Cândida se aplaudira tanto do presente de anos que lhe fizera seu padrinho, que não só para aprazê-la, como em respeito aos desejos de Plácido Rodrigues, Lucinda foi por Leonídia segunda vez destinada para mucama da menina.

Por excesso de zelo, Leonídia caiu no erro, na grave imprudência aliás muito comum: resolveu recatar a escrava, que era ainda tão moça e que devia ser tão freqüente junto de sua filha, e não podendo resguardá-la ab­solutamente da companhia dos outros escravos durante o dia, encerrou-a ao menos à noite, fazendo-a dormir à porta do quarto de Cândida.

Era a irrefletida concessão de pronta e inevitável intimidade entre a menina inexperiente e a sua mucama.

Lucinda era aos doze anos de idade uma crioula quase mulher, tendo já tomado as formas que se modificam ao chegar a puberdade: um pouco magra, de estatura regular, ligeira de movimentos, afetada sem excesso condenável no andar, muito viva e alegre, gárrula, e com pretensões a bom gosto no vestir, com aparências de compostura decente nos modos, diligente e satisfeita no trabalho, perspicaz, paciente, e mostrando-se desde o primeiro dia amante de sua senhora, e ufanosa do seu mister de mucama, costurando perfeitamente, engomando bem toda e qualquer roupa de senhora, sabendo trançar e anelar com papelotes cabelos de meninas, ao que ela chamava saber pentear, falando em modas e em figurinos fran­ceses, bordando um pouco, exprimindo-se com facilidade e sem notáveis erros na linguagem trivial, e finalmente fazendo bonitas bonecas de pano, tornou-se em poucos dias muito estimada de sua senhora.

O presente, que Plácido Rodrigues destinara para sua afilhada, tinha sido longamente preparado para que se mostrasse precioso.

Lucinda fora aos sete anos de idade mandada para a cidade do Rio de Janeiro, e ali entregue a uma senhora viúva que era professora particular de instrução primária, e mestra ou preparadora de mucamas.

A pobre, mas laboriosa viúva, ensinava sem paga a ler e escrever mal a meninas pobres, e a barato preço, o mister de mucamas a escravas; tirava porém de umas e outras grande vantagem, porque sendo também modist­a, as meninas e as escravas eram suas costureiras gratuitas.

Exigente e rígida, principalmente com as escravas, quando tratava de ensino e de trabalho, zelava apenas a moralidade das meninas, limitando-se a impedir àquelas de sair à rua.

As aprendizes de mucamas dormiam todas em uma única sala.

No fim de cinco anos Lucinda, que era inteligente e habilidosa, deixou a mestra, e tornou à casa de seu senhor para passar logo ao poder de Cân­dida, trazendo as prendas que presunçosa ostentava, e dissimuladamente escondidos os conhecimentos e o noviciado dos vícios e das perversões da escravidão: suas irmãs, as escravas com quem convivera, algumas das quais muito mais velhas que ela, tinham-lhe dado as lições de sua corrup­ção, de seus costumes licenciosos, e a inoculação da imoralidade, que a fi­zera indigna de se aproximar de uma senhora honesta, quanto mais de uma inocente menina.

A crioula, mucama de Cândida, era pois já então uma rapariga muito pervertida e muito desejosa de se perverter ainda mais; sabia tudo quanto era preciso que ignorasse para não ser nociva à sua senhora.

Assim pois na casa de Florêncio da Silva estava posto o charco em co­municação com a fonte límpida.