Alfredo estava contente consigo e com a fortuna. Depara-lhe esta uma mulher como aquela senhora, teve ele a idéia de a seguir, as circunstâncias o ajudaram poderosamente; sabia agora onde morava a bela, sabia que era livre, e enfim, e mais que tudo, amava.

Amava, sim. Aquela primeira noite foi toda dedicada à lembrança da visão ausente e passageira. Enquanto ela talvez dormia no silêncio da sua alcova solitária, Alfredo pensava nela e fazia já de longe mil castelos no ar. Um pintor não compõe na imaginação o seu primeiro painel com mais amor do que ele delineava os incidentes da sua paixão e o feliz desenlace que ela não podia deixar de ter. Escusado é dizer que não entrava no espírito do solitário amador a idéia de que Ângela fosse uma mulher vulgar. Era impossível que uma mulher tão bela não fosse igualmente, em espírito, superior ou, melhor, uma imaginação etérea, vaporosa, com aspirações análogas às dele, que eram de viver como se poetisa. Isto devia ser Ângela, sem o que não se cansaria a natureza a dar-lhe tão aprimorado invólucro.

Com estas e outras reflexões foi passando a noite, e já a aurora tingia o horizonte sem que o nosso aventuroso herói tivesse dormido. Mas era preciso dormir e dormiu. O sol já ia alto quando ele acordou. Ângela foi ainda o seu primeiro pensamento. Ao almoço pensou nela, pensou nela durante o trabalho, nela pensou ainda quando se sentou à mesa do hotel. Era a primeira vez que se sentia tão fortemente abalado; não tinha que ver; era chegada a sua hora.

De tarde foi a Mata-cavalos. Não achou ninguém à janela. Passou três ou quatro vezes por diante da casa sem ver o menor vestígio da moça. Alfredo era naturalmente impaciente e frenético; este primeiro revés da fortuna o pôs de mau humor. A noite desse dia foi pior que a anterior. A tarde seguinte, porém, alguma compensação lhe deu. Ao avistar a casa deu com um vulto de mulher à janela. Se não lho dissessem os olhos, dizia-lhe claramente o coração que a mulher era Ângela. Alfredo ia pelo lado oposto, com os olhos pregados na moça e tão apaixonados os levava, que se ela os visse, não deixaria de lhes ler o que andava no coração do pobre rapaz. Mas a moça, ou porque alguém a chamasse de dentro, ou porque já estivesse aborrecida de estar à janela, entrou rapidamente, sem dar fé do nosso herói.

Alfredo nem por isso ficou desconsolado.

Tinha visto outra vez a moça; tinha verificado que era realmente uma formosura notável; sentia o coração cada vez mais preso. Isto era o essencial. O resto seria objeto de paciência e de fortuna.

Como era natural, amiudaram-se os passeios a Mata-cavalos. A moça ora estava, ora não estava à janela; mas ainda ao cabo de oito dias não reparara no paciente amador. No nono dia Alfredo foi visto por Ângela. Não se admirou de que ele já de longe viesse a olhar para ela, porque isso era o que faziam todos os rapazes que ali passavam; mas a expressão com que ele olhava é que lhe chamou a atenção.

Desviou contudo os olhos por não lhe parecer conveniente que atendia ao desconhecido. Não tardou porém que de novo olhasse; mas como ele não houvesse desviado os seus dela, Ângela retirou-se.

Alfredo suspirou.

O suspiro de Alfredo tinha dois sentidos.

Era o primeiro uma homenagem do coração.

O segundo era uma confissão de desânimo.

O rapaz via claramente que o coração da bela não fora tomado de assalto, como ele supunha. Todavia não tardou que reconhecesse a possibilidade de pôr as coisas em bom caminho, com o andar do tempo, e bem assim a obrigação que tinha Ângela de não parecer namoradeira deixando-se ir ao sabor da ternura que naturalmente havia de ter lido nos olhos dele.

Daí a quatro dias Ângela tornou a ver o rapaz; pareceu reconhecê-lo, e mais depressa que da primeira vez, deixou a janela. Alfredo desta vez enfiou. Um monólogo triste e à meia voz entrou a correr-lhe dos lábios fora, monólogo em que ele acusava a sorte e a natureza, culpadas de não terem feito e dirigido os corações de modo que quando um amasse ao outro se afinasse pela mesma corda. Queria ele dizer na sua ([1]) que as almas deviam descer aos pares cá a este mundo. O sistema era excelente, agora que ele amava a bela viúva; se amasse alguma velha desdentada e tabaquista, o sistema seria detestável.

