Descripçaõ do novo invento aerostatico/3
Robert , feita pelo primeiro deſtes
Sabios.
Deve notaṙ-ſe para ſer inteligivel o tom , com que M. Carlos principia eſta relaçaõ , que á experiencia feita por eſtes Fiſicos precederaõ algumas diſlenſoés com M. de Montgolfier , e outras peſſoas, que lhes imputavaõ o quererem arrogar a ſi a gloria deſte invento.
« Antes da noſſa aſcenſaõ , fizemos ſubir
aos ares um globo de 5 pés , e 8 polegadas ,
a fim de nos dar a conhecer a direcçaõ do vento, e de nos deſcubrir o caminho , que iamos tomar. Uſamos para com M. de Montgolfier (que os noſſos amigos aviaõ tido o cuidado de trazer ao recinto onde eſtavamos ) d՚atençaõ de lhe pedir , que quizeſſe cortar a corda , que ſopeava o globo : logo que o fez, eſte s՚elevou. O Publico tem compreendido eſta alegoría : eu quis, que ſe vieſſe no conhecimento de que ele avia tido a felicidade d՚abrir o caminho. O globo fugío das maõs de M. Montgolfier , ſubio aos ares, e parecco levar áquelas regioẽs , o teſtemunho da noſſa reuniaõ. A ſua elevaçaõ foi acompanhada das aclamaçoẽs de todos os eſpectadores. Entretanto nós nos preparavamos a toda preſſa para a noſſa fugida. A confuzaõ , em que nos tinhaõ poſto varias circunſtancias , nos impedio , que fizeſſemos as noſſas diſpoficoẽs com aquela preciſaõ , que na veſpera nos aviamos propoſto. Eu já estava impaciente por deixar a terra. O globo , e o carro ſe achavaõ em equilibrio , mas ainda tocavaõ no terreno , que nos ſuſtentava. A uma ora e tres quartos lançámos fóra 19 arrateis de laſtro , e nos elevámos no meio d՚um profundo ſilencio, reconcentrado pela comoçaõ , e eſpanto d՚um
e outro partido. Nada jámais poderá igualar
aquele momento d՚alegria, que ſe apoderou
da minha exiſtencia , quando ſenti , que eu
fugia da terra : foi uma ſenſaçaõ, que ſe naõ
pode chamar ſó prazer, mas ſim completa felicidade. Tendo eſcapado aos tormentos terriveis da perſeguiçaõ , e da columnia , pareceo-me , que eu reſpondia a todos , elevando-me
aſſima de tudo. A eſte ſentimento moral ſuccedeo logo uma ſenſaçaõ mais viva ainda ,
a admiraçaõ do mageſtozo eſpectaculo , que
ſe nos preſentava. De qualquer lado, que lançaſſemos os olhos, tudo era admiravel. Por
ſima de nós um Ceo ſem nuvem alguma ,
ao longe a viſta mais delicioza !, Ah ! meu,
amigo , digo eu a M. Robert , quam grande
he a no∫∫a dita ! naõ ʃei em que diʃpofiçoẽs
deixamos a terra ; mas quam belo ʃe nos reprezenta o Ceo! Que ∫erenidade! Que ∫éena
encantadora ! Oxalá pude∫∫e eu ter aqui o ultimo dos no∫∫os detractores e dizer-lhe, « olha
« de∫graçado, quanto ∫e perde em impedir o pro-
« gre∫∫o das Siencias !
« Em quanto nos elevamos progreſſivamente , por um movimento acelerado , puze-monos a agitar no ar as noſſas bandeirolas , em ſignal d՚alegria, e a fim de dar indicios certos da noſſa ſegurança áquelas peſſoas , que ſe intereſſavaõ na noſſa ſorte. Durante eſte tempo obſervei ſempre o barometro. M. Robert fazia o inventario dar noſſas riquezas. Os noſſos amigos aviaõ laſtrado o noſſo carro, como ſe foſſe para uma longa viagem , provendo nos de vinhos de Champanhia &c. cubertores , e capotes forrados de peles &c. bom e∫tá, lhe diſſe eu , naõ falta aqui que deitar pela janela fóra. Ele começou lançando pelos ares uma cuberta de lã : eſta logo ſe deſdobrou mageſtozamente, e cahio junto do zimborio d՚Aſſumpçaõ. Entaõ o barometro deſceo a 26 polegadas com pouca diferença. Nós tinhamos ceſſado de ſubir , iſto he aviamo-nos elevado 300 toeſas pouco mais ou menos. Eſta era a altura em que prometeramos conſervar-nos; e efectivamente deſde eſte momento até o em que deſaparecemos aos olhos dos que nos ficaraõ obſervando , a noſſa marcha ſempre ſe conteve entre՚ 16 polegadas de mercurio , e 26 polegadas, e 2 linhas : o que ſe acha concordar com as obſervaçoẽs feitas em París. Tinha-mos cuidado d՚aliviar a noſſa carga , á medida , que deſciamos pela perda inſenſivel d՚ar inflamavel : e nos elevavamos ſenſivelmente á meſma altura. Se as circunſtancias nos tiveſſem permitido regular eſte laſtro com mais precizaõ , a noſſa marcha averia ſido quaſi abſolutamente orizontal , e á vontade.
