Bondade das Mulheres Vendicada e Malícia dos Homens Manifesta

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BONDADE DAS

MULHERES

vindicada,

E MALICIA DOS

HOMENS

manifeſta.

Papel metrico,e apologetico, em que ſe defende a femenina innocencia, contra outro em que injuſtamente ſe arguê a ſua maldade, com o titulo de Malicia das Mulheres.

Compoſto pelo zelo de

PAULA DA GRAÇA,

natural da Villa de Cabanas, e aſſiſtente neſta Corte.

PROLOGO:


MInhas Leytoras: Muytos annos ha, que vejo correr hum papel impreciſo, que ſe intitula MALICIA DAS MULHERES, ſem que até o preſente houveſse huma, que fe diſpozeſse a contradize-lo, com huma juſta Apologia da noſsa notoria innocencia. Pareceo-me inequidade, que ſe foſsem multiplicando, à noſsa revelia, contra nòs, tantas ſentenças, quantas ſaõ as approvações q' aquelle famoſo Libelo acha entre as pessoas do povo, e por isso agora me reſolvo a contraria-lo,e reconvi-lo. Supponho, á eſte arbitrio vos ſerà taõ grato, quanto aquelle papel vos ſrà molleſto; e que naõ deixareis de convir, em que eu, como peſsoa taõ conjuncta, e igualmente intereſsada, me arrogue o officio de voſsa procuradora. Tambem ſupponho, que os homens (ainda falando com aquelles, que devemos reſpeitar por ſenhores, por Doutos, e por Juizes, a quem naõ comprehendemos, porque ſó com os do povo galhofeamos) naõ eſtranharam que uſemos daquelle direito natural, que taõ licita faz a propria defeza, quando ſe guarda a moderaçaõ, que a faz inculpada, porque niſto cuidei tanto, que ſe os firo, he ſó com a meſma acção com que nos defendo. A jocoſidade parece, que naõ excede os limites até onde a licencea S.Thomàs 2. 2. quæſt. 108. art. 4. nem chega aos daquella,que ſe contèm no papel,que impugnamos,cujos motivos me perſuadiraõ a dar eſte à luz, vendo, que poderiaó ſer baſtantes para ninguem o eſtranhar,e para muyta gente o applaudir, ſervindo para diverſaõ do povo, ſem ſe oppor à obſervancia do honeſto. Eſtimarei, que todos ſejaõ do meſmo parecer, para q' muitos tenhaõ, com que ſe divertir. VALETE.

QUINTILHAS
 
Em que a A. expende o ſeu voto a huma moça que lhe conſulta o ſeu cazamento.
 


FIlha: mil goſtos me dais.
em vos ver cõ tanto aſſento.
A belleza, que lograis
vos offerece cazamento;
ſobre elle me conſultais.

Creyo, que boa eleiçaõ
fazeis em vos aconſelhar;
porque dos homens, na maõ
naõ eſtà mais que o enganar
huma moça de feiçaõ.

Oh quantas hoje enganadas,
choraràm ſeu mal perdidas,
humas de todo deixadas,
outras paſſando màs vidas,
por ſe acharem mal cazadas.

Tudo nelles he caricia
alprincipio, e mil amores;
mas deſcoberta a malicia,
talvez ſaõ uſurpadores
da feminil pudicicia.

Quanto nelles ſaõ commuas
as malicias, ſever queres,
por naõ falarmos nas ſuas,
pozeraõ as das mulheres
a pregaõ por eſſas ruas.

Mayor ſemrazaõ fazer
naõ vi nunca. Fortes iras
me cuſtou ouvir dizer,
que compoſto de mentiras
ſe andava iſto avender!

A' tamanha inequidade
logo entaõ quiz acudir;
mas às velhas deſta idade
menos deve competir
que a toda eſſa mocidade.

