Suspiros poéticos e saudades (1865)/As Saudades/Adeos ao meu Amigo M. de Araújo Porto-Alegre


Não posso duvidar, nem tu duvides;
Há uma estrela que ao porvir nos guia,
Malgrado as ondas do inconstante mundo.
Os destinos dos homens são patentes
Da Providência aos olhos,
Pois que aos olhos de Deus não há futuro;
Duvide embora o ímpio.

Com insolúvel nó a ti me liga
Sagrada, oculta força.
Fitos na Pátria os olhos, sempre avante,
Araújo, marchemos.

Amamo-nos; que importa Grécia, e Roma
Vás ver sem mim?[1] Assim 'stá destinado.
Na Pátria de Platão, e de Lionides,
De Rafael na Pátria
Não, não te esquecerás do teu amigo.

Vai; sapiência colhe em solo estranho;
Depois conosco pródigo reparte.
Assim de flor em flor errante abelha
O néctar frui, que em mel ofrece aos homens;
Assim de gotas pluviais se embebe
O ancho seio do monte,
Que em límpidas correntes depois mana.

Vai; ao Parnaso sobe; aí meu nome
Entoa para o céu, e atento escuta;
Se os ecos responderem,
Junto do nome teu meu nome grava
No mármore que achares.
Ah! lembra-te de mim quando de Tasso
Visitares o cárcer.

Quando do longo meditar cansado
Estiveres de Roma nas ruínas;
Quando só passeando n'Ápia estrada,
Ou da morte os segredos contemplando
Dos Mártires Cristãos nas catacumbas;
Quando ouvires soar de amigo o nome,
De mim te lembrarás, dirás contigo:
Quem sabe se por força da amizade,
Em mim pensa ele agora, como eu nele?

Vai; teu gênio alimenta.
Breves os dias são, os anos breves,
E dos filhos dos homens breve corre
A vida afadigada,
Como nos ares rápido meteoro.
Ah! quanto a missão custa
Cumprir na terra, onde atalaias somos!

Na começada empresa
Somente ao fraco arrepiar é dado;
Não se releva ao campeão donoso,
Que desde o albor da idade
N'alma ferveu-lhe em turbilhões o engenho,
Que lhe inspirara a Pátria.

Enganados num dia os mortais podem
Às mãos de um néscio confiar o mando,
Com que depois os curva;
Podem coroas repartir, e cetros,
E púrpuras reais, e tit'los nobres;
Podem rolar seus ídolos dos tronos,
Tomar os louros que iludidos deram;
Mas tu, raro no mundo, dom sublime,
Gênio, quem te reparte?

Deus só, Deus só te envia a seus diletos.
Gênio, filho de Deus, fogo celeste
Baixado à terra em prol da Humanidade!
Aquele em cuja fronte resplendeces,
Cujos lábios inflamas,
Um Homero será, Platão, ou Fídias,
Radiantes padrões, astros de glória,
De estrelas escoltados,
Que como o sol, do oriente ao ocidente,
Giro farão eterno.

Sinal em tua fronte tens do Gênio;
Não pertences a ti, tu és da Pátria.
Com teus pincéis divinos
Deves seus feitos esmaltar, preclaros;
Eu a teu lado cantar-lhe-hei a glória.
Unidos, sempre amigos, sempre à mesma
Vontade obedecendo,
Que doce nos será então a vida!
Tempo, tempo, não voes; Pátria, aguarda;
Araújo, marchemos.

  1. Mal sabia eu, escrevendo estes versos e preparando-me para dar o abraço da despedida ao meu amigo, que as circunstâncias tão repentinamente se mudassem, e que deixaria Paris, para acompanhá-lo na viagem à Itália. Como ignora o homem o que tem de fazer no dia seguinte! É esta uma das fases de minha vida que eterna ficará na minha lembrança; e estes versos me despertarão sempre essa triste recordação; triste pelas circunstâncias que motivaram a viagem.