Assim vai o mundo.

Cinco ou seis semanas correram assim, ora a vê-la e ela a fugir-lhe, ora a não vê-la absolutamente e a passar noites atrozes. Um dia, estando em uma loja na Rua do Ouvidor ou dos Ourives, não sei bem onde foi, viu-a entrar acompanhada da irmã mais moça, e estremeceu. Ângela olhou para ele; se o conheceu não o disse no rosto, que se mostrou impassível. De outra vez indo a uma missa fúnebre na Lapa, deu com os olhos na formosa esquiva; mas foi o mesmo que se olhasse para uma pedra; a moça não se moveu; uma só fibra do rosto não se lhe alterou.

Alfredo não tinha amigos íntimos a quem confiasse estas coisas de coração. Mas o sentimento era mais forte, e ele sentia a necessidade de derramar o que sentia no coração de alguém. Deitou os olhos a um companheiro de passeios, com quem aliás não andava desde a aventura da Rua da Quitanda. Tibúrcio era o nome do confidente. Era um sujeito magro e amarelo, que se andasse naturalmente podia apresentar uma figura sofrivelmente elegante, mas que tinha o sestro de contrariar a natureza dando-lhe um jeito particular e perfeitamente ridículo. Votava todas as senhoras honestas ao maior desprezo; e era muito querido e festejado na roda das que o não eram.

Alfredo reconhecia isto mesmo; mas olhava-lhe algumas qualidades boas, e sempre o considerara seu amigo. Não hesitou portanto em dizer tudo a Tibúrcio. O amigo ouviu lisonjeado a narração.

— É de fato bonita?

— Oh! não sei como a descreva!

— Mas é rica?...

— Não sei se o é... sei que por ora tudo é inútil; pode ser que ame alguém e esteja até para casar com o tal primo, ou com outro qualquer. O certo é que eu estou cada vez pior.

— Imagino.

— Que farias tu?

— Eu insistia.

— Mas se nada alcançar?

— Insiste sempre. Já arriscaste uma carta?

— Oh! não!

Tibúrcio refletiu.

— Tens razão, disse ele; seria inconveniente. Não sei que te diga; eu nunca naveguei nesses mares. Ando cá por outros, cujos parcéis conheço, e cuja bússola é conhecida por todos.

— Se eu pudesse esquecer-me dela, disse Alfredo que nenhuma atenção prestara às palavras do amigo, já tinha deixado isto de mão. Às vezes penso que estou fazendo figura ridícula, porque enfim ela é pessoa de outra sociedade...

— O amor iguala as distâncias, disse sentenciosamente Tibúrcio.

— Então parece-te?...

— Parece-me que deves continuar como hoje; e se daqui a algumas semanas mais nada houveres adiantado, fala-me porque eu terei meio de te dar algum conselho bom.

Alfredo apertou fervorosamente as mãos do amigo.

— Entretanto, continuou este, seria bom que eu a visse; talvez que, não estando namorado como tu, possa conhecer-lhe o caráter e saber se é frieza ou soberba o que a faz até agora esquiva.

Interiormente Alfredo fez uma careta. Não lhe parecia conveniente passar por casa de Ângela acompanhado de outro, o que tiraria ao seu amor o caráter romântico de um padecimento solitário e discreto. Era entretanto impossível recusar nada a um amigo que se interessava por ele. Convieram em que iriam nessa mesma tarde a Mata-cavalos.

— Acho bom, disse o namorado alegre com uma idéia súbita, acho bom que não passemos juntos; tu irás adiante e eu um pouco atrás.

— Pois sim. Mas estará ela à janela hoje?

— Talvez; estes últimos cinco dias tenho-a visto sempre à janela.

— Oh! isso é já um bom sinal.

— Mas não olha para mim.

— Dissimulação!

— Aquele anjo?

— Eu não creio em anjos, respondeu filosoficamente Tibúrcio, não creio em anjos na terra. O mais que posso conceder neste ponto é que os haja no céu; mas é apenas uma hipótese vaga.