Capitulo XIV.
 

Havia terminado a quadrilha. Alvaro ufano e cheio de jubilo, conduzia o seo formoso par atravéz da multidão, atravéz de uma viva fusilaria de olhares de inveja e de admiração, que se cruzavão em sua passagem; a pretexto de offerecer-lhe algum refresco, a foi levando para uma sala dos fundos, que se achava quasi deserta. Até ali ainda elle não havia feito a Elvira uma declaração de amor em termos positivos, se bem que esse amor se estivesse revelando a cada instante, e cada vez mais ardente e apaixonado, em seos olhos, em suas palavras, em todos os seos movimentos e acções. Alvaro julgava já ter adquirido completo conhecimento do coração de sua amada, e nos dous mezes durante os quaes a havia estudado, não havia descoberto nella senão novos encantos e perfeições. Estava plenamente convencido, que de todas as formosuras que até ali tinha conhecido, Elvira era em tudo a mais digna de seo amor, e já nem por sombras duvidava da pureza de sua alma, da sinceridade do seo affecto. Pensava portanto, que sem receio algum de comprometter o seo futuro, podia abandonar o coração ao imperio daquella paixão, que já não podia dominar. Quanto á origem e procedencia de Elvira, era cousa de que nem de leve se preoccupava, e nunca se lembrou de indagar. A distincção de classes repugnava a seos principios e sentimentos philantropicos. Fosse ella uma princeza que o destino obrigava a andar foragida, ou tivesse o berço na palhoça de algum pobre pescador, isso lhe era indifferente. Conhecia-a em si mesma, sabia que era uma das creaturas mais perfeitas e adoraveis que se pode encontrar sobre a terra, e era quanto lhe bastava.

Observava Alvaro em seos costumes, como já sabemos, a severidade de um quaker, e seria incapaz de abusar do amor que havia inspirado á formosa desconhecida, aninhando em seo espirito um pensamento de seducção.

Naquella noite pois o apaixonado mancebo, rendido e deslumbrado mais que nunca pelos novos encantos e attractivos, que Elvira alardeava entre os esplendores do baile, não poude e nem quiz dilatar por mais tempo a declaração, que a cada instante lhe ardia nos olhos, e esvoaçava pelos labios, e apenas achou-se em lugar onde pudesse não ser ouvido senão de Elvira:

— D. Elvira, — lhe disse com voz grave e commovida, — se a senhora é um anjo em sua casa, nos salões do baile é uma deosa. O meo coração ha muito já lhe pertence; sinto que o meo destino de hoje em diante depende só da senhora. Funesta ou propicia, a senhora será sempre a minha estrela nos caminhos da vida. Creio que me conhece bastante para acreditar na sinceridade de minhas palavras. Sou senhor de uma fortuna consideravel; tenho posição honrosa e respeitavel na sociedade; mas não poderei jamais ser feliz, se a senhora não consentir em partilhar commigo esses bens, que a fortuna prodigalizou-me.

Estas palavras de Alvaro, tão meigas, tão repassadas do mais sincera e profundo amor, que em outras condições terião cahido como balsamo celeste sobre o coração de Isaura a banhal-o em ineffaveis effluvios de ventura, erão agora para ella como um atroz e pungente sarcasmo do destino, um hymno do céo ouvido entre as torturas do inferno. Via de um lado um anjo, que tomando-a pela mão com um suave sorriso mostrava-lhe um eden de delicias, ao qual se esforçava por conduzil-a, emquanto de outro lado a hedionda figura de um demonio atava-lhe ao pé um pesado grilhão, e com todo o seo peso a arrastava para um golphão de eternos soffrimentos.

E’ que a pobre Isaura, cheia de sustos e desconfianças, durante uma pausa tinha notado os movimentos do infame Martinho, quando encostado ao umbral da saleta com um papel na mão, parecia examinal-a com a mais minuciosa attenção. Aquella vista produzio nella o effeito de um raio; não duvidou mais que estava descoberta, e irremissivelmente perdida para sempre. Subita vertigem lhe escureceo os olhos, pareceo-lhe que o chão lhe faltava debaixo dos pés, e que ia sendo tragada pelas fauces de um abysmo immensuravel. Para não cahir foi-lhe preciso agarrar-se fortemente com ambas as mãos ao braço de Alvaro arrimando-se em seo peito.

