Contos e phantasias (Maria Amália Vaz de Carvalho, 1905)/O annel do diplomata

O ANNEL DO DIPLOMATA


— Parecia que vendia saude... tão forte que era!...

— É verdade! quem o havia de dizer!

— Era uma creança ainda, pouco mais tinha de setenta annos, volveu outro que, pela figura e pelo andar tropego e vacillante, denotava ter os seus oitenta, bem puxados.

— E olhe que era um bom homem! Você não viu como a filha chorava quando o pozemos em cima da cama? Cortava o coração, coitadita!

— E honradinho! Eu sei cá! Poucos se topam por ahi com tão bons sentimentos e com cara tão limpa...

— Lá isso!...

— Não, que quem sahe aos seus não degenera!

— Era muito amigo da pobreza! tartamudeou uma velha.

— Ó Christo! era o pai da pobreza, é o que vossemecê deve dizer, tia Joaquina.

— E depois olhe que era o melhor letrado d’estas oito leguas em redondo.

— Aquillo era um selvage...

Assim fallavam alguns individuos pertencentes a diversas cathegorias da pequena sociedade da villa de X***, descendo as escadas da casa do advogado Vasconcellos que cahira mortalmente fulminado por uma congestão cerebral, no momento em que defendia calorosamente um individuo que n’uma allucinação brutal de ciume assassinára a mulher e dous filhitos.

O advogado Vasconcellos morrêra pobre, sorte de todos os causidicos de provincia, que logram vencer, quando muito, por mez, o que qualquer dos collegas de Lisboa e Porto dá aos seus agaloados trintanarios.

Filho segundo de uma casa de bom nome na provincia do Minho, cursava canones e leis na Universidade, no anno de 1828, emigrando n’esse mesmo anno, e vindo terminar o curso mais tarde, depois de ter defendido a causa da liberdade, de parceria com outros condiscipulos, que tão assignaladamente se distinguiram depois na politica, nas armas e nas lettras.

Depois de formado, recolheu-se á sua villa natal, e não podendo contar com a mezada que seu irmão lhe arbitrára, visto que os rendimentos da casa mal chegavam para a alimentação e sustento do primogenito, abriu banca de advogado, dependurando de um dos lados da estante de pinho, encimada pela pasta verde e encarnada de quintanista, a lata com os seus pergaminhos de bacharel in utroque, e de outro lado a farda impregnada da polvora de vinte combates e varada pelas balas dos servidores d’el-rei nosso senhor, no cerco do Porto.

A formosa irlandeza que o acompanhára no exilio, e que lhe foi denodada companheira nas asperas provações da vida, morreu-lhe pouco tempo depois, deixando-lhe dous filhos, um rapaz e uma menina.

Tanto um como outro eram educados com sollicitude e esmero, que para a educação dos dous não se forrava aquelle pae amantissimo nem a despezas nem a trabalhos.

O rapaz foi para Coimbra, e a menina para o convento das Salesias em Lisboa, de onde recolheu quando o irmão entrava para o primeiro anno juridico.

— É preciso estudar, Antonio, olha que se eu não tivesse aquellas cartas, tinha de andar a cavar nas hortas de meu irmão, ou de esmolar nas escadas ignobeis das secretarias um logar de porteiro ou de amanuense, e isto ainda assim, apresentando como documento dos meus serviços aquella farda...

Não eram necessarios estes conselhos. Antonio de Vasconcellos foi sempre um sisudo moço, estudioso, o que não quer dizer que aquella mocidade fosse bisonha e avessa ás ridentes alegrias dos vinte annos.

Pobre da arvore que ao sorrir da primavera se não estrelleja de flores, e em cujos ramos folhudos e a revêrem seiva não cantam as toutinegras e não assobiam os melros!

Recolhia-se á sua casa, em Coimbra, o moço estudante, alegre e contente de si por ter correspondido bizarramente, n’uma sabbatina, ao alto conceito em que o curso o tinha, quando lhe entregaram uma parte telegraphica.

Rasgou alvoroçadamente o sobrescripto, leu e empallideceu horrivelmente.

