Com efeito, Dermany tinha chegado à cidade do Rio de Janeiro: arro­jara-se a tanto, pensando que a polícia brasileira não faria grande esforço para descobri-lo e prendê-lo, não tendo que punir nele crime cometido no país, e porque também é nas grandes capitais, onde melhor se pode ocultar quem foge à justiça pública.

Dermany correra em seguimento de Cândida, e foi-lhe fácil achar a ca­sa de Florêncio da Silva, pois sabia qual era o hotel onde Frederico estava alojado; perdeu duas noites de improfícua espera; porque em ambas Fre­derico em vez de sair do hotel, voltou a ele: na terceira noite, enfim, o ir­mão adotivo de Cândida ensinou, sem que o pensasse, a casa que ela ha­bitava com seus pais ao infame sedutor.

O pajem fiel de Florêncio da Silva, fora naturalmente trazido para a cidade, acompanhando seu senhor, como Lucinda acompanhara sua senhora; os dois escravos cúmplices da sedução e do opróbrio de Cândida esta­vam pois ali, para abrir outra vez as portas à traição e ao crime.

Dermany, jogador furioso, tinha a audácia dos jogadores da sua têm­pera, e parava vertiginosamente nos lances arriscados da vida, como nas grandes e decisivas cartadas do lansquenet. Certamente ele teria podido fugir da cidade de... e asilar-se no interior de alguma das províncias cen­trais do Brasil, onde tarde ou nunca o encontrariam os olhos do ministro francês; não admitiu porém esse recurso de um viver impune, seguro, mas retirado, modesto e com as privações dos gozos dos grandes focos de po­pulação.

O plano de Dermany era de ousadia descomunal; era parada de joga­dor, que em desespero atira à mesa toda a sua fortuna; plano para ele de aparente simplicidade brutal, mas realmente cheio de complicações e de embaraços na execução, reduzia-se ao seguinte: – raptar Cândida e levá-la para remoto e solitário ou ignorado refúgio: daí escrever a Florêncio da Silva e obrigá-lo a lavar a nódoa da filha pelo casamento; servir-se da proteção do sogro para escapar às perseguições ou antes à ação da justiça; insinuar-se durante um ou dois anos no ânimo da família de sua esposa, recolher o dote em dinheiro e o que pudesse da riqueza de Florêncio da Silva, e, abandonando Cândida, fugir para os Estados Unidos da América do Norte.

Para conseguir tanto, Dermany arrostou os perigos a que se expunha na cidade do Rio de Janeiro, e escondido de dia, e tomando à noite uma libré de lacaio, falou e entendeu-se com o pajem, o escravo fiel de Florên­cio da Silva, renovou ainda no quarto do pajem os seus encontros secretos com Lucinda, mostrou-se cada vez dela mais apaixonado, deslumbrou-a com a perspectiva do futuro brilhantemente escandaloso, que lhe prepa­rava, e teve a certeza de contar com ela para entregar-lhe Cândida.

O sedutor soube pela mucama qual era o abismo que o separava da seduzida. Lucinda pediu-lhe cem vezes que inventasse explicações, escusas romanescas e ardilosas para negar ou ao menos atenuar os crimes de que o acusavam; mas Dermany, certo de que Cândida tivera conhecimento das provas irrecusáveis das suas infâmias, tomara o partido de confessá-las, es­crevendo à sua vítima, e limitando-se a protestar o seu profundo arrepen­dimento, a atribuir tudo a loucuras da mocidade, e a ameaçar enfurecido a pobre moça de entregar-se aos seus perseguidores e de ir morrer nas ignomínias do galé, se ela não quisesse salvá-lo com o seu amor.

Dermany escrevera dez cartas a Cândida, subindo cada vez mais no diapasão do amor em delírio, e da ameaça em romântico furor, e conse­guiu receber esta breve resposta à sua décima carta: – “Dermany: enga­naste-me: estou perdida para todos; não hei de porém descer mais por ti: já não me podes salvar; salva-te ao menos tu, fugindo. Eu te perdôo: adeus. – Cândida”.

Lendo o conciso bilhete de Cândida, o sedutor irritado deixou escapar diante de Lucinda as seguintes e terríveis palavras:

– Esta resposta é um tesouro! A confissão, o conselho, o perdão e a as­sinatura valem mais do que pensa quem a escreveu!

E a escrava pôs-se a rir, dizendo:

– Ainda bem!... Não perca o bilhete.