O sol em sangue alastra, mancha prodigiosamente o luxuoso e largo damasco do Firmamento.

Opulentos, riquíssimos esplendores de púrpuras luminosas dão uma glória sideral à tarde.

E, pela sugestão cultual, quase religiosa da hora, os deslumbrantes efeitos escarlates do grande astro que desce, d’envolta com doiramentos faustosos, fazem lembrar a magnificência romana, a ritual majestade dos Papas, um festivo desfilar católico de bispos e cardeais, através dos resplandecentes vitrais do Vaticano, com os báculos e as mitras altas, sob os pálios auri-lavrados.

Embalsamam a tarde aromas frescos, sãos, purificadores, como que emanados da saúde, das virgindades eternas.

Um ar olímpico, talvez o sopro vital dos mares verdes e gregos, eterifica harmoniosamente a curva das montanhas, ao longe, contorna-as, recorta-as, dá-lhes a nitidez, o esmalte do aço.

Como a Natureza, neste esmaecer do dia, tem mocidades imortais e como que as forças, as origens fecundas da terra, desabrochem em rosas.

O rubente esplendor solar gradativamente smorza numa cor de rosa leve, de veludosa suavidade.

Serenamente, lentamente, uma pulverização neblinosa desce das amplidões infinitas...

Névoas crepusculares envolvem afinal a imensidade, no recolhimento, na paz dos ascetérios.

Os campos, as terras da lavoura, a vegetação dos vales e das colinas adormecem além, repousam num fluido notambulismo...

Por estradas agrestes pacificadas na bruma, uma voz de mulher, dispersa no silêncio, clara e sonora, canta amorosamente para as estrelas que afloram rútilas e mudas.

Canta para as estrelas! e parece que a sua voz, errante na vastidão infinita, vai inundando do mesmo perfume original que a alma viçosa e branda os vegetais exala na Noite...