— Que tem, minha senhora? — perguntára-lhe este, assustado. — Está incommodada?...

— Algum tanto, — respondeo Elvira com voz desfallecida e arquejante, e reanimando-se pouco a pouco. — Foi uma dor aguda... uma pontada deste lado... mas vae passando.... não estou acostumada com este aperto... o remoinhar da dansa me fez mal.

— Mas ha-de acostumar-se em pouco tempo, — replicou-lhe Alvaro, segurando-lhe uma das mãos e sustendo-a com um braço pela cintura. — A senhora nasceo para brilhar nos salões;... mas, se quer retirar-se....

— Não, senhor; continuemos; já agora estamos na final...

Com estas respostas evasivas Alvaro tranquillizou-se, e em razão dos movimentos rapidos da quadrilha na marca final, que immediatamente seguio-se, não poude notar a extrema palidez e profundo transtorno das feições de Elvira. A infeliz já não dansava, arrastava-se automaticamente pela sala; seo espirito não estava ali, não ouvia nem via outra cousa senão a figura repugnante do Martinho, postada como esphinge ameaçadora junto á porta da saleta, para a qual ella volvia de quando em quando olhos cheios de anciedade e pavor. E o sangue todo lhe refluia ao coração, que lhe tremia como o da pomba que sente estendida sobre o collo a garra desapiedada do gavião.

Em tal estado de susto e perturbação, Isaura não atinava com o que devia responder áquella tão sincera e apaixonada declaração do mancebo. Guardou silencio por alguns instantes, o que Alvaro interpretou por timidez ou emoção.

— Não me quer responder? — continuou com voz meiga, — uma só palavra é bastante....

— Ah! senhor, — murmurou ella suspirando, o que posso eu responder ás doces palavras, que acabo de ouvir de sua boca. Ellas me encantão, mas....

Elvira interrompeo-se bruscamente; um subito estremecimento agitando o braço de Alvaro o fez olhar para ella com sobresalto e inquietação.

— E’ elle!.. — este som sussurrou-lhe pelos labios como um gemido rouco e convulsivo; acabava de avistar Martinho, entrando na sala em que se achavão, e sentio mortal calafrio percorrer-lhe todo o corpo.

— Desculpe-me, senhor; — continuou ella; — não é possível por hoje ouvir suas doces palavras; sinto-me mal; preciso retirar-me. Se o senhor tivesse a bondade de levar-me onde está meo pae...

— Por que não, D. Elvira?... mas oh!.. como está palida!... está soffrendo muito, não é assim?.. quer que eu a acompanhe?.. que lhe chame um medico?... aqui mesmo os há....

— Obrigada, senhor Alvaro; não se inquiete; isto é um mal passageiro, cansaço talvez; em chegando a casa ficarei boa.

— E quer então retirar-se sem me deixar uma só palavra de consolação e de esperança?..

— De consolação talvez, mas de esperança.....

— Por que não?

— Se nem eu mesma posso tel-a...

— Então não me ama....

— Amo-o muito.

— Então será minha...

— Isso é impossivel...

— Impossivel!.. que obstaculo pode haver?..

— Não sei dizer-lhe, senhor; minha desgraça.

Esta amorosa confidencia no momento, em que se achava no ponto mais interessante, foi bruscamente interrompida pela presença de Martinho, que se lhes atravessou pela frente, fazendo uma profunda reverencia. Alvaro indignado carregou o sobrôlho, e esteve a ponto de enchotar o importuno, como quem enchota um cão. Elvira estacou como que petrificada de pavor.

— Senhor Alvaro, disse-lhe respeitosamente o Martinho, — com a permissão de Vª. Sª., preciso dizer duas palavras a esta senhora, a quem Vª. Sª. dá o braço.

