A pitada é cousa grande,
Vem de engenho sublimado;
E’ capaz de tirar monco
Do nariz mais confiado.

Certo Papa alti-potente,
D’ella tendo experiencia,
Suspendeu suas tomadas,
Por temer sua influencia.

Não respeita velho ou moço,
Seja preto ou côr de giz;
Sahe do bote para a caixa,
E da caixa p’ra o nariz.

E’ prazer que não se explica,
Ardorzinho que consola,
Vicio honesto, innocentinho,
Protegido pela estola.

Contra o peso da cabeça,
E’ remedio tão gabado.
Que o não deixa um só momento
Todo o homem que é casado.

Toma a velha, a moça toma,
Toma a negra, toma a branca,
Toma o rico, toma o pobre,
Tendo a venta sempre franca.

Té nos lybicos desertos,
Toma o barbaro gentio,
Torvo esturro côr de barro,
Recrestado ao sol de estio.

Oh! pitada milagrosa,
Pitadinha portentosa!
Eu quizera ser um Dante,
Ter uma harpa resonante
P’ra cantar a tua gloria,
Sobre as aras da memoria.
Não te zangues, pitadinha,
Pitadinha amarellinha;
Pobre filho da tarimba,
Vou cantar-te na marimba.
Attendei, oh tomadores,
Que eu começo os meus louvores!
E’ tão bella, é tão gabada
A virtude da pitada,
Que não ha quem lhe resista,
Seja cego ou tenha vista!
Nem a velha recurvada,
Nem a moça enamorada,
Nem o padre, nem o frade,
Seja leigo ou seja abbade,
São capazes de fugir,
Evitar ou resistir,
A’ tendencia exacerbada,
Pela força da pitada!

Quem resiste ao bom tabaco,
Quer do binga quer de caco?!
Toma o menino de escola,
Para ter fresquinha a bola;
Toma o rude lavrador,
Toma o sabio professor:
Velhos lentes jubilados
Pelos annos alquebrados,
O vagaroso porteiro
Os vigarios, o sineiro.
Toma o mestre de francez,
O de latim, o de inglez,
O boçal qu’inda é caloiro.
Que o tomar não è desdoiro;
Veteranos, bachareis,
Secretarios e bedeis,
Directores de collegios,
Apezar dos privilegios;
Tambem toma, por mania,
O que explica geometria.
E narizes tem-se visto,
Com prosapias de resisto,
Que chupitam n’um momento,
De tabaco bolorento,
Duas libras, bem pesadas,
Embutidas por pitadas.

A pitada é cousa grande,
Vem de engenho sublimado,
E’ capaz de tirar monco
Do nariz mais confiado.

Não tem bom gosto,
Quem fero, altivo,
Se mostra esquivo
A’ pitadinha;
Que é cousa santa,
Contra azedumes,

Negros ciumes,
Tomada azinha.

Quer de cangica,
Quer de semonte,
Refresca a fronte,
Tomada azinha;
Por ella morre
Gentil donzella
Formosa e bella
Tão moreninha.

Alegre toma,
Morta de amores.
Libando as flores,
Qual avesinha,
Nivea loureira
Na orlada venta
Brandinha e lenta
A pitadinha.

Toma a casada,
Toma a solteira,
A honesta freira,
Que é bonitinha;
Entre os dedinhos,
Alvos, brunidos,
Com graça unidos,
A pitadinha.

Do genio afasta,
Suavemente,
A impertinente,
Fera zanguinha;
Sara quebrantos,
Paixões de amores,
Acerbas dôres,
Tomada azinha.

Qual o volátil,
Que innocentinho,
Deixando o ninho,
Beija a florinha,
Assim, deidades,
Que as auras beijão,
Ternas almejão
A pitadinha.

Lindas meninas,
No seu passeio,
Levão — no seio —
A bocetinha.
Para tomarem,
Co’as companheiras
Por brincadeiras,
A pitadinha.

E si o espirro,
Deixando a toca
Vem á taboca,
Ligeiro e rude;
Entôa o bando
De Hurys formosas,
Quaes niveas rosas,
Hum — Deus lhe ajude.