Com tudo, minha fomorſa,
ainda que eu jà ſeja antiga,
quero fazer lhe huma gloſa,
por vir a pè de cantiga,
e ſer do ſexo zeloſa.

Principia là o Author
daquella declamaçaõ,
ſem mais Arte, ou mais furor,
que o de hum Poeta do chaõ,
a trovar com hum Doutor.

He iſto, que quiz entrar
a tomar conſelho de hum
ſobre ſe havia cazar;
mas eu julgo, que nenhum
era capaz de acertar.

Infiro o do que falava
taõ mal o {{s}aber fazer,
que bem vedes, que trovava,
taõ contra o que deve ſer,
que o pè do verſo encurtava.

Eſta he a prenda de Poeta,
vede no mais, que feria.
Que mais final de patéta,
que montar a Poezia,
c'uma ſó perna à gineta?

Sò hum Poeta de farrapos
iſto podia fazer;
porque os mais Poetas guapos
fempre nos daõ de comer
em mais limpos guardanapos.

E por iſto, agradecidas
a alguns devemos eſtar;
mas iſto ſaõ mãos perdidas,
a todos hei de tomar
conta igual de ſuas vidas.

Todos (que aquelle ſó naõ)
nos quizeraõ demandar
naquella procuraçaõ.
Quem a naõ quiz revogar
caya na reconvençaõ.

Senhores homenſarrões:
logo lhes faço a ſaber,
que eſtou pelas confiſſoens,
que nos quizeraõ fazer,
de que alguns faõ toleirões.

Concedo que aquellas duas
enganaſſem ſeus conſortes,
e que fizeſſem das ſuas
traveſſuras, as mais fortes,
ſendo em ambas muy commuas.

Mas os dous caſos referidos
moſtrão tal basbaquidade
naquelles tolos maridos,
que ſó fora inequidade
livralos de ſer corridos.

Sò fe enſinaõ às pancadas
os tolos; e condoîdas
as mulherinhas, coitadas
derão naquellas venidas,
por verlhe as doenças curadas.

Se eſtes caſos ſaõ verdade,
e ſe os houve de tal Arte,
quando contenhão maldade,
ſó eſtà da voſſa parte
na voſſa fatuidade.

Mas deixados taes ſucceſſos,
que pouco ſaõ contra nòs,
nos ſeus pequenos exceſſos;
quero-vos moſtrar a vòs
voſſos mufinos aveſſos.

Dizeis, que ſendo cazadas
uſamos de traveſſuras.
Mas todas ſaõ engraçadas.
Somos chacorreiras puras,
nunca malintencionadas.

Naõ o fazeis vòs aſſim.
Mais pezado gracejais.
Aquella, que he muy ruim
nunca diſto paſſa a mais;
mas vòs levais peor fim

Quantas pobres muy ſofridas
padecem nas voſſas mãos?
Humas por muy oprimidas,
outras, por proceſſos vaos,
em que as fazeis fementidas.

Que martyrio naõ atura
quem dà c'um deſconfiado?
Naõ vale toda a lizura.
A cautella he hum attentado,
que a leva à ſepultura.

Nada fazem a voſſo goſto
as mulheres; e he perdido
o cuidado, que tem poſto
em ſervir a hum marido.
que a tudo faz triſte roſto.

Mas deraõ jà de barato
as mulheres tal tormento,
com tanto, que o voſſo trato
foſſe das outras iſento,
por illicito contrato.

Naõ ha couſa mais penoſa
para huma mulher cazada,
ſendo talvez muy formoſa,
que ſer de vos deſprezada,
talvez por huma ranhoſa.

Porèm ſe aqui ſó paràra
a malicia deſta acçaõ
inda eu a deſculpàra;
mas là chega a occaſiaõ,
em que inda a fazeis mais cara.

Mas jà naõ quero referirvos
ſemilhantes crueldades.
Naõ he precizo arguir-vos,
com eſtas atrocidades,
para que poſſa atordir-vos.