« Chegados á altura de Mouceaux , que deixavamos um tanto á eſquerda , ficamos por um pouco de tempo eſtacionarios. O noſſo carro voltou em toda , e por fim desfilá-mos á deſcrição do vento. Logo depois paſſámos o Sena enrre S. Ouen, e Aſnieres : e tal foi com pouca diferença a noſſa marcha aerografica. Deixando Colombe á eſquerda , paſſando quaſi por ſima de Geneviliers , atraveſſámos ſegunda vés o dito rio , deixando Angentenil á eſquerda. Depois paſſámos a Saunois , Francouvile , Eaubone , Saint-Leu ; Tauverny , Viliers , atraveſſámos a Ilha Adaõ , e finalmente chegámos a Nesle , onde deſce-mos. Taes ſaõ pouco mais ou menos os lugares, ſobre que paſſámos quaſi perpendicularmente. Eſta jornada fás com pouca diferença 9 leguas de París , as quaes andámos em 2 oras , poſto que naõ avia nos ares quaſi agitaçaõ alguma ſenfivel.
« Durante toda eſta delicioza viagem naõ nos veio á imaginaçaõ o mais leve receio a reſpeito da noſſa ſorte , e da da maquina. O globo naõ ſofreo mais alteraçaõ , que as modificaçoẽs ſuceſſivas de dilataçaõ , e de compreſſaõ , de que nos aproveitavamos para ſubir , e deſcer a quantidade , que queriamos. O termometro eſteve por espaço de mais d՚uma ora entre 10 , e 12 gráos aſſima de o , a que procedeo de ter o interior do noſſo carro recebido calor dos raios do Sol. O noſſo globo experimentou , pouco depois , o meſmo efeito , e o ar inflámavel , dilatado pelo calor ſolar , eſcapava por um apendice poſto no globo , que ſeguravamos com a maõ , e que ſoltavamos , ſegundo as circunſtancias o pediaõ , para deixar ſair o ar nimiamente dilatado. Por eſte meio evitamos aquelas expanſoẽs, e exploſoẽs , que as peſſoas pouco inſtruidas receavaõ a noſſo reſpeito , naõ podendo a ar inflamavel romper a ſua prizaõ , pois que a porta para ſait estava ſermpre aberta ; nem o ar atmosferico entrar no globo , pois a ſua propria preſſaõ fazia do apendice uma verdadeira valvula, que ſe opunha a iſſo.
« Ao cabo de 56 minutos de marcha ouvimos o tiro de canhaõ , que era o ſinal d՚avermos deſaparecido aos olhos dos obſervadores de París. Regoſijámo-nos de lhes ter eſcapado. Naõ eſtando já obrigados a limitar a noſſa marcha a uma direcçaõ orizontal , aſſim como aviamos feito até entaõ , entregamo-nos inteiramente á contemplação dos diverſos espectaculos , que nos preſentava a imenſidade das campinas , por ſima das quaes viajavamos. Deſde entaõ naõ ceſſámos de converſar com os ſeus abitantes , que viamos vir para nós de todas as partes. Nós ouviamos os ſeus gritos d՚alegria , os ſeus votos , a ſua ancia , em uma palavra o rebate d՚admiraçaõ : gritavamos , viva o Rei , e todos os campos reſpondiaõ á noſſa vós. Nós ouviamos mui diſtintamente dizer : Meus amigos naõ tendes vós medo? Naõ vos ∫entis doentes ? Santo Deos ! Que coiza taõ maravilhoza ! Os Ceos vos defendaõ. A deos meus amigos. Eſte terno , e verdadeiro intereſſe , que inſpirava um eſpectaculo taõ novo , tanto me comoveo , que até me fés verter lagrimas. Agitavamos ſem interrupçaõ as noſſas bandeiras , e percebiamos , que os ſinaes reduplicavaõ a alegria , e a ſegurança a noſſo reſpeito. Por diverſas vezes deſcemos mais, para ſermos melhor ouvidos. Perguntavaõ nos donde aviamos partido , e a que ora : e nós ſubiamos mais aſſima, dizendo lhes a deos. Arrojavamos ſuceſſivamente, e ſegundo as circunſtancias, reguingotes , manguitos , veſtidos &c. Navegando por ſima da Ilhia Adaõ , depois d՚avermos admirado aquela delicioza campina , meneamos ainda as noſſas bandeiras , e perguntamos pelo Principe de Conti : reſponderaõ-nos com uma buzina , que