II. NA ESTRADA DE FERRO

Às seis e meia, partiu o trem, – e lá se foram os dois, num carro de segunda classe, muito juntos, – e abatidos, não só pela aflição que levavam consigo, como pela fadiga daquela noite de vigília.

Era uma linda manhã de Setembro, fresca e radiante. Alfredo, que ia junto à janela, começou a olhar a paisagem, e entrou em breve, com a sua curiosidade de criança, já um pouco esquecido do desgosto que o oprimia, a interessar-se por aquele espetáculo que nunca vira. Nunca viajara em estrada de ferro, e tudo aquilo era novo para os seus olhos e para a sua inteligência. Mudo e pasmado de admiração, contemplava o sol que nascera de nuvens de fogo, e o céu azul, e as árvores orvalhadas, e os imensos campos aqui e ali cobertos de neblina.

— Oh! Carlos! que beleza! mas só vejo campos e matas... Onde está o mar?

— O mar ficou lá atrás; – respondeu o irmão – nós nos vamos afastando dele.

— E que é aquilo ao longe, aquela altura?

— É uma serra.

Alfredo não se cansava de contemplar a montanha, que apenas vagamente se desenhava ao longe, com uma cor verde, quase azul esfumada.

O trem ia devagar, subindo uma rampa. uma volta, o pequeno olhou para a frente, e viu a locomotiva que ia bufando, num esforço, expelindo pela chaminé grossas baforadas de uma fumaça muito branca, listada de faixas mais escuras.

Pobre Alfredo! estava embebido nessa contemplação, quando sentiu dentro de um dos olhos um argueiro, um pedacinho de carvão da máquina. Com a dor, o pequeno fechou os olhos e correu para o irmão, que estava em um dos outros bancos do carro; mas, infeliz, pisou, em cheio sobre um embrulho que estava no chão. Era a matalotagem de um passageiro que dormia. Com o ruído, o homem acordou, e, vendo o embrulho machucado, levantou-se furioso contra o menino. Alfredo desculpou-se; mas o bruto a nada atendia, nem às explicações de Carlos, que, vindo em socorro do irmão, mostrava a causa de sua queda. O pequeno de fato, tinha um dos olhos vermelho e lacrimejante... Em vão! o homem esbravejava, e dispunha-se a espancar os meninos, quando um outro passageiro interveio:

— Hem! bater nesses dois pirralhos?! Você não se envergonha de dizer tal cousa, homem? Você, um homem forte, a fazer-se de valente para duas crianças!

A esse protesto juntaram-se logo os dos outros viajantes, – e o malcriado, corrido de vergonha, foi outra vez encafuar-se no seu canto.

O interessante foi que, com o episódio da altercação, Alfredo esqueceu o argueiro,e, quando pensou nele, já não o sentiu.

O trem parou. Era hora do almoço. Enquanto os viajantes saíam, e iam ao restaurante da estação, Caros desembrulhou dois pedaços de pão, com uma fatia de carne cada um, – que comprara antes de tomar o trem.

Alfredo, sempre curioso, enquanto mordia o pão e a carne, não tirava os olhos da casinhola da estação, do movimento da gente, da montanha que já aparecia mais perto, dos grandes blocos de pedra que se amontoavam à margem da estrada, do carvão que os carregadores levavam para a máquina. Mais longe, estendiam-se vales cobertos de matos e campos imensos e ondeados, tapetados de um curto capim verde-amarelo. E Alfredo admirava os bois que pastavam, fartando-se no capim, e com os grossos cachaços reluzindo ao sol.

Soou o apito, e o trem pôs-se de novo em movimento.