Boletim das Missões Civilizadoras n.o 23/A educação dos indigenas nas colonias e as suas vantagens
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A ilustre escritora senhora D. Domingas Lazary Amaral, apresentou ao Congresso Feminista e de Educação, promovido pelo Conselho Nacional das Mulheres Portugue-
sas, em 1924, uma tese que publicou com este titulo.
Porque interessante nos pareceu êste trabalho e porque êle respeita á causa que este boletim defende e á instituição de que é orgão, permitimo-nos a liberdade de aqui o transcrever, confiando que a ilustre congressista nos concederá esta autorização.
A ultima parte, que só no proximo numero poderá ser transcrita e se refére expressamente a missões laicas, dá-nos ensejo a algumas considerações que para então reservamos.
Neste numero limitamo-nos á transcrição que segue:
«Muito se tem dito; muito se tem escrito sobre êste assunto sempre palpitante e do maior interêsse para nós, filhos dum país que conta entre os maiores do mundo, um vasto dominio colonial; que, pelas suas tradições históricas e incontestavelmente heroicas, tem o imperioso dever de tornar respeitado o legado assombroso, conquistado palmo a palmo, à custa de milhares de vidas, pelos nossos intrépidos e valorosos navegadores. Nenhum país se pode orgulhar de feitos tão ingentes como os que enchem as profusas páginas da nossa história. Sulcando os mares tenebrosos; desbravando os imensos tratos de terreno que se deparavam aos nossos destemidos descobridores, densos duma vegetação selvática; defrontando-se com a crueldade excessiva das tribus que iam avassalando, Eles conseguiram dar mundos novos ao mundo; arrancando, quer do leito dos rios como das entranhas ubérrimas da Terra, as riquezas com que deslumbraram o mundo inteiro!
Já que não soubemos conservar imtacto o glorioso património que, desde o vasto império da India fundado pelo seu primeiro vice-rei, o imaculado homem que foi D, Francisco de Almeida, se estendia ao longo do imenso territorio africano; e tanspondo os mares se fixava no importante continente americano, com a descoberta das terras de Vera Cruz, levada a cabo pelo intrépido navegador, Pedro Alvares Cabral, saibamos, ao menos, conservar o pouco que ainda nos resta das antigas conquistas, com aquele amor, carinho e veneração de que são bem dignos os homens que nos deixaram tal legado, e que formaram a imensa pleiade em que brilham os nomes gloriosos de Vasco da Gama e Afonso de Albuquerque. Não basta enaltecer êsses feitos sobrehumanamente heroicos; não basta citar a cada momento, como refrigério ás culpas que pézam sobre nós, filhos negligentes que não soubemos defender, como deviamos, a herança paterna, da cubiça de aváros e ricos potentados, não basta vivermos preguiçosamente falando das nossas tradições históricas; é preciso mais alguma coisa: agir; agir com consciência, acerto e prontidão; volver a vista, há tanto tempo afastada, para as possessões que ainda nos restam.
A única forma de se desenvolverem as nossas vastas e importantes colonias, e de as não vermos sossobrar pela inépcia, reside na educação a dar aos povos indigenas dêsses territórios.
O titulo dêste nosso modesto trabalho, revela bem que nos preocupa mais a educação dum povo que a sua instrução. Sem descurar, todavia, êste ultimo, achamos que todas as atenções devem convergir para o desenvolvimento do primeiro problema, sem a difusão do qual, nação alguma jamais conseguirà impor-se e poderá fazer respeitar os seus direitos.
Temos o adagio popular que diz: « Mais vale tarde que nunca. » — Pois bem: dediquemos á propaganda educativa os nossos melhores esforços; empenhemos toda a nossa boa vontade em engrandecer esta faixa de terra situada na parte mais ocidental da Europa e que se chama Portugal, pátria de todos nós; patria esta que se perde por entre os extensos sertões da Africa, onde polula uma enorme população de raças diversas, que, bem aproveitada, bem orientada, muito contribuirá para o bem estar da metrópole.
Volvendo os olhos para as colónias inglesas, francesas, holandesas e até hespanholas, vêmos a sábia orientação adoptada por êstes paizes e os benéficos resultados que êsses processos lhes tem trazido.
Pois bem: com as modificações que os diferentes povos exigem, sigamos nas nossas colónias, o processo por aquelas potencias empregado, que nos não ficará mal a imitação.
E' portanto o que há a fazer sob o ponto de vista da educação colonial. Enquanto os povos das outras nações fazem progredir as suas colónias com novos processos racionais por êles empregados, não fiquemos nós inertes: sigamos-lhe o exemplo, com o que Portugal muito lucrará.
Mas, objectar-nos-hão: as colónias estão providas de Escolas, algumas até de Liceus, onde se ministra a instrução aos indigenas. Sim, sim, nós estamos ao facto do que se fez e se faz nêste sentido; do que há e não há a tal respeito.
