Poesias (Bernardo Guimarães, 1865)/Cantos da solidão/A uma Estrela

A UMA ESTRELLA

POESIA OFFERECIDA A MEU AMIGO
O SR. A. C. C. V. C.




Salve, estrella solitaria,
Que brilhas sobre esse monte,
Timida luz maviosa
Derramando no horizonte.

Eu amo teu manso brilho
Quando languido se esbate,
Pelos campos scintillando,
De relva em humido esmalte;

Quando tremula argenteias
Um lago limpido e quedo,

Quando infiltras meigos raios
Pelas ramas do arvoredo.

Pallida filha da noite,
Sempre és pura e maviosa;
Fulge-te o rosto formoso
Qual branca orvalhada rosa.

Eu amo teu manso brilho,
Que como olhar amoroso,
Vigilante á noite se abre
Sobre o mundo silencioso,

Ou como em beijo de paz,
Que o céo sobre a terra envia,
Na face d’ella espargindo
Silencio e melancolia.

Salve, ó flôr do ethereo campo,
Astro de meigo palor!
Tu serás, formosa estrella,
O fanal do meu amor.




N’este mundo, que allumias
Com teu pallido clarão,
Existe um anjo adoravel
Digno de melhor mansão.

Muitas vezes a verás
Sozinha e triste a pensar,
E seus languidos olhares
Com teus raios se cruzar.

Nas faces a natureza
Lhe esparzio leve rubor,
Mas a fronte lisa e calma
Tem dos lirios o palor.

Mais que o ebano brunido
Lhe fulge a madeixa esparsa,
E co’os anneis lhe sombrêa
O niveo collo de garça.

Nos labios de carmim vivo,
Rara vez paira um sorriso;
Não póde sorrir na terra,
Quem pertence ao paraiso.

Seus olhos negros, tão puros
Como o teu puro fulgor,
São fontes, onde minh’alma
Vai abrevar-se de amor.

Se a este mundo odioso,
Onde me langue a existencia,
Me fosse dado roubar
Aquelle anjo de innocencia;

E n’esses orbes que gyrão
Pelo espaço luminoso,
P’ra nosso amor escolher
Um asylo mais ditoso...

Se eu pudesse a ti voar,
Astro de meigo palor,
E com ella em ti viver
Eterna vida de amor...

Se eu pudesse... Oh! vão desejo,
Que me embebe em mil delirios,
Quando assim de noite scismo
Á luz dos celestes cirios!




Porém ao menos um voto
Vou fazer-te, ó bella estrella,
A’ minha supplica attende,
Não é por mim, é por ella;

Tu, que és o astro mais bello
Que gyra no azul do céo,
Sê seu horoscopo amigo,
Preside ao destino seu.

Leva-a sobre o mar da vida
Embalada em sonho ameno,
Como um cysne, que deslisa
A’ flôr de um lago sereno.

Se diante dos altares
Curvar os joelhos seus,
Dirige-lhe a prece ardente
Direito ao throno de Deos.

Se solitaria scismar,
No mais brando raio teu
Manda-lhe um beijo de amor,
E puros sonhos do céo.

Veja sempre no horizonte
Tua luz serena e mansa,
Como um sorriso do céo,
Como um fanal de esperança.

Porém se o anjo celeste
Sua origem deslembrar,
E no lodo vil do mundo
As niveas azas manchar;

Ai! se louca profanando
De um puro amor a lembrança,
Em suas mãos sem piedade
Esmagar minha esperança,

Então, estrella formosa,
Cubra-te o rosto um bulcão,
E sepulta-te para sempre
Em perpetua escuridão!