91. O CALDO DE PEDRA

Um frade andava ao peditorio; chegou á porta de um lavrador, mas não lhe quizeram ahi dar nada. O frade estava a cahir com fome, e disse:

— Vou vêr se faço um caldinho de pedra. E pegou n’uma pedra do chão, sacudiu-lhe a terra e pôz-se a olhar para ella para vêr se era boa para fazer um caldo. A gente da casa pôz-se a rir do frade, e d’aquella lembrança. Diz o frade:

— Então nunca comeram caldo de pedra? Só lhes digo que é uma coisa muito boa.

Responderam-lhe:

— Sempre queremos vêr isso.

Foi o que o frade quiz ouvir. Depois de ter lavado a pedra, disse:

— Se me em prestassem ahi um pucarinho.

Deram-lhe uma panella de barro. Elle encheu-a de agua e deitou-lhe a pedra dentro.

— Agora se me deixassem estar a panellinha ahi ao pé das brazas.

Deixaram. Assim que a panella começou a chiar, disse elle:

— Com um bocadinho de unto é que o caldo ficava de primor.

Foram-lhe buscar um pedaço de unto. Ferveu, ferveu, e a gente da casa pasmada para o que via. Diz o frade, provando o caldo:

— Está um bocadinho insonso; bem precisa de uma pedrinha de sal.

Tambem lhe deram o sal. Temperou, provou, e disse:

— Agora é que com uns olhinhos de couve ficava, que os anjos o comeriam.

A dona da casa foi á horta e trouxe-lhe duas couves tenras. O frade limpou-as, e ripou-as com os dedos deitando as folhas na panella.

Quando os olhos já estavam aferventados disse o frade:

— Ai , um naquinho de chouriço é que lhe dava uma graça…

Trouxeram-lhe um pedaço de chouriço; elle botou-o á panella, e emquanto se cosia, tirou do alforge pão, e arranjou-se para comer com vagar. O caldo cheirava que era um regalo. Comeu e lambeu o beiço; depois de despejada a panella ficou a pedra no fundo; a gente da casa, que estava com os olhos n’elle, perguntou-lhe:

— Oh senhor frade, então a pedra?

Respondeu o frade:

— A pedra lavo-a e levo-a commigo para outra vez.

E assim comeu onde não lhe queriam dar nada.

(Porto.)