A crioula concedeu à dor profunda do pai a expansão de quinze dias.

Durante esse breve período, acudindo e obedecendo ao silvo da serpente, experimentou duas vezes a eficácia de uma só das raízes que dera o Pai-Raiol, ajuntando-a à água que fazia ferver para o café do senhor.

O efeito mostrou-se indisputável e seguro. Paulo Borges dormiu, como embriagado que se submerge no sono.

A crioula abria uma janela, e saltava para o campo à meia-noite, demorava-se duas e três horas na senzala do Pai-Raiol, recolhia-se depois e Paulo Borges dormia sempre.

Era preciso despertá-lo ao romper do dia, e ainda depois de desperto Paulo Borges, quando não se ativava, tinha sono.

Esméria estudava cautelosa na observação desses fenômenos as proporções das doses que lhe conviria aplicar ao senhor.

Em suas duas visitas à senzala do Pai-Raiol teve a certeza de que Alberto prosseguia em seu sistema de provocadora, mas distanciada perseguição ao seu inimigo, que começava a revoltar-se impaciente, e a idear vingança.

Alberto descobria as preferências que a sensualidade do Pai-Raiol dava passageiramente a uma ou outra escrava, e tomava-lhe sem dificuldade e com ostentação as preferidas.

Alberto seguia sempre de longe o Pai-Raiol, e por vezes, aos domingos, se mostrava à distância, mas parado e firme nos bosques e descampados onde o seu inimigo de costume divagava.

Alberto matara diante de alguns parceiros o gato preto, companheiro único do Pai-Raiol, em sua senzala solitária.

Pai-Raiol era forte, de sua força muscular tinha consciência e certa ufania; não se arreceava de Alberto; mas também não se achava seguro de sua superioridade física sobre o Hércules, e contemporizava, embora raivoso, calculando matá-lo sem perigo.

Uma escrava tinha já avisado Alberto de que o Pai-Raiol tentava pôr-lhe feitiço, havendo-a convidado com instância para ajudá-lo nesse em­penho.

De tudo isto Esméria soube metade na senzala do Pai-Raiol, a outra metade nas confidências de outras escravas.

A crioula teve medo de perder o tio Alberto, e resolveu apressar a marcha acontecimentos que ela devia determinar.

Passadas as duas semanas dadas ao coração do pai, ela falou ao senhor sobre condição e o futuro de seu filho.

– Enquanto viveram meus senhores-moços, eu nunca me animei a pedir a liberdade e algum favor para meu filho, que também o é de meu senhor; mas agora...

E abaixou os olhos com refinamento de hipocrisia.

Paulo Borges triste e abatido não respondeu; ficou, porém, meditando o dia inteiro.

Esméria mostrou-se a seus olhos, por vezes, com o filho nos braços, com o filho que já conhecia, e ria, ao desgraçado que era seu pai, e seu senhor.

Alguns dias depois Paulo Borges, a quem a crioula incessantemente cercara de cuidados, e que hábil e petulante embriagara em novos frene­sis, tomou suas vestes de saída, e logo de manhã montou a cavalo e foi pa­ra vila.

Demorando-se mais do que costumava, o mísero só voltou à fazenda ao cair da tarde, e chamando Esméria a seu quarto, mostrou-lhe um papel dobrado e lacrado, que fechou depois em uma gaveta, da qual guar­dou a chave.

– É o meu testamento, crioula – disse ele.

Crioula era o tratamento que Paulo Borges dava a Esméria.

– Que me importa o seu testamento? – exclamou a pérfida negra. – Testamento é lembrança de morte e eu quero que meu senhor viva cem anos.

O louco riu-se com agrado, escutando a exclamação da crioula, e entre­gando-lhe duas folhas de papel dobradas separadamente, acrescentou:

– Aí tens duas cartas de alforria, uma é tua; desde hoje deixaste de ser escrava; a outra é a do teu... do meu filho: não ficaram aí os meus favores... hás de senti-lo a seu tempo: continua a ser boa e fiel, para que eu não me arrependa.

Esméria caiu de joelhos aos pés de Paulo Borges.

A vítima levantou em seus braços o algoz.

E logo nessa mesma noite Paulo Borges dormiu sono comatoso.