PROEMIO
OMPLETAM-SE hoje 64 annos que, desterrado em um rochedo visinho da Africa, no meio do Oceano Atlantico, exhalou o derradeiro alento um dos homens mais extraordinarios que a historia rememora.

Quem fôra imperador do mais bello paiz da Europa, senhor do mundo, árbitro das nações, chefe e terror dos soberanos [1] alli se finou, prisioneiro, humilhado, longe da patria, cruelmente separado da espôsa e do filho, e de quantos lhe eram caros pelo sangue e pelo affecto, affligido de todas as amarguras que podem torturar o coração humano, privado de soccorros, quasi abandonado..

O homem fatal, o ente predestinado, o enviado da Providencia, havia cumprido a sua missão. Depois de prolongada agonia, Napoleão o Grande cessou de soffrer a 5 de Maio de 1821.

Esta situação tão pungente e tão altamente dramatica commoveu todos os espiritos e infundiu então, e por largos annos ainda, o estro dos mais notaveis engenhos poeticos do nosso seculo.

Nenhum poeta, porém, logrou a fortuna de Alexandre Manzoni; e com quanto o assumpto fôsse verdadeiramente inspirador, nem por isso Delavigne, Béranger e o proprio Byron conseguiram vencer o grande lyrico italiano.[2]

Quando Manzoni recebeu a notícia da morte de Napoleão, achava-se no jardim da sua residencia de Brusiglio, e, vivamente impressionado, retirou se para o seu gabinete, onde desde logo começou a traçar a ode monuque tres dias depois estava completa—a tres dias, por assim dizer, de convulsão, em que se sentiu exhausto,»[3]

Não a podendo publicar sem licença da censura austriaca (o reino lombardo-veneziano estava então, e ainda permaneceu muitos annos, sob o dominio da casa de Hapsburgo, como todos se recordam), e prevendo que lhe seria negada, usou o poeta um feliz estratagema para a sua vulgarisação. Em vez de mandar uma só cópia, como era costume, mandou duas, contando que algum dos empregados da policia ficasse com uma para mostrar confidencialmente.

Assim aconteceu: a censura recusou a licença, e guardou cuidadosamente um exemplar. O outro desencaminhou-se; mas no dia seguinte a poesia condemnada circulava em toda Milão, sem que o auctor podesse ser inculpado por isso.[4]

Recebida diversamente pelos sectarios das duas escholas classica e romantica, cuja lucta era então tenaz e vivissima, a ode de Manzoni (o auctor era considerado chefe dos romanticos na Italia) achou detractores implacaveis e ardentes enthusiastas.

Vertido em allemão por Goethe[5], imitado em francez por Lamartine[6], julgado intraduzivel por Longfellow[7], o Cinco de Maio, « uma das mais bellas lyricas do nosso seculo... digno epilogo poetico de uma grande epopéa historica »[8], fez em breve o gyro do mundo; e a prophecia do auctor, de que compuzera

............ ..un cantico
Che forse non morrà [9],

vai sendo de todo o ponto realizada.

Os annos decorrem, e a admiração por este bellissimo carme não cessou ainda; antes augmenta cada dia, não só na Italia como nos paizes extranhos.

« E' um côro pleno de vozes unisonas, e èntre estas que vozes ! Muitas d'ellas resoam ainda, e outras continuamente se lhe ajunctam »[10].

Na Italia, alem dos criticos já citados, o professor G. Rigutini considera o Cinco de Maio « exemplo estupendo de lyrica heroica »[11]; e De Sanctis classifica-o a composição epica em formas lyricas »[12].

Em Hespanha D. José Llausás chama-a « a grande ode esculptural do seculo »[13]; em Portugal o Sr. Latino Coelho conceitua-a como «saudação sublime», e Rebello da Silva reputa-a « uma das páginas admiraveis d'este seculo ».[14]

E quantos escriptos, quantos livros se publicam, estudando e analysando esta ode extraordinaria, nos quaes se presta verdadeiro culto ao seu egregio auctor !

Sem nos fazermos cargo de mencionar as numerosas chrestomathias e anthologias poeticas que frequentemente apparecem na Italia, apontaremos apenas os trabalhos monographicos, de que temos conhecimento.