— A esta senhora! — exclamou maravilhado o cavalheiro. — Que tem o senhor que ver com esta senhora?

— Negocio de summa importancia; ella bem o sabe, melhor do que eu e o senhor.

Alvaro, que bem conhecia o Martinho, e sabia quanto era abjecto e desprezivel, julgando ser aquillo manobra de algum rival invejoso, e covarde, que se servia daquelle miseravel para ultrajal-o ou expôl-o ao ridiculo, teve um assomo de indignação, mas contendo-se por um momento:

— Tem a senhora algum negocio com este homem? — perguntou a Elvira.

— Eu?!.. nenhum, por certo; nem mesmo o conheço,— balbuciou a moça, palida e a tremer.

— Mas, meo Deus! D. Elvira, por que treme assim? como está palida!... maldito importuno, que assim a faz soffrer!... oh! pelo céo, D. Elvira, não se assuste assim. Aqui estou eu a seu lado, e ai daquelle, que ousar ultrajar-nos!

— Ninguem quer ultrajal-os, senhor Alvaro; — replicou o Martinho; mas o negocio é mais serio do que o senhor pensa.

— Emfim, senhor Martinho, deixe-se de rodeios e diga-nos aqui mesmo o que quer com esta senhora.

— Posso dizel-o; mas seria melhor que Vª. Sª. o ignorasse.

— Oh! temos mysterio!... pois nesse caso declaro-lhe, que não abandonarei esta senhora um só instante, e se o senhor não quer dizer ao que veio, póde retirar-se.

— Nessa não caio eu, que não hei-de perder o meo tempo, e o meo trabalho, e nem os meos cinco contos. — Estas ultimas palavras resmungou-as elle entre os dentes.

— Senhor Martinho, por favor queira não abusar mais da minha paciencia. Se não quer dizer ao que veio, ponha-se já longe da minha presença....

— Oh! senhor! — retorquio Martinho, sem se perturbar; — já que a isso me força, pouco me custa fazer-lhe a vontade, e com bastante pezar tenho de declarar-lhe, que essa senhora a quem dá o braço, é uma escrava fugida!...

Alvaro, se bem que conhecesse a vilania e impudencia do caracter de Martinho, no primeiro momento ficou pasmo ao ouvir aquella subita e imprevista delação. Não podia dar-lhe credito, e reflectindo um instante confirmou-se mais na idéa, de que tudo aquillo não passava de uma farça posta em jogo por algum indigno rival, com o fim de desgostal-o ou insultal-o. A pessoa do Martinho, que não poucas vezes, na qualidade de truão ou palhaço, servia de instrumento ás vinganças e paixões mesquinhas de entes tão ignobeis como elle, servia para justificar a desconfiança de Alvaro, que acabou por não sentir senão asco e indignação por tão infame procedimento.

— Senhor Martinho, — bradou elle com voz severa, — se alguem pagou-lhe para vir achincalhar-me a mim e a esta senhora, diga quanto ganha, que estou prompto a dar-lhe o dobro para nos deixar em paz.

A esta sanguinolenta affronta, a larga e impudente cara do Martinho nem de leve se alterou, e por unica resposta:

— Torno a repetir, — bradou com todo o descaramento, — e em voz bem alta, para que todos oição: esta senhora que aqui se acha, é uma escrava fugida, e eu estou encarregado de apprehendel-a e entregal-a a seo senhor.

Entretanto Isaura avistando seo pae, que tambem a procurava por toda a parte com os olhos, largando o braço de Alvaro correo a elle, lançou-se-le nos braços, e escondendo o rosto em seo hombro:

— Que opprobrio, meo pae! — exclamou com voz sumida e a soluçar. — Eu bem estava presentindo!...

— Este homem, se não é um insolente, ou está louco ou bebado, — bradava Alvaro palido de colera. — Em todo o caso deve ser enchotado como indigno desta sociedade.

