Poesias (Bernardo Guimarães, 1865)/Cantos da solidão/Desalento

DESALENTO

N’estes mares sem bonança,
Boiando sem esperança,
Meu baixel em vão se cansa
Por ganhar o amigo porto;
Em sinistro negro véo
Minha estrella se escondeu;
Não vejo luzir no céo
Nenhum lume de conforto.

A tormenta desvairou-me,
Mastro e vela escalavrou-me,

E sem alento deixou-me
Sobre o elemento infiel;
Ouço já o bramir tredo
Das vagas contra o penedo
Onde irá — talvez bem cedo —
Sossobrar o meu batel.

No horizonte não lobrigo
Nem praia, nem lenho amigo,
Que me salve do perigo,
Nem fanal que me esclareça;
Só vejo as vagas rolando,
Pelas rochas soluçando,
E mil coriscos sulcando
A medonha treva espessa.

Voga, baixel sem ventura,
Pela turbida planura,
Através da sombra escura,
Voga sem leme e sem norte;
Sem velas, fendido o mastro,
Nas vagas lançado o lastro,
E sem ver nos céos um astro,
Ai! que só te resta a morte!

Nada mais ambiciono,
Ás vagas eu te abandono,
Como cavallo sem dono
Pelos campos a vagar;
Voga n’esse pégo insano,
Que nos roncos do oceano
Ouço a voz do desengano
Pavorosa a ribombar!

Voga, baixel foragido,
Voga sem rumo — perdido,
Pelas tormentas batido,
Sobre o elemento infiel;
Para ti não ha bonança;
A’ tôa, sem leme avança
N’este mar sem esperança,
Voga, voga, meu baixel!