— Meu querido pae! murmurou, e curvado sobre a sua mesa de estudo deixou cahir a cabeça nos punhos fechados. Pobre pae! pobre pae! que me não chegou a ver bacharel!

Na manhã do dia seguinte entrava por casa dentro, ao passo que descia as escadas o caixão em que vinha mettido o pae.

Quizeram-no affastar, esconder-lhe aquelle espectaculo lutuoso, mas elle resistiu, e abraçado ao cadaver do pae chorava como choram os que de repente sentem que o braço amoravel que os guiava n’esta vida enfraquece e esfria para sempre, deixando-os na mais desconsolada e algida das solidões.

Amparado nos braços de um amigo da infancia, entrou no aposento em que a irmã pallida e desfeita expedia gritos clamorosos e hystericos.

— Sósinha, repetia a misera, sósinha!

— E eu, minha querida Francisca? Não te lembraste do teu irmão? disse o moço engulindo as lagrimas, e fazendo-se forte para dar coragem á desgraçada menina.

Assim no alto mar quando o temporal arripia e ennovela as ondas, e o velame bate nos mastros com o ruido molhado das azas de uma ave que se afoga, e a marinhagem assustada grita e pragueja ante a morte proxima e inevitavel, o capitão que tem filhos e esposa, longe n’uma pequena aldeia á beira-mar, dá ordens com voz tranquilla, e commanda a manobra com a serenidade de quem vê perto as aguas quietas e espelhadas do ancoradouro.

Volvidos alguns dias, desceu o estudante ao escriptorio. Examinou as gavetas e os moveis, a vêr se o pae havia feito as suas ultimas disposições. Não encontrou senão minutas, autos, libellos em principio, considerações juridicas.

— Parece-me que o estou vendo! A ultima vez que o vi, estava aqui sentado e perguntou-me a rir se eu sabia o que era um libello! — disse o moço para a irmã, que o acompanhava. — Respondi-lhe, e elle tornou:

— Caspité! Pois olha, que quando deixei Coimbra não o sabia. A minha universidade foi esta banca. Aqui é que se aprende, deixa lá! E depois tu verás!

Mal sabia elle que eu nunca havia de vêr isso...

— E porque, Antonio?

— Porque? porque estamos pobrissimos. O pae morreu honrado, mas sem recursos. O que nos resta, filha, são umas cincoenta moedas, que a nossa velha Joanna ajuntou com as soldadas ganhas no serviço da casa de nossos avós, e n’esta... casa que é hoje d’ella, porque é ella que nos tem sustentado desde que nos faltou o nosso querido amigo...

Bateram n’este momento á porta do escriptorio, Antonio de Vasconcellos foi abrir. Appareceu no limiar da porta um lavrador que disse, desbarretando-se:

— Queria dar uma palavra ao sr. doutor...

— Meu pae falleceu esta semana...

— O que! E eu que o vi ainda ha dias tão fero e rijo! Em nome do Padre e do Filho... É o que nós somos n’este mundo... Que Deus o tenha na sua gloria, que era um homem ás direitas... Então queira perdoar.

E sahiu emquanto os dous com os olhares atados um no outro, perguntavam n’aquella muda linguagem, o que seria d’elles desamparados e sós n’aquelle temporal, que tão a subitas lhes escurecera o azul sereno da vida.

Alguns amigos do advogado e um parocho d’aquellas circumvisinhanças, reunidos n’um sagrado pensamento, ajustaram entre si dar uma mensalidade a Antonio de Vasconcellos, que a rogos da irmã acceitou aquelles adiantamentos como uma divida que satisfaria mais tarde.

Temos o nosso estudante formado e prompto. Logo que se viu senhor dos titulos alcançados pelo seu estudo e applicação, foi á villa natal agradecer aos que o haviam tão evangelicamente amparado, e, por conselhos de um condiscipulo, dirigiu-se a Lisboa, onde fixou residencia, e entrou a frequentar o escriptorio de um dos advogados de mais renome no fôro da capital.