Angelo de Gubernatis publica a 5 de Maio de 1879 o seu Studio biografico ácerca de Alexandre Manzoni, onde se nos depara larga notícia do poema de que tractâmos. Em 1882 Gregorio di Siena completa o seu copioso e interessantissimo volume de estudos philologico-criticos intitulado: Alessandro Manzoni e il Cinque Maggio[15]; e logo no seguinte anno Rogerio Bonghi entrega ao exame público, « para o estudo genetico das estrophes »[16], a cópia autographica da famosa ode [17], no 1.º volume das Obras ineditas ou raras do poeta illustre.

E para terminar, nesse mesmo anno o Sr. C. A. Meschia colligiu em um elegante volume as differentes versões de que teve conhecimento, ao qual deu o titulo: Ventisette tráduzioni in varie lingue del Cinque Maggio di Alessandro Manzoni[18].

O livro é precedido de um estudo do collector: Ceuni intorno all' ode Il Cinque Maggio. Segue-se o texto italiano e véem depois as traducções nesta ordem:

I. Em latim :

1.a De Erifante Eritense (Pietro Soletti)
2.a – Angelo Bonuccelli
3.a – Francesco Pavesi
4.a – Antonio Rota
5.a – Federico Callori
6.a – Giuseppe Vaglica

II. Em francez :

7.a De Antoine De Latour (em prosa)
8.a – Marc Monnier
9.a – M. Villemain (em prosa)

III. Em hespanhol:

A. Caxtelhano:


10.a De Rubi
11.a – Cañete
12.a – Garcia de Quevedo Venezolano
13.a – Hartzenbusch, 1.a
14.a –  » , 2.a
15.a – Marti y Folguera
16.a – José Llausás

B. Catalão :


17.a De Marti y Folguera

IV. Em portuguez:

18.o De José Ramos Coelho
19.a – D. Pedro de Alcantara (D. Pedro II.)

V. Em allemão :

20.a De Wolfang Goethe
21.a — August Ferdinand Ribbeck
22.a — F. H. Karl De la Motte Fouqué
23.a — Karl Giesebrecht
24.a — August Zeune
25.a — Fr. Rempel
26.a — Emilie Schreder
27.a — Paul Heyse

VI. Em inglez :

28.a De Edward Derby.

São portanto 28 e não 27 traducções, porque o Sr. Meschia provavelmente contou como uma só as duas do poeta hespanhol Hartzenbusch, aliás tão differentes entre si.

Temos pois:

Latinas 
 6
Francezas 
 3
Castelhanas 
 7

16
Transporte 
 16
Catalan 
 1
Portuguezas 
 2
Allemans 
 8
Ingleza 
 1

Das portuguezas, a do Sr. José Ramos Coelho era já ha muito lida no seu apreciado livro de Novas Poesias; porém a de S. M. o Imperador do Brazil cremos ser inteiramente desconhecida de quasi todos os leitores, tendo sido apenas ouvida de raros intimos nas palestras lịtterarias de S. Christovam. O livro onde se estampou não o possuem as bibliothecas publicas d'esta capital, e tão pouco se encontra aqui á venda em casas de livreiros.

Logo é pois uma incontestavel novidade litteraria, um mimo precioso a régia traducção com que hoje brindâmos, neste breve opusculo, o público intelligente.

Addicionâmos a versão do fallecido Visconde de Porto-Seguro, (F. A. de Varnhagen) - impressa na 2ª serie de Lysia Poetica, edição exhausta e livro já pouco commum.

Se as nossas diligencias forem coroadas de bom exito, alcançando outras traducções que consta ainda haver em portuguez, dal-as hemos em nova edição, esgotada que seja esta, tornando assim mais avultada em numero e quissá em importancia a homenagem dos poetas da lingua de Garrett e Gonsalves Dias ao glorioso escriptor que tanto honra a patria de Virgilio e de Dante Alighieri.


*

Este opusculo apparece no dia cinco de Maio de 1885 como humilde preito de admiracão convencida ao potente ingenho creador que nos deu o Conte di Carmagnola, os Promessi Sposi e tantas obras immortaes.

M. O.

Rio de Janeiro, 5 de Maio de 1885.


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  1. .meteoro fatal ás régias frontes!

    .... heroe de mil batalhas
    Que o destino dos reis nas mãos continha,
    .. heroe que c'o a ponta de seu gladio
    No mappa das nações traçava as raias.

    D. J. G. DE MAGALHĀES, Napoleão em Waterloo. (Suspiros poeticos e saudades, Vienna, 1865, pp. 259 e 260.)

  2. ROVANI, La Mente di Al. Manzoni, (Milano, 1873) p. 26.
  3. V. Epistolario di Al. Manzoni, raccolto e annotato da Giovianni Sforza (Milano, 1882), vol. 1, lett. a Cesar Cantù, p. 466.
  4. "L'Austria aveva tosto reconosciuto nel Cinque Maggio del Manzoni un omaggio troppo splendido al suo temuto nemico, che pareva come evocato dal suo sepolcro, in quelle strofe potenti." — ANG. DE GUBERNATIS, Alessandro Manzoni, studio biografico (Firenze, 1879), p. 209.
  5. O autor do Fausto leu a sua traducção á côrte de Weimar em 8 de Agosto de 1822, e publicou-a pouco depois com o texto ilaliano no seu periodico Ueber Kunst und Alterthum, vol. 42, pp. 182 a 188. V. Opere inedite o rare di Al. Manzoni (Milano, 1883), vol. 1, p. 15, not.
  6. Em uma carta ao seu amigo De Virieu, o cantor do Jocelyn escreveu esta phrase significativa: Je voudrais l'avoir faite, V. DE GUBERNATIS, op. cit., p. 209, not.
  7. Ibidem.
  8. DE GUBERNATIS, op, cit., pp. 208 e 210.
  9. Cinque Maggio, str. 4.a
  10. C. A. MESCHIA, no prefacio das Ventisette traduzioni (de que adeante nos occuparemos), p. XII.
  11. É este o trecho por inteiro: « Ecco il Cingue Maggio, esempio stupendo di lirica eroica, dove la storia dei fatti e delle vicende meravigliose e terribili del grande capitano è siffattamente condeusata e con tanta rapidità d'immagni i di stile tratteggiata, che ti percuote l'animo di stupore » — Crestomazia Italiana della poesia moderna (Firenze, 1880) p. CII.
  12. Stor. della Letter. ital., vol, 11, p. 466.
  13. El Cinco de Mayo (Barcelona, 1879), p. 101.
  14. Poetas lyricos da geração nova (Revista Peninsular, 11, p. 442).
  15. Napoles, 82 de XXXVII—333 PP.
  16. Phrase expressiva de uma carta de Manuel de Mello, tão prematuramente roubado ás lettras, publicada na Gazeta de Noticias de 17 de Fevereiro de 1884, 2a pag., 6a col.
  17. Por felicidade rara conservou-se até hoje o rascunho original, e d'elie se deprehende perfeitamente o estado febril e agitado em que Manzoni se achava ao compor a ode celebrada, sob a impressao psychica do luctuoso successo. Foi um serviço a reproducção fiel d'este precioso autógrapho, bem como a de outros não menos valiosos que enriquecem o vol., impresso sob o titulo : Opere inedite o rare di Al. Manzoni, publicate per cura di Pietro Brambilla da Ruggerio Bonghi, vol. 1, Milano, 1883.
  18. A 1a linha da pag. do rosto traz a data — MAGGIO MDCOOLXXXIII. O livro foi impresso em Foligno, stabilimento Feliciano Campitelli, em 4º de xv—136 pp. e mais 2 de indice e errata.
  19. Referindo-se à sua collecção, o Sr. Meschia diz que está bem longe de ser completa. « Faltam-lhe algumaş traducções que me chegaram muito tarde, outras que me foram promettidas e ainda não as recebi, e mais outras para cuja impressão faltavam ao estabelecimento typographico os caracteres proprios. Entre estas ultimas, duas em armenio, muito estimaveis, a juizo de orientalistas competentes. E quantas não terão escapado ás minhas pesquizas ? — Tendo intenção de fazer dentro em pouco nova edição, rogo vivamente a todos aquelles que conheçam taes traducções o favor de m'as indicar, ou mandar-m'as copiadas, (Direcção : Presso il R. Liceo-Ginnusio Ennio Quirino Visconti, ROMA,)» Pag. XII, 2a nota.