Naõ ha couſa mais horrivel
no mundo, que a ingratidao,
Naõ ha bruto incorregivel,
naõ ha barbara Naçaõ,
a quem nao ſeja inſofrivel:

No mal, vos trata a mulher,
com cuidado extremecido.
Ora moſtrai-me, ſequer,
hum a iſto agradecido,
com que me haja de benzer.

Tudo he ſempre pelejar.
Voſſê naõ fez iſto bem.
Deve-me de querer matar.
Naõ me aſſiſte a qui ninguem,
Cuidaõ ſó em ſe enfeitar.

Chega logo a coitadinha,
Aqui eſtou tudo farei.
Eſtou coſendo a galinha,
por iſſo me dilatei.
Perdoai-me, vida minha.

Eu (diz) jà naõ quero nada
và voſſê para onde vem.
Como chega disfarçada?
Và, que eu quero buscar quem
naõ ſeja taõ deſcuidada.

Logo ella, com grande dor
ſay dali toda choroſa;
e lhe diz: Pois, meu amor,
deſejo ſer cuidadoſa,
e naõ darvos diſſabor.

Ella eſtà para fazer
tudo quanto elle ordenar.
Elle paga com dizer,
que outras hade buſcar.
Iſto pode-ſe ſofrer?

Eiſaqui os deſtemperos,
com que ſempre nos tratais.
Homens terriveis, e feros;
porque à mulher vos moſtrais
en vez de gratos, ſeveros?

Naõ ſabeis, que ſó com ellas
podieis ſer bem tratados,
nas doenças, e mazellas,
ſegundo aquelles ditados
de Iſôpo, e de outras Novellas?

Mais que barbaro, e bruto
jà diſſe, que era o ingrato;
e ſe he certo, que tal fruto
tiramos do voſſo trato;
Diſcorrei niſto hum minuto.

Emfim jà quero deixar
demais proceſſo fazer,
por vos naõ envergonhar;
pois para vos convencer,
ſupponho, que ha de baſtar.

Agora, ſe vòs quizeres
ver o muito, que mentiſtes
na malicia das mulheres,
que erradamente imprimiſtes,
ouvi mais doutos pareceres.

A todas voſſas doutrinas,
que dizeis, temos melhores
tratados das Heroinas,
que trazem varios Authores
para repulſas mui dinas.

Alli conſta, que valentes
houve muitas, e avizadas.
Nas Artes houve eminentes
Heroinas decantadas,
com que paſmàraõ as gentes.

Que os Filoſofos fataes,
que na materia falàraõ,
em que vos foſſem iguaes
as mulheres, naõ achàraõ
contradictorio, já mais.

Todos aſſentaõ, que naõ
(excepto alguns may borrachos)
temos real negaçaõ;
pois naõ ſaõ femeas, ou machos
as almas com diſtinçaõ.

Eſſe Tulio, que allegais
eſſe Aurelio, que dizeis,
peço-vos, que os vejais
a eſte eſpelho, e vereis
os erros, que reſpeitais.

Naõ importaõ os mais Romanos,
que allegais do Gentiliſimo;
pois quanto hoje ſaõ humanos
côm noſco, no barbariſmo
faltàraõ em ſer urbanos.

Se me dizeis, que enganou
Eva, triſte creatura,
a Adaõ, tambem nos deixou,
naquella Virgem taõ pura,
outra, que tudo emmendou.

Nada argue contra nòs
o que achais no Genesîs,
por ſe ſujeitas a vòs
Deos aſſim fazer nos quiz,
foy por naõ ficardes ſós.

Se lerdes mais Eſcripturas
mil louvores nos vereis,
pois naõ houve creaturas,
que ſe moſtraſſem fieis
com mais ſinceras ternuras.

Sexo devoto as chamou
Deus meſmo; pois conheceo
o muyto que o elle amou
quando Chriſto padeceo,
e quando reſuſcitou.

Se tem alguma diffrença
de vòs, he ſó na vontade;
pois tem muyto mais intenſa,
a generoſa piedade,
que vòs, com voſſa licença.

Vede quanto maltratou
o povo, com crueis tratos
a Chriſto, que ſó ſe achou
huma mulher de Pilatos,
que por elle lhe rogou.

Tudo o mais com evidencia
conſta ſerem Fariſeos,
que contra a Santa Innocencia
ſó conſpiràraõ Judeos,
naõ femenil clemencia.

Se buſcais outras Hiſtorias
profanas, mil achareis,
em que deixamos memorias,
e teſtemunhas fieis
de noſſas famoſas glorias.

Em quanto ao noſſo veſtir,
ſe queremos bem trajar,
deveis, por nos naõ ouvir,
tudo a noſſo goſto dar,
e inteiramente o cumprir.

E ſenaõ, ſe ſois prudentes,
dizeime cà sem paixaõ.
Quaes ſaõ os equivalentes
empregos, que a nòs nos daõ
para ficarmos contentes?

Nenhuns; porq̃ todo o poſto
de hum Reyno ſe dà a hũ varaõ.
Se nos limitais o goſto
ao enfeite; que razaõ
ha, de lançarno-lo em roſto?

Se a Republica nos dera
o meſmo, que a vòs vos dà,
voſſa mulher vos trouxera
cobertos de tafetà,
de ouros, e primavera.

Mas ſe ſó nos deſtinaſtes
os cortejos, e attavios,
ſuſtentai o que creaſtes,
naõ buſqueis inda deſvios
ao pouco, que naõ tiraſtes.

Naõ ſó em nòs iſto he mal
a fala, o rizo; a allegria,
dizeis, que he couſa jogral;
e o calar, vilhacaria
he por certo odio fatal!

Enfim, ſe no tempo eſtamos
ſiſudas, deve aſſim ſer;
ſe em noſſas cazas falamos,
he que temos que dizer
em nada diſſo peccamos.

Nada, do que nos diſſeſtes
tem a mais leve entidade.
He certo, que o eſcreveftes
por encobrir a maldade,
com que jà todos naſceſtes.

De tudo, por conſequencia
reſulta a voſſa maldade,
e a toda a noſſa innocencia.
Naõ negarei tal verdade,
ſe tiverdes conſciencia.

Que em vòs a malicia humana
ſó eſteja depoſitada,
ſe vê no muito que engana
o home a mulher; coitada,
que diſto graõ mal lhe emana.

Tudo o mais, que deduzis
negamos; nem terá prova;
porque o que nos arguiz
he falſo; e fizeſtes cova,
em que cabeis, e cahis.

E aſſim faço aos meus leitores
Juizes de tal ſentença,
eſperando, que os Authores
nos paguem a reconvença,
etratem de ſer melhores.

Filha tendes eſcutado
quanto deixo convencido
eſse taõ tirano eſtado o
de viver com hum marido
cruel, e mal inclinado.

Naõ vos fieis de propoſtas,
nem das ſuas apparencias.
Por naō darmos màs repoſtas
nos propoem mil conveniencias
depois quebraõ-nos as coſtas.

Sempre foy o mais perfeito
o eſtado do celibato.
Eu nunca a outro achei geito.
Procedî bem no meu trato;
e fempre vivi com reſpeito.

Naõ ſe vos dê de ninguem.
Dizei-lhe, que naõ quereis.
Hide embora; e de quem
der conſelhos menos fieis
Deos vos livre, e fade bem.

 

 
LISBOA,
Na Officina de Pedro Ferreira, Impreſſor da Auguſtſſima Rainha N. S. Anno de 1743.
Com todas as licenças neceſſarias.
Neſta meſma Officina ao arco de JBSUS, junto de S. Nicolao, ſe acharà eſte papel, e outro intitulado Advertencias curioſas para os Eſtudioſos, e outros mais.