Ir para a provincia trabalhar como um mouro, estudar como um benedictino; para que? O resultado conhecêra-o elle, que o exemplo lhe fôra mais que manifesto na propria familia. Em Lisboa encontraria campo mais dilatado onde desafogar as suas altas aspirações.

O peior seria o primeiro anno e ainda o segundo, mas depois acudiriam os clientes, e o seu nome adquiriria a gloriosa reputação com que outros de menos talento se ufanavam.

— Ao principio, Francisca, dizia o moço doutor, não correrá tudo á medida dos nossos desejos, mas tu has de ter muita coragem, não é assim? Quando eu entrar em casa, e vir um sorriso na tua boca, verás como me lanço ao trabalho com vontade e com intrepidez...

Pobre creança!

N’aquella época chegara a Lisboa um individuo que fôra o mais perdulario dos leões da Lisboa de ha trinta annos, e que presentemente occupava um elevado lugar diplomatico em uma côrte estrangeira.

Contavam-se d’este homem excentricidades que fariam morrer de inveja o mais fastiente e spleenetico dos lords. Batera-se vinte vezes e por motivos diversos, por questões de jogo, por questões de mulheres, e por questões de politica.

Espirituoso, valente e rico, passou pelo mais bem acabado producto do seu tempo e do seu meio.

Agora velho mas sempre original e taful, era estimado por todos, querido nas salas, temido ainda na imprensa e respeitado pelos politicos a quem asseteava com o acre azedume de quem já mourejou nos bastidores da politica, e lhes conhece de sobejo os fumosos mysterios.

Estava Antonio de Vasconcellos no Chiado, conversando com um condiscipulo, quando o diplomata se apeou de um trem, e se deteve a conversar alguns instantes com umas senhoras que iam passando.

— Sabes quem é aquelle sujeito? perguntou-lhe o condiscipulo.

— Não.

— É Jorge de Alvim. O velho mais moço que passeia n’esta cidade sorumbatica e sôrna...

— Esse nome não me é estranho. Foi condiscipulo de meu pae que o estimava e tinha em grande conta, e até se me não engano, queimei uma larga correspondencia travada entre aquelle homem e meu pae. A elle pessoalmente não conhecia, mas é sympathico.

— E homem de grande influencia politica.

N’este momento o cavalheiro F. e o ministro L. que passavam, acercaram-se do diplomata e demoraram-se com elle em palestra em que pareciam enlevados.

— Repara tu como elles o tratam! concluiu o condiscipulo de Vasconcellos ao dar-lhe o aperto de mão de despedida.

— Sempre me decido, Francisca.

— Pois vae, Antonio, vae que não deshonra pedir trabalho e protecção...

— Receber-me-ha elle bem?

— Quem te não ha de receber bem, tôlo? vae que eu fico a pedir a Deus por ti!

Antonio de Vasconcellos foi e fallou com o velho amigo de seu pae, Jorge Alvim. Contou-lhe toda a sua vida trabalhosa, as luctas obscuras, as miserias que affrontára, descreveu-lhe a núa e triste agua-furtada em que viviam, elle e a irmã, as longas e plumbeas noites mal dormidas, a costura mal remunerada, a dureza dos senhorios.

E no gabinete cheio de conforto e de luxo aquellas palavras tristes, desesperadas e expirantes soavam lugubremente como um grito de agonia nas alegrias de um noivado...

— V. ex.a não sabia de uma cousa que lhe vou agora dizer. Seu pae salvou-me da morte uma vez no cerco do Porto, eu salval-o-hei custe o que custar das... garras da...

— Miseria, disse o moço com o rosto ligeiramente carminado.

— Pois seja assim! Começaremos a combater o monstro hoje mesmo. Para isso é preciso que V. Ex.a envergue as armas proprias para combates d’esta ordem. Em vez do arnez, do broquel, das cannelleiras e do elmo, aconselho-lhe que se vista com elegancia igual á sua gentileza, porque vae combater a féra no salão da mais elegante senhora de Lisboa, e ante a presença das nossas mais acentuadas celebridades politicas e litterarias. Até logo, não é assim? disse o velho estendendo com uma graça adoravel a mão a Antonio de Vasconcellos que desceu as escadas enceradas com o coração cheio de sol e de alegria.

