A noite dos domingos é um pouco solitária nas fazendas.

Os escravos têm no domingo o seu dia de arremedo da liberdade; de manhã saem a vender o que têm colhido de suas pobres roças e o que têm furtado das roças do senhor; à noite vão aos fados e aos deboches da venda.

Nunca em parte alguma do mundo houve senhores mais humanos complacentes do que no Brasil, onde são raros aqueles que nos domingos contêm presos no horizonte da fazenda os seus escravos; em regra, todos fecham os olhos ao gozo amplo do dia santificado.

Por isso as fazendas são muito mais solitárias aos domingos.

Uma quadrilha de salteadores escolheria de preferência a noite de domingo para atacar a casa de uma fazenda.

Mas em muitas fazendas a casa da família do fazendeiro tem condições e seguranças de fortaleza.

Era assim a casa que Domingos Caetano cuidadosamente fizera construir.

Levantava-se ela no cabeço de um outeiro suave; era assobradada e toda de grossas paredes de pedra; as portas e janelas de rija madeira de lei chapeadas de ferro tinham, além de grandes e fortes fechaduras, cada uma duas traves de ferro, que tornavam quase impossível o arrombamento e pequenas frestas sistematicamente dispostas, por onde era ou seria possível observar sem perigo o agressor externo e atirar sobre ele; entre o assoalho da casa e o chão, havia imenso e escuro espaçoso vão sem porta para o exterior, mas com entrada no interior da morada, e com respiradouros circulares apertados e defendidos por inabaláveis grades de ferro de modo que, invisível ao inimigo, o fazendeiro dali também poderia matá-lo.

A disposição das senzalas dos escravos assegurava pronto mas nem sempre seguro socorro; porque só a imprudência pode confiar no auxílio leal e dedicado da escravatura que vive opressa, e a quem naturalmente pouco importa a sorte do senhor.

No terreiro, finalmente, viam-se cães vigilantes, guardas avançadas e fiéis, que ao mesmo tempo arremetem contra o inimigo, e despertam a família que dorme.

De dentro daquela casa um só homem resistiria a vinte salteadores, e somente poderia ser vencido pela traição abrigada sob o mesmo teto.

Sem dúvida, por esta consideração Domingos Caetano tinha adotado o costume de fazer dormir fora da casa da família ainda mesmo os escravos e escravas do serviço doméstico. O próprio Simeão, desde que saíra da se­gunda infância, tivera o seu quarto, aliás muito cômodo, junto da fábri­ca, ou do engenho, como ainda se diz.

No interior da casa, e só por exceção, dormiam duas escravas, uma já idosa e que acompanhara Angélica desde menina, tornando-se por isso objeto de sua estima, e Eufêmia, filha dessa mesma escrava e mucama de Florinda.

Eufêmia era na fazenda a amante predileta de Simeão.

À morte de Domingos Caetano não seguira modificação alguma nos costumes da fazenda e da família; o sogro revivia no genro.

Hermano muito acertadamente louvou a prática de fazer dormir fora da casa senhorial todos os escravos; mas também respeitou a exceção que achara estabelecida.

Às nove horas da noite do domingo os escravos do serviço doméstico retiraram-se; Hermano fechou e trancou todas as portas e janelas, foi dor­mir tranqüilo e sem cuidados.

A inexpugnável fortaleza estava fechada.

Mas... dentro dela havia ainda escravos.