Não há fazendeiro prudente ou ajuizado que tolere dentro de sua fazenda a prática da feitiçaria: algum, e tem havido exemplos, que apadrinhou essa brutal impostura, foi desgraçado infecto dessa louca superstição e acabou dela vítima.

As casas do escandaloso culto do feitiço, ou dos candombes isolam-se instintivamente, escapam as mais das vezes à ação dos proprietários de terras, encantonando-se em lugar ou refúgio independente, que só receia a perseguição da polícia, a qual somente se lembra da sua existência se o candombeiro é emancipado, ou livre, e como tal pode votar em eleições: fora desta hipótese, o candombeiro faz prática de feitiçaria, e a polícia dorme sem jamais sonhar com essa entidade malvada.

Mas em muitas fazendas há dissimulado, sinistro, fatal o negro feiticeiro.

E o negro feiticeiro é um perigo real de todos os dias.

Os outros escravos, se o conhecem, o temem; procuram torná-lo amigo com bajulações, presentes, serviços e obrigada submissão: se o não conhecem, sentem-no em males que experimentam.

Em regra que poucas exceções concede, o negro escravo acredita no poder do feiticeiro, como o velho muçulmano no alcorão de Maomé.

E o senhor não está a coberto da ação perversa desse tremendo ou insensato charlatão que se chama feiticeiro.

Insensato charlatão, dizemos; porque não é raro que o miserável fátuo, em sua profunda e vaidosa ignorância, se presuma dotado de maléficos sobrenatural poder.

Mas que é na realidade o negro escravo feiticeiro? Em que consiste a sua faculdade de fazer mal impunemente? Qual é a fonte de sua força, da sua influência ativa e funesta?

O feiticeiro das fazendas e dos estabelecimentos rurais, ainda mesmo dos mais modestos, é, se infelizmente entre os escravos existe, o negro herbolário, o botânico prático que conhece as propriedades e a ação terrí­vel de raízes, folhas e frutas que debilitam, enlouquecem, e fazem morrer o homem; que abatem com as forças físicas a força moral do homem, e ao que eles chamam – amansar o senhor; que excitam a luxúria, e os instin­tos animais; que atacam o cérebro e corrompem a razão; que envenenam pouco a pouco dilacerando o estômago e os intestinos até matar no fim de horríveis tormentos, ou que de repente, em poucas horas, em breves mi­nutos assassinam, como o tiro do bacamarte, mas sem o ruído do tiro do bacamarte.

Quem deu essa ciência ao negro analfabeto e ignorante?... a rude ex­periência própria ou a revelação fraternal que o prepararam na África e que mais o armam, escravo na colônia escravagista: iniciado nos venenos vegetais d’África, o negro atiçou a inteligência para fazer o mal, vendo-se escravo; recolheu e guardou a rude ciência dos olhos que distinguem as plantas; onde foi, procurou, experimentou, achou vegetais venéficos; co­nheceu uns pela experiência de outros escravos, foi ensaiando muitos nos animais domésticos, no gado da fazenda; no aspecto, no sabor, no cheiro adivinhou às vezes o veneno nas flores, nos frutos, nas raízes do cipó, do arbusto, da árvore; preparou assim sua ciência prática, misturou-a com sa­crilegas rezas, com imprecações e votos desprezíveis e com uma química extravagante, imunda, nojenta que compõe cozimentos e infusões em que dez ou mais substâncias inertes ou apenas asquerosas se ajuntam com uma que é o veneno que opera.

O feiticeiro não é mais nem menos do que um propinador de venenos vegetais.

Mas basta isso para torná-lo formidável.

Poucos restam dos negros africanos feiticeiros; dos que porém já mor­reram, muitos passaram aos parceiros prediletos, aos filhos desprezados com eles nas senzalas, aos curiosos que souberam pagar bem a ciência que invejavam, os segredos fatais do envenenamento com as suas variedades múltiplas.

Herbolários tremendos, os escravos feiticeiros têm escondidos no bos­que, e sempre à mão, e sempre certos de serem achados, os punhais invisí­veis, os tiros sem estrépito, os venenos ignorados, com que estragam a saúde, ou apagam a vida daqueles de quem se querem vingar, ou a quem se resolvem a matar.

E muitas vezes vão cadáveres ao cemitério da freguesia, e ao vê-los pas­sar o feiticeiro ri... ri, porque é sua colheita de morte, e ele é algoz disfar­çado, insuspeito e celerado...

Há por esse interior, nas fazendas e nos sítios, moléstias que não se ex­plicam, mortes de senhores e de escravos que se afiguram misteriosas, ata­ques repentinos de loucura, abatimentos da vontade e da energia do se­nhor que se reduz a inerte máquina sem força física, e a objeto da zomba­ria dos seus escravos: uns lamentam, outros choram; é raro que haja quem se empenhe em aprofundar a origem e as causas de semelhantes sucessos sinistros, e só o feiticeiro às escondidas ri...

Em uma fazenda, em um sítio, em qualquer parte, onde exista e se dissimule, o feiticeiro é peste e flagelo terrível.

E sempre que puserdes a mão em um desses feiticeiros, encontrareis nele um negro escravo... ou algum seu iniciado.

E tomai sentido e precauções: o escravo, não nos cansaremos de o repe­tir, é antes de tudo natural inimigo de seu senhor; e o escravo que é feiticeiro, sabe matar.