— Não estejas triste, a casaca fica-te bem, não está muito nova, mas ninguem repara. Põe este botão de rosa na casa. É bonito. Vaes mesmo um taful — dizia a irmã de Antonio de Vasconcellos recuando e examinando amoravelmente o moço.

Depois, com um gesto impregnado de um mixto singular de protecção e de doce auctoridade, continuou:

— Prohibo-te que estejas com essa cara desconsolada. Digo-te eu que és o mais bonito que lá apparece. Depois m’o contarás.

E conversando e rindo n’um abandono divino e infantil, aquelles dous camaradas na adversidade, edificavam castellos de ventura, esquecidos de que o padeiro n’aquelle dia recusara fiar-lhes mais pão. Oh mocidade!

Jorge de Alvim n’aquelle dia parecia exceder-se a si proprio, tão brilhantes eram as suas respostas, tão finas as suas ironias, tão cheias de sal as anedoctas com que encantava os conselheiros, ministros e jornalistas que estavam á mesa da elegante condessa de X***.

Fallou-se em diamantes. Jorge de Alvim desde logo entrou a historiar casos e anedoctas a tal respeito. Narrou as aventuras de diamantes que se tornaram celebres pelas peregrinações em que andaram, e assim precisou com uma erudição graciosa a historia do Sancy, diamante que foi de Carlos o Temerario, e que das mãos d’este passou para as de um Duque de Florença e depois para o poder do Prior do Crato, que o empenhou ao intendente das finanças em França, Harley de Sancy, de onde lhe proveio o nome.

— Ainda aqui não pára, minhas senhoras, a odysséa d’esta pedra. Harley de Sancy quando Henrique IV de França antes de ser reconhecido se achou em grandes apuros de dinheiro, mandou vender esse diamante aos judeus de Metz. O homem encarregado de tão preciosa missão, cahindo nas mãos de uma quadrilha de bandidos, e receiando que lhe roubassem o thesouro que levava, engulira a pedra...

— Ora essa! disse a dona da casa.

— Verdade pura, minha senhora. O cadaver foi descoberto passados tempos no bosque de Dôls, e aberto o ventre, acharam o diamante que foi vendido a Jacques II de Inglaterra, de cujo poder passou para o de Luiz XIV.

— E depois? disse uma das senhoras. Não póde parar ahi esse longo peregrinar de que V. Ex.a está sendo um Fernão Mendes...

— Minto?... pois seja assim. O que posso afiançar a V. Ex.a é que esta pedra, depois de varias e encontradas vicissitudes acabou por onde acabou a esposa de Meneláu... Foi roubada, e hoje pára nas mãos dos Russos.

— Justamente o que mais dia menos dia succederá ao seu magnifico annel, Sr. Jorge de Alvim, tornou a mesma interruptora, dardejando um olhar guloso e felino á pedra do annel — Não está alli por menos de duzentas libras, affirmou um banqueiro.

— Ora, pelo amor de Deus, meus senhores, volveu o velho casquilho. O meu annel que julgo não tem ainda por ora aventuras, ouvindo as minhas narrativas de ha pouco encheu-se de brios, e quiz provar aos incredulos que tambem lhe estão reservados altos destinos... Vou propôr a V. Ex.as uma cousa que lhes parecerá excentrica, mas que me relevarão, já que em Lisboa passo por um ente singular e extraordinario. Ahi vai a singular excentricidade que me passou pela cabeça: ao sahir d’esta sala hão de todos deixar-se revistar pelos donos da casa. Rejeitam ou approvam?

Ouvindo aquella proposta exquisita e quasi que offensiva, alguns sorriram, indignaram-se outros, franzindo os sobrolhos, e um pesado silencio constrangido cahiu n’aquella sala ha pouco tão sonora de vozes, de risos e do fino tilintar da prata e dos crystaes.

— Peço perdão, mas opponho-me e rejeito essa proposta!

Quem assim fallava era Antonio de Vasconcellos. Estava pallido como a morte, tentava sorrir, mas os dentes cerravam-se-lhe nervosamente, e os cabellos empastavam-se-lhe na testa gotejando suor.