Já alguns amigos de Alvaro agarrando o Martinho pelo braço, se dispunhão a pôl-o pela porta a fora, como a um ebrio ou alienado.

— De vagar meos amigos, de vagar!.. disse-lhes elle com toda a calma. — Não me condenem sem primeiro ouvirem-me. Escutem primeiro este annuncio que lhes vou ler, e se não fôr verdade o que eu digo, dou-lhes licença para me cuspirem na cara, e me atirarem da janella abaixo.

Entretanto esta pequena altercação começava a attrair a attenção geral, e numerosos grupos movidos de curiosidade se apinhavão em torno dos contendores. A frase fatal — esta senhora é uma escrava! — proferida em voz alta por Martinho, transmittida de grupo em grupo, de ouvido em ouvido, já havia circulado com incrivel celeridade por todas as salas e recantos do espaçoso edificio. Um sussurro geral se propagára por todo elle, e damas e cavalheiros, e tudo o que ali se achava, inclusivè musicos, porteiros e famulos, atropellando-se uns aos outros, arrojavão-se afanosos para a sala, onde se dava o singular incidente que estamos relatando. A sala estava litteralmente apinhada de gente, que nem se podia mexer, e que offegante de anciosa curiosidade erguia a cabeça, afiava o ouvido e alongava o pescoço o mais que podia para ver e ouvir o que se passava.

Foi no meio desta multidão silenciosa, immovel, estupefacta e anhelante, que Martinho sacando tranquillamente da algibeira o annuncio, que nós já conhecemos, desdobrou-o ante seos olhos, e em voz bem alta e sonóra o leo de principio a fim.

— Bem se vê, — continuou elle concluida a leitura, — que os signaes combinão perfeitamente, e só um cego não verá naquella senhora a escrava do annuncio. Mas para tirar toda a duvida, só resta examinar, se ella tem o tal signal de queimadura acima do seio, e é cousa que desde já se póde averiguar com licença da senhora.

Dizendo isto, Martinho com impudente desembaraço se encaminhava para Isaura.

— Alto lá, vil esbirro!... bradou Alvaro com força, e agarrando o Martinho pelo braço, o arrojou para longe de Isaura, e o teria lançado em terra, se elle não fosse esbarrar de encontro ao grupo, que cada vez mais se apertava em torno delles. — Alto lá! nem tanto desembaraço! escrava, ou não, tu não lhe deitarás as mãos immundas.

Aniquilada de dôr e de vergonha, Isaura erguendo emfim o rosto, que até ali tivéra sempre debruçado e escondido sobre o seio de seo pae, voltou-se para os circumstantes, e ajuntando as mãos convulsas no gesto da mais violenta agitação:

— Não é preciso que me toquem, — exclamou com voz angustiada. — Meos senhores, e senhoras, perdão! commetti uma infamia, uma indignidade imperdoavel!... mas Deos me é testemunha, que uma cruel fatalidade a isso me levou. Senhores, o que esse homem diz, é verdade. Eu sou... uma escrava!...

O rosto da captiva cobrio-se de lividêz cadaverica, como lyrio ceifado pendeo-lhe a fronte sobre o seio, e o donoso corpo desabou como bella estatua de marmore, que o furacão arranca do pedestal, e teria rojado pela terra, se os braços de Alvaro e de Miguel não tivessem promptamente acudido para amparar-lhe a queda.

Uma escrava!... estas palavras, soluçadas no peito de Isaura como o estertor do arranco extremo, murmuradas de boca em boca pela multidão estupefacta, echoárão largo tempo pelos vastos salões, como o rugir sinistro das lufadas da noite pela grenha de funebre arvoredo.

Este estranho incidente produzio no saráo o mesmo effeito, que faria em um acampamento a explosão de um paiol de polvora; nos primeiros momentos susto, pasmo, e uma especie de estertor de angustia; depois agitação, alarma, movimento e alarido.