e∫tava em París , que teria grande ∫entimento de ∫e naõ achar ali. Naõ deixou de nos cauzar magoa o perdermos uma taõ bela ocaſiaõ de o oſequiarmos : e efectivamente averiamos deſcido no meio dos ſeus jardins , ſe tiveſſemos querido ; mas aſſentando em prolongar ainda a noſſa viagem , tornámos a ſubir. Finalmente chegamos perto das planicies de Nesle paffava das 3 oras e meia. Como eu intentava fazer uma ſegunda viagem, e aproveitar-me das vantagens da noſſa ſituaçaõ , como tambem do dia , propus a M. Robert , que deſceſſemos. Via-mos ao longe bandos de camponezes , que corriaõ para nós pelo meio dos campos. Deixe-mo-nos ir , lhe diſſe eu. Entao deſcemos a um eſpaçozo prado , que estava guarnecido em roda d՚arbuſtos , e d՚algumas arvores. O noſſo carro caminhava mageſtozamente ſobre um plano inclinado muito prolongado. Chegados perto deſtas arvores , reccei , que os ſeus ramos embaraçaſſem o carro. Lancei fóra dois arrateis de laſtro, e o carro ſe elevou paſſando por ſima das arvores á maneira d՚um cavalo , que ſalta por ſima d՚um valado. Corremos mais de 20 toeſas n՚altura dſum ou dois pés , repreſentando uma figura ſimilhante á dos que viajaõ ſobre o gelo. Os camponezes corriaõ atrás de nós como rapazes atrás de borbuletas n՚um prado. Finalmente deſcemos á terra : cercaõ-nos. Nada pode igualar a ſinceridade ruſtica e terna, a efuſaõ d՚admiraçaõ e d՚alegria deſta gente.
« Perguntei imediatamente pelos Curas , e Sindicos. Eles corriaõ para nós de todas as partes. Naquele lugar era entaõ dia de feſta. Eſcrevi um breve proceſſo verbal , que eles aſſignáraõ. A eſte tempo chega um bando de cavaleiros á desfilada. Eraõ o Duque de Chartres , o Duque de Fitzjames , e M. Farrer , Cavalheiro Inglés, que nos tinhaõ ſeguido deſde París. Por um acazo muito ſingular , aviamos deſcido junto á caza de campo do ultimo. Eſte ſe apeou , e faltando dentro do carro diſſe abraçando-me. M. Carlos , eu ∫ou o primeiro. Recebemos os maiores obſequios do Principe , que tambem nos abraçou a ambos no noſſo carro , e ſe dignou d՚aſſignar o noſſo proceſſo verbal. O meſmo fès o Duque de Fitzjames. M. Farrer aſſignou-o tres vezes ſuceſſivamente. A ſua aſſinatura foi omitida no Jornal de París, porque ele eſtava taõ tranſportado d՚alegria , que naõ podia eſcrever legivelmente. De mais de cem cavaleiros , que partiraõ atrás de nós de París , e que apenas podiamos deſcubrir do noſſo carro , eſtes foraõ os unicos , que nos puderaõ alcançar : os outros tinhaõ rebentado os ſeus cavalos, ou deſiſtindo de taõ rapida carreira. Contei brevemente ao Duque de Chartres algunas particularidades da noſſa viagem. Mas o cazo naõ pára aqui , Senhor , acreſcentei eu ſorrindo-me , eu vou fazer outra viagem. — Como a∫∫im ? — Vós o ides ver Senhor : e vamos ao cazo , quando quereis , que eu de∫ça ? — Dentro de meia hora. — Bem e∫tá Senhor ! dentro de meia ora e∫tarei com vo∫co. — M. Robert ſaío do carro , ſegundo aviamos convido em quanto viajavamos. Trinta camponezes , que carregavaõ ſobre o carro , com os corpos quaſi todos debruçados para dentro dele , impediaõ-no de ſubir. Eu pedi alguma terra para me ſervir de laſtro, de que ſó me reſtavaõ tres ou quatro arrateis. Foi-ſe buſcar uma enxada , mas naõ ſe achou. Pedi pedras , mas nenhuma avia no prado. Vendo , que o tempo ſe paſſava , e que o Sol estava para ſe pôr , calculei rapidamente a altura poſſivel a que podia elevar-me a leveza eſpecifica de 130 arrateis , que eu acabava d՚adquerir em razaõ de M. Robert aver ſaído do carro , e diſſe ao Duque de Chartres : Senhor ca parto ; e aos camponeses : meