Deodoro da Fonseca (número único)/Coluna 2-5/Página 4/Discurso

DISCURSO

Honra as columnas deste jornal, o inspirado discurso, proferido pelo intemerato republicano Dr. Julio Prates de Castilhos, na sessão funebre, realisada na Capipal Federal, em homenagem á morte do inolvidavel fundador da Republica Brazileira :

« Sr. Julio de Castilhos (movimento de attenção)— A casaca que vestia o marechal Deodoro era a demonstração peremptoria de que elle, antes de ser um militar, era um cidadão. O orador cumprimenta o seu collega pela expressão synthetica de que se serviu e que tão bem define o caracter do grande morto.

A camara está prestando a mais significativa homenagem á memoria de um homem que tudo merece dos republicanos, que tudo merece da Republica. Fallo em nome do passado — e preciso recorrer a velhas datas para encontrar-se o germen da idéa republicana no cerebro hoje tranquillo — não foi no dia histórico de 15 de Novembro que elle cogitou da Republica, muito antes já lhe havia passado pelo espirito o luminoso pensamento.

Começou a compenetrar-se da necessidade da Republica quando, commandando as armas no Rio Grande do Sul, tornou-se o principal responsavel na questão militar. O império era uma saturnal—o fanatismo esterelisando o espirito das gentes, a olygarchia opprimindo o povo, a classe armada perseguida, menosprezada por uma monarchia fluctuante, sem consistencia, que não conseguira enraizar-se no paiz.

O ódio contra o soldado vinha do motivo nefando—o militar não se prestava a ser sabujo, negara-se a perseguir em batidas crueis os furagidos negros; o militar não se prestava a ser o amparo de um throno oscilante ; desses motivos o odio tremendo que fez explosão por fim. Os ministros desrespeitavam os direitos do soldado, as mobilisações ostensivas tornaram-se factos de todos os dias — o soldado era um repudiado. Não lhe permittiam direitos—nem mesmo o de legitima defesa.

O coronel Cunha Mattos, simplesmente por ter vindo á imprensa rebater umas offensas atiradas ao seu nome foi, reprehendido pelo ministro—qualquer altitude digna assumida por um cidadão que vestisse farda era considerada crime de lesa-monarchia.

Para restauração da verdade, diz que o coronel Sennna Madureira, seu amigo intimo, seu companheiro, foi quem fez a questão militar no Rio Frande do Sul. Commandava uma força do Rio Pardo quando soube que fora accusado por um dos membros da camara por crime igual ao que commettera o coronel Cunha Mattos. Fallou ao orador dizendo não poder tolerar mais arbitrariedades, por estar resolvido a fazer declaração categorica pela imprensa, protestando contra as palavras do deputado que o arguiu.

O orador ponderou ao bravo coronel—que se tal fizesse viria achar-se na mesma condição em que então se achava o seu companheiro de armas. Elle, então, confiante e ousado, perguntou — se o partido republicano o apoiaria, tornando-se solidario.

O orador, em nome do partido republicano, disse que sim, que seria solidário com tudo quanto elle fizesse.

Eis por appareceu nas columnas da Federação o violento protesto contra a ordem do dia.

O marechal Deodoro que nessa occasião accumulava os poderes de commandante das armas e presidente do Rio Grande do Sul, tendo conhecimento do facto, declarou :

« Essa ordem dia é um crime. Não a transmitto aos officiaes e vou mandar cassal-a. » Convenceu-se então de que Deodoro era republicano.

Foi assim que nasceu a questão militar, questão historia, tão grande que se identificou com o 15 de Novembro; foi a sementeira da Republica.

Nessa occasião, quando a monarchia jogava a sua ultima cartada, procurando garantir a dynaslia e estancar a onda republicana, appareceu heroico, com a espada flammejante, o marechal Deodoro.

A propaganda havia feito muito; Benjamin Constant com a sua palavra, com a sua prudencia, com a sua sabedoria illuiuinaria a niocidade das escolas, mas a propaganda por si só não conquistaria a Republica se no momento decisivo não surgisse um homem como Deodoro. Quando Benjamin Constant, que tinha feito uma campanha longa e tenaz, convenceu-se da necessidade de levar a effeito o seu plano, foi consultar o marechal, de quem recebeu a palavra decisiva.