— Não está alli por menos de duzentas libras, affirmou um banqueiro.

— Ora, pelo amor de Deus, meus senhores, volveu o velho casquilho. O meu annel que julgo não tem ainda por ora aventuras, ouvindo as minhas narrativas de ha pouco encheu-se de brios, e quiz provar aos incredulos que tambem lhe estão reservados altos destinos... Vou propôr a V. Ex.as uma cousa que lhes parecerá excentrica, mas que me relevarão, já que em Lisboa passo por um ente singular e extraordinario. Ahi vai a singular excentricidade que me passou pela cabeça: ao sahir d’esta sala hão de todos deixar-se revistar pelos donos da casa. Rejeitam ou approvam?

Ouvindo aquella proposta exquisita e quasi que offensiva, alguns sorriram, indignaram-se outros, franzindo os sobrolhos, e um pesado silencio constrangido cahiu n’aquella sala ha pouco tão sonora de vozes, de risos e do fino tilintar da prata e dos crystaes.

— Peço perdão, mas opponho-me e rejeito essa proposta!

Quem assim fallava era Antonio de Vasconcellos. Estava pallido como a morte, tentava sorrir, mas os dentes cerravam-se-lhe nervosamente, e os cabellos empastavam-se-lhe na testa gotejando suor.

— Seria elle? disse a dona da casa baixo, e fitando-o tristemente.

E toda a gente que o ouvira como que por instincto affastou-se do pobre moço.

Podia ser, que fosse elle. Era pobre, pois não viam isso claramente?

Os olhos de todas as mulheres que alli estavam começaram então desapiedadamente a analysal-o por miudo, e passavam-lhe em revista a casaca cossada, a pouca finura da camisa, a gravata branca ligeiramente encardida, as joelheiras luzidias das calças pretas.

— E não é feio rapaz!

— Pois sim, mas Lacenaire tambem não era feio, volveu outra menos caridosa e mais letrada.

Antonio de Vasconcellos approximou-se de Jorge de Alvim, e baixo com voz concentrada disse lhe:

— Uma palavra, Sr. Alvim, desejo dar-lhe uma palavra...

— É melhor mais tarde... depois..., replicou desdenhosamente Jorge de Alvim.

Repararam todos na insistencia de Antonio de Vasconcellos, e as suspeitas mais e mais se enraizaram no espirito dos convivas.

O pobre rapaz, que conhecia a falsa posição em que se collocara com a sua phrase, sentia-se humilhado e como que vendido n’aquelle meio.

Os proprios criados olhavam-no com manifesto desprezo.

Vasconcellos disse ainda ao diplomata:

— Sr. Jorge de Alvim, pela ultima vez, quer ouvir-me?

— Homem, já sei; é pobre, teve uma fascinação, já li isso não sei aonde... Ah! já sei... n’um conto de Balzac...

E voltou-lhe as costas.

N’esse instante uma voz entaramellada e rouca echoou na sala:

— Peço que me escutem! como sou o unico pobre que aqui está, e como todas as circumstancias são em meu desfavor, podem julgar que fui eu que roubei esse annel. Se não consenti na proposta feita pelo Sr. Jorge de Alvim, — e na pallidez do seu rosto destacavam-se duas rosas de pejo, — foi porque, se me revistassem, encontravam-me no bolso isto que eu furtei para levar á minha irmã que não come desde hontem... disse o mancebo tirando da algibeira um pão.

Houve um grande e profundo silencio angustioso. A condessa foi a primeira a rompel-o adiantando-se para Vasconcellos.

— Pobre rapaz!...

E com o movimento que fez, um objecto brilhante faiscou nas franjas do seu vestido.

— Permitta-me V. Ex.a, condessa, disse o banqueiro abaixando-se e desprendendo das franjas o objecto que reluzia e chispava: aqui está o annel.

Antonio de Vasconcellos occupa hoje com geral applauso e com grandes creditos o lugar de secretario, na embaixada de que é ministro seu amigo e cunhado Jorge de Alvim.