O que por lá existe é a cópia, ainda por cima adulterada do que por cá temos em matéria de instrução. Sabemos, por exemplo, que, desde eras remotas, se pretende desenvolver a instrução nas possessões ultramarinas, e que data de 1536 a fundação do primeiro colégio nas colónias; que em 1574 se fundou outro no Japão; que houve varios decretos todos êles tendentes a desenvolver a instrução aos negros, decretos êstes que muito honram os seus signatários; mas que em nada aproveitaram às colónias nem à Mãe Patria, como mais adiante demonstraremos; que em 1844 se organizava a instrução obrigatória para os de S. Tomé e que em 1896 se decretou uma organização geral do ensino nas colonias. A Sciencia de Colonização de que é autor o distinto professor sr. Lourenço Cayola, e de cujos livros, com a devida vénia, extraimos estas datas e mais esclarecimentos de muita utilidade para êste nosso modestissimo trabalho, diz também no paragrafo que dedica á Instrução nas colonias portuguesas, o seguinte, com relação, certamente, à letra dos decretos por diversas autoridades lavrados: «Os professores só poderiam ser nomeados mediante concurso. Em cada capital de provincia montava-se uma escola de ensino secundário, em que se ministrariam noções sobre as produções naturais da colònia e se ensinaria a lisica aplicada à industria e à economia doméstica, etc., etc.» e mais abaixo, na mesma pagina, lemos também o seguinte. «Só muito recentemente promulgamos medidas de verdadeira utilidade para a instrução nas colónias, tanto dos europeus como dos seus habitantes da raça negra. Entre êles merecem ser citados os decretos de 21 de setembro de 1904 que autorizou o governo a criar em Cabo Verde, Angola e Moçambique, escolas essencialmente práticas da lingua portuguêsa, francêsa e inglêsa, compreendendo ainda cursos de contabilidade, operações comerciais, agricultura, etc., etc.» Sabemos, por o havermos lido, que bastantes decretos foram lavrados; e sabemos que alguns dêles nem mesmo chegaram a ter execução, por motivos que a maioria desconhece, certamente, mas que não são difíceis de deduzir atendendo á má organização dos complicados problemas de educação e instrução, no nosso pais, não obstante as boas intenções e altas competências dos legisladores ilustres que a instrução nas colónias se têm dedicado, como por exemplo o glorioso Marquez Sá da Bandeira, em 1873; o sr. Eduardo Vilaça, que, em 1899, no seu importante Relatorio, referindo-se aos indigenas, dizia que se lhes devia ensinar a pouco e pouco os processos aperfeiçoados da cultura do solo; e em epocas já mais recentes, 1905, o sr. conselheiro Moreira Junior. Os tempos, porém, são outros; e os processos, fatalmente outros têm que ser, se não quizermos assistir à derrocada de vermos passar a outras mãos as nossas ainda riquissimas possessões ultramarinas. Ora, sendo o nosso principal objectivo a educação nas colónias, reprovamos toda e qualquer forma de instrução que se pretenda dar ao indigena, desde o momento que ela não seja precedida ou ante acompanhada duma boa educação moral e profissional. E nós sabemos, pela letra dos decretos a que acima tivemos a honra de aludir que, se foi êste o critério que orientou os eminentes estadistas e tratadistas que se sucederam no poder desde eras bem remotas, êles não tiveram a seu lado bons colaboradores e executores. Dai o fracasso dos decretos. Desde o momento que à instrução falte a base, ela de pouca utilidade é; e os seus resultados foram contraproducentes. Porque é que um grande prédio todo de alvenarias reluzentes e embutidos doirados não resiste, e cái por terra ao menor vendaval que se esboça? Porque lhe faltaram uns bons, fundos e sólidos alicerces. Pois nas sociedades, o seu alicerce perduravel que resiste a todas as vississitudes, a todos os embates, é a boa educação: aquela que avigora a matéria, aperfeiçoa a alma; e, refundindo os sentimentos, abate a vaidade, o egoismo e sacode a inércia.
Eis porque, la, como cá, nas colónias como em Portugal, os decretos de instrução se não cumpriram; se não podem mesmo cumprir; porque não ha quem criteriosamente os faça cumprir. De que servirá ensinar francês e inglês aos negros dos sertões ou aos brancos das charnecas, se não é com literaturas que êles governam a sua vida? Ensine-se-lhes a empregar o melhor possivel as suas actividades; ensine-se-lhes a utilizar com vantagem para uns e outros, conquistadores e conquistados, os diversos mecanismos da lavoura, na industria, e os utensilios de pesca. Eduquem-nos em sãos e bons principios de trabalho que êles, depois, compreenderão as vantagens de saber o francês, o inglês, o chinês, se possivel for; antes disso, não!
