Suspiros poéticos e saudades (1865)/Ao R. P. M. Fr. F. de Monte Alverne
Ao meu ilustre mestre e amigo O Reverendíssimo Senhor Fr. Francisco de Monte-Alverne
Eis-me em Roma! Da Pátria tão distante!
Inda de vós conservo tal lembrança,
Que às vezes se me antolha a imagem vossa;
A ela me dirijo, falo, escuto,
E cuido que ela me ouve, e me responde.
Como de um tão bom mestre, tão amigo
Poderá o discípulo esquecer-se?
Quantas vezes aqui, nos sacros templos,
Ouço santas palavras destes padres;
Cuido ver-vos no púlpito elevado;
Mas desconheço as vozes, e nem sinto
Bater-me o coração dilacerado
Da grave dor cristã; nem em transportes
Subir minha alma ao céu como um eflúvio
Da flor erguido; então saudoso exclamo:
Quem me dera inda ouvir o grande Alverne!
Roma é bela, é sublime, é um tesouro
De milhões de riquezas; toda a Itália
É um vasto museu de maravilhas.
Eis o qu'eu dizer posso; esta é a Pátria
Do pintor, do filósofo, e do vate.
Embalde Roma invoco, e a musa empenho,
Para um quadro traçar destes prodígios;
Sem cessar uma voz me fala n'alma:
Da louca pretensão que te alucina,
Desiste, oh fantasia! não te é dado
Achar uma linguagem tão facunda,
Tão sublimes imagens com que pintes
Dignamente esta imensa maravilha.
Como é possível descrever ao vivo
Todo o horror da montanha que vomita
Fogo, lavas, e fumo do ancho seio?
Quem pode retratar a majestade
Do vasto Coliseu, quando o argenteia
Do noctículo globo o incerto lume,
Seus raios pelas fendas enfiando?
As projetadas sombras como espectros;
Rotos muros, longuíssimas abóbadas;
Um gemido escapado de repente
Do pobre, que ante a Cruz seus males chora;
Um fúnebre arquejar de ave sinistra;
Uma voz, que além soa murmurando?
Quem narrar pode os pensamentos todos,
Que d'alma em torno em turbilhões volteiam,
Inda mais pavorosos que as ruínas?
Quem, penetrando as negras catacumbas,
Escondidas da terra nas entranhas,
Dos mártires cristãos leitos de morte,
Onde não entra o sol, nem entra a lua,
E só pequena luz, na mão do guia,
Trêmula, moribunda bruxuleia,
Como pálida estrela, ou como um olho
Do gênio habitador daquelas trevas;
Quem não se enche de horror? Quem falar pode?
Só ver, e emudecer; a língua é fraca;
As grandes comoções não se descrevem.
Como é tão eloqüente a lisa pedra
Que só diz: — Aqui jaz Torquato Tasso!
Quando todos os mármores ligados,
Inda assim receber não poderiam
Seus versos imortais por epitáfio!
Assim eu, receando dizer pouco,
Não podendo pintar tanta grandeza,
Eloqüente serei nada dizendo.
Roma, abril de 1835