No dia 23 do corrente ouviu do Sr. Glicerio—que Benjamin Constant dissera antes do 15 de Novembro que a Republica estava perdida, porque Deodoro estava enfermo.

Em Junho de 1890 disse o proprio Benjamin Constant que «se Deodoro não tivesse saindo á rua, no seu cavallo de guerra, a Republica nào se teria feito. »

Foi elle o homem que no dia 15 de Novembro encarnou a aspiração do povo. Feito chefe do governo provisório pelos seus próprios companheiros, nada mais fez senão obedecer. Tém-se levantado contra o governo provisorio clamores atroantes — errou, não contesta, mas teve os seus pontos de acerto — o governo provisório synthetisou a revolução—fez o que pôde pela Republica. Nessa phase Deodoro desempenhou papel tão importante, tão digno, que não pode ser esquecido. Elle, o heróe, entregou-se aos companheiros. Como todo aquelle que sobe tem a sua decadencia, Deodoro, que tinha alma de soldado, que sentia e pensava como soldado, não ouvia os conselhos dos que o prezavam.

Deodoro começou a errar. Procurou-o, como republicano, e foi sincero nas suas phrases, mostrando á evidencia o gravissimo erro que commettera organizando o ministerio que organisara. Também comprehendeu o alcance da phrase do orador, que prometteu não organisar mais ministérios sem consultal-o... e ficou esse ministério que era um ponto de interrogação,

Comprehendo que o homem de quem dependera a proclamação da Republica não podia ser lançado à margem, e, de accórdo com a deputação do Rio Grande do Sul, deu-lhe seu voto para presidente da Republica e é sabido que a victoria dessa eleição dependeu muito da bancada rio-grandense.

Mais tarde, ludibriado, errou...

Mal cerrado o tumulo em que repousa Benjamin Constant, quando apenas se fecha o tumulo de Deodoro, acha inopportuno, anti-patriotico ventilar-se questões como essa que actualmente se agita: quem fundou a Republica? Não foi Deodoro, não foi Benjamin Constant, quem fundou a Republica :—foi o partido republicano—não foi um homem, foi o Brasil porque não se amoldou á fórma monarchica, foi a patria que pertence á America, a America que é republicana. Benjamin Constant,apostolo illustre, edificou o espirito da mocidade militar ; Deodoro disse :

Ha muita gente que me suppõe monarchista intransigente — não sou, sou da patria.

No dia em que fôr preciso o meu esforço para a victoria suprema, appellem para elle. Sou amigo do Sr. D. Pedro II porque me tem feito justiça e a meus irmãos militares. Se Benjamin Constant foi o homem que apostolisou, Deodoro foi o executor, foi a acção.

Mas, tornando ao homem.. Conselhos de máos amigos, de amigos sacrifleadores, levaram-no a commetter o acto ominoso, o acto inconstitucional; apezar de toda a sua gloria não podia mais continuar a ser o chefe do governo.

Não desce a discutir o facto, porque receia que ainda o accusem de partidario de golpe de Estado. Deodoro commetteu o grande erro de violar a constituição que elle havia jurado manter, mas quem não esquecerá esse erro diante da suprema gloria de quem proclamou a Republica. Mas surge o homem quando podendo resistir preferiu abandonar o governo pacificamente para não manchar a patria com uma gotta de sangue. Na patria e fóra della foi sempre o defensor dos seus direitos sagrados. Merece da camara, do paiz, dos republicanos toda veneração e pede como republicano que esqueçam paixões, que não se prendam a considerações subalternas e exhorta a que se lembrem do proclamador da Republica, daquelle que assegurou a 15 de Novembro a realização do nosso idéal supremo. Serenemos paixões diz perorando, aquietemos o nosso amor proprio, não olhemos para o passado triste. Colliguemo-nos para defender a Republica, obra gloriosa de quem hoje veneramos.

Patria, recebe no teu seio o despojo do teu grande filho ! Republica, não te esqueças jamais daquelle que te proclamou !

Esta obra entrou em domínio público no contexto da Lei 5988/1973, Art. 42, que esteve vigente até junho de 1998.


Caso seja uma obra publicada pela primeira vez entre 1929 e 1977 certamente não estará em domínio público nos Estados Unidos da América.