Tendo nós alguns anos de longa permanencia em Angola (Loanda) o que nos autorisa, em parte a tratar êste assunto, sabemos que existiu, apenas, uma Escola de Artes e Oficios, a que foi dado a nome de Escola Profissional D. Carlos I. Foi efémera a sua duração; tendo sido nulos os resultados práticos e economicos obtidos. E' possivel, provável mesmo, que tivessem dela saide alguns artistas: porém, poucos foram, em relação aos grandes encargos da Escola. Mesmo esta foi por fim suprimida por um dos ultimos governadores gerais que teve a Provincia de Angola.
Criou-se mais tarde uma Escola de Agricultura, na cidade, onde a agua falta em absoluto, tornando, por conseguinte o campo que devia ser de acção, em museu concentrado e estéril. Pode ser que esteja actualmente modificado; no nosso tempo (1918) era assim. Conhecemos-lhe os seus Inspector e sub-Inspector, pessoas, aliás, de toda a respeitabilidade, professores propriamente ditos, não conhecemos nenhuns; alunos ainda menos. E é pena, porque o edificio é amplo e estava ás moscas no nosso tempo. A instrução encontra-se em identicas circunstâncias: uma escola oficial de Instrução Primária para rapazes; outra para raparigas; mais duas sustentadas pela Câmara Municipal. Escusado será acrescentar que nas cidades de 2.a e 3.a categoria o numero de escolas vai decrescendo, como, de resto, sucede aqui, na Metropole. Alêm dêsses estabelecimentos de ensino, há alguns colegios particulares; uma missão americana, um seminário de padres; e no tempo da monarquia, funcionava um colégio de irmãs da caridade onde se ensinava a arranhar o francês, a bordar a canutilho e se ensinava a rezar. Eis tudo, que nós saibamos, ter havido sôb materia de instrução e educação na cidade de Loanda, que o mesmo é dizer, na Provincia de Angola, até à nossa retirada.
Isto é: funcionava, ultimamente, a Escola Profissional «Rita Norton de Matos» para raparigas, fundada até com o nosso modesto concurso e por iniciativa do actual alto comissário, general sr. Norton de Matos, governador geral de então; havia também um edificio em construção que se destinava a Liceu central; prerogativa esta de que a Provincia de Angola não gozára ainda...
Portugal, grande potencia colonial, tem uma importante missão a cumprir: espalhar sábiamente a educação pelos seus ainda vastos dominios ultramarinos visto que, e permitindo-nos servir das mesmas palavras do eminente professor sr. Borges Grainha no seu belo traballo de pedagogia que se intitula «A Instrução Secundária de ambos os sexos no estrangeiro e em Portugal» a educação e instrução prática e civilizadora das indigenas das nossas colónins está ainda muito atrasada, e porque em Angola e Moçambique, onde há povoações como Loanda, Mossamedes e Lourenço Marques, ainda não existe uma escola de ensino mais elevado que o de instrução primária; não havendo portanto instrução secundária, industrial, agricola ou comercial.
As declarações firmadas por uma individualidade de tão reconhecidos merecimentos pedagogicos falam mais alto ainda que todas as observações por nós colhidas de visu e apresentadas nêste nosso acanhado trabalho, que, longe de pretender exteriorizar uma doutrina nova, é mais uma voz que se alevanta a favor da educação dos indigenas das colónias, para engrandecimento de Portugal. E' árdua a tarefa? mais gratos serão os louros a colher. A tarefa é espinhosa porque em Portugal, o problema da Educação está ainda por resolver. Quando êle estiver resolvido o que se não deve fazer esperar por mais tempo, para honra e proveito do país; quando se deixar de professar a ideia erronea de que o negro não precisa e não deve ser educado; antes pelo contrario é explorado considerando-o como uma cousa que se utiliza para aumentar a riqueza pessoal de quem o sustenta, do seu senhor; teremos dado um grande passo para o nosso engrandecimento colonial. Porque é preciso ter se presente êste axioma: a fôrça e riquesa de uma nação, reside na educação do seu povo. As colónias não progredirão, as colónias não deixarão de ser um pesado encargo para a metropole, enquanto se não cuidar a sério da educação, do aperfeiçoamento de seus filhos. O negro é susceptivel de receber educação; é inteligente, embora duma inteligencia infantil, e em geral é dócil. O caso é saber-se dar-lhe uma educação, que, longe de tornar pernicioso, o seu trabalho se torna e de grande utilidade para êle e para o colonizador. Haja em vista os relevantes serviços prestados à França, por ocasião da Grande Guerra, pelos soldados da Senegambia; e para não sairmos de nossa casa, lembro o exemplo valoroso dos nossos landins de Moçambique, que tão bem se houveram nas lutas contra os alemães. E' preciso, porém, que se lhes não aproveite somente o instinto guerreiro, que nêle é nato. Esse, se não fôsse a força das circunstancias, nem deveria ser aguçado...