Alvaro e Miguel conduzirão Isaura desfallecida ao boudoir das damas, e ahi ajudados por algumas senhoras compassivas, prestárão-lhe os socorros que o caso reclamava, e não a abandonárão em quanto não recobrou completamente os sentidos. Martinho, inquieto e resabiado, os seguia e espiava o mais de perto que lhe era possivel, com receio de que lhe roubassem a presa.

E’ impossivel descrever a celeuma, que se levantou, a agitação, que sublevou todos os espiritos, e as diversas e oppostas impressões, que produzio nos animos aquella inesperada revelação. Com que cara ficarião tantas bellezas de primeira ordem, tantas damas das mais distinctas jerarquias sociaes, ao saberem que aquella que as havia supplantado a todas, em formosura, donaire, talentos e graças do espirito, não era mais que uma escrava! eu mesmo não sei dizer; os leitores que fação idéa. Entretanto em muitas dellas o cruel desapontamento por que acabavão de passar, não deixava de ser mesclado de um certo contentamento intimo, mórmente naquellas que se sentião enfadadas pelas defferencias e homenagens que certos cavalheiros, tomados de enthusiasmo, havião francamente rendido á gentil desconhecida. Estavão humilhadas, mas tambem vingadas. Quanto ás que tinham esperanças ou pretensões ao amor de Alvaro, — e não erão poucas, — essas exultárão de jubilo ao saberem do caso, e o nobre mancebo tornou-se o alvo de mil desapiedados apodos e pilhérias.

— O que me diz do escravo da escrava? — dizião ellas — com que cara não ficaria o pobre homem!...

— Com a mesma. De certo vae forral-a e casar-se com ella. Aquillo é um maluco capaz de todas as asneiras.

— E que máo! Terá ao mesmo tempo mulher e talvez uma boa cosinheira.

Triste consolação! o estigma do captiveiro não podia apagar da bella fronte de Isaura, antes mais realçava o cunho de superioridade que o sopro divino nella havia gravado em caracteres indeleveis.

Entre os mancebos a impressão era bem differente. Poucos, bem poucos, deixávão de tomar vivo interesse e compaixão pela sorte da infeliz e formosa escrava. Por todos os cantos fallava-se e discutia-se com calor a respeito do caso. Alguns, a despeito da evidencia dos indicios e da confissão de Isaura, ainda duvidavão da verdade que tinham diante dos olhos.

— Não; aquella mulher não pode ser uma escrava, — dizião elles, — aqui ha algum mysterio, que algum dia se desvendará.

— Qual mysterio? o caso é muito factivel, e ella mesma o confessou. Mas quem será esse bruto e desalmado fazendeiro, que conserva no captiveiro uma tão linda creatura?

— Deve ser algum lorpa de alma bem estupida e sordida.

— Se não fôr algum sultãosinho de bom gosto, que a quer para o seo serralho.

— Seja como fôr, esse bruto deve ser constrangido a dar-lhe a liberdade. Na senzala uma mulher que merecia sentar-se n’um throno!...

— Tambem só o infame do Martinho, com o seo satanico instincto de cobiça, poderia farejar uma escrava na pessoa daquelle anjo! que impudencia! se o visse agora aqui, era capaz de estrangulal-o!

Entretanto Martinho, que se havia previamente munido de um mandado de apprehensão, e se fazia acompanhar de um official de justiça, exigia terminantemente, que se lhe fizesse entrega de Isaura. Alvaro porém interpondo o valimento e prestigio de que gozava, oppôz-se decididamente a essa exigencia, e tomando por testemunhas as pessoas que ali se achavão, constituio-se fiador da escrava, compromettendo-se a entregal-a a seo senhor, ou a quem por ordem delle a reclamasse. Em vão Martinho quiz insistir; uma multidão de vozes, que o apupavão e cobrião de injurias, forçárão-no a calar-se e desistir de sua pretensão.

— Ah! malditos! querem-me roubar! — bradava Martinho como um possesso. — Meos cinco contos! ai! meos cinco contos! lá se vão pela agoa abaixo.

E dizendo isto procurou a escada, e saltando-a aos dois e tres degráos, lá se foi bramindo pela porta a fóra.