Contos Tradicionaes do Povo Portuguez/As favas
Era uma vez um rei que tinha por costume andar de noite escutando pelas portas para saber o que se passava. Viu luzir por um buraco da fechadura, chegou o ouvido á escuta, e estavam uns sujeitos conversando. Dizia um:
— Eu antes queria uma noite dormir com a rainha, do que ter muitos contos de reis.
O rei ouviu aquillo e tomou-o de olho. No dia seguinte mandou-o vir ao palacio. O rapaz ia muito atrapalhado da sua vida. O rei tinha dado ordem ao seu cosinheiro de lhe fazer um jantar com favas cosidas em agua e sal, favas guisadas, favas ensopadas, favas com arroz, favas com presunto, emfim, favas de todos os feitios. Assim que o rapaz appareceu na presença do rei, este levou-o para uma mesa, e disse-lhe que era para lhe offerecer de jantar.
O rapaz obedeceu; vieram as favas cosidas, comeu. Vieram as favas guisadas, comeu; vieram favas ensopadas, comeu. Por fim já não podia mais, e o cosinheiro sempre a trazer-lhe favas de todos os feitios. O rapaz já estava tão farto e enjoado de favas, que pediu aos criados que lhe não trouxessem mais.
Veiu o rei á sala de jantar, e perguntou-lhe:
— Então, porque é que não comes mais?
— Oh, senhor! isto tudo são favas; comi muitas no principio, mas agora estou farto de favas.
— Sim, tudo são favas, quer sejam cosidas ou ensopadas. Pois vá-se você embora, e não torne a dizer que dava toda a riqueza do mundo para dormir uma noite com a rainha; e lembre-se do que lhe aconteceu, por que:
— Favas, todas são favas, e mulheres todas são mulheres.
Assim ficou curado de tolo.
(Algarve.)
Notas
editar64. As favas. — O sentido phallico primitivo ligado á fava, apparece em todo o seu vigor aqui; o sentido funerario explica-se pela ameaça de morte que pesa sobre o rapaz que faltou ao respeito á rainha. (Vid. Gubernatis, Mythologie des Plantes, t. II, p. 132.) Nos costumes populares da Italia, a fava branca que apparece no bolo é a rainha e a fêmea.