas em mesta soidão.
Sentida, chorosa parece que estava,
E o bello menino sentado a chorar
«Perdoa, dizia-lhe, o mal que te hei feilo;
Por minha vontade não hei tornar!
A harpa dourada de subito vibra,
A charpa se agita do seio ao revez;
Das franjas garbosas as pedras reflectem
Infindos luseiros nos humidos pés.
Os peixes pasmados de subito parão
No fundo lusente de puro cristal;
Fantasticos seres assomão ás grutas
Do nitido ambar, do vivo coral!
Entanto o menino se curva e se inclina
For ver mais de perto a donosa visão;
A mãe, longe delle, dizia: — Meu filho,
Não oiças, não vėjas, que é má tentação. —
«Vem meu amigo, dizia
A bella fada engraçada,
Pulsando a harpa dourada:
— Sou boa, não faço mal,
Vem ver meu bellos palacios,
Meus dominios dilatados,
Meus thesouros encantados
No meu reino de cristal.
«Vem, te chamo: vê a limpha
Como é bella e cristalina;
Ve esta areia tão fina,
Que mais que a neve seduz!
Vem, verás como aqui dentro
Brincão milleves amores,
Como em listas multicores
Do sol se desfaz a luz.
«Se não achas borboletas,
Nem as vagas mariposas,
Que brincão por entre as rosas
Do teu ameno jardim;
Tens mil peixinhos brilhantes,
Mais lusentes e mais bellos
Que o oiro dos meus cabellos,
Que a nitidez do setim.»
Emtanto o menino se curva e se inclina
Por ver de mais perto a donosa visão;
E a mãe longe delle, dizia: meu filho,
Não oiças, não vejas, que é má tentação.
«Vem, meu amigo, tornava
A bella fada engraçada,
Vem ver a minha morada,
O meu reino de cristal:
Não se sente a tempestade
Na minha espaçosa gruta,
Nem voz do trovão se escuta,
Nem roncos do vendaval.
«Aqui, ao findar do dia,
Tudo rapido sc accende,
E o meu palacio resplende
De vivo, ethereo clarão.
Mil figuras apparecem,
Mil donzellas encantadas
Com angelicas toadas
De ameigar o coração.
«Quando passo, as brandas aguas
Por me ver passar se afastão,
E mil estrellas se engastão
Nas paredes do cristal.
Surgem luses multicores,
Como desses perilampos,
Que tu vês andar nos campos,
Sem comtudo fazer mal.
«Quando passo, mil sereias,
Deixando as grutas limosas,
Formão ledas, pressurosas
O meu sequito real:
Vem! dar-te-hei meus palacios,
Meus dominios dilatados,
Meus thesouros encantados
E o meu reino de cristal.»
Entanto o menino se curva e se inclina
Para a visão;
E a mãe lhe dizia: Não vejas, meu filho,
Que é tentação.
E o bello menino, dizendo comsigo —
Que bem fiz eu!
Por ver o thesouro gentil, engraçado,
Que já é seu:
Atira-se ás aguas: n’um grito medonho
A mãe lastimavel — Meu filho! — bradou:
Respondem-lhe os echos, porém voz humana
Aos gritos da triste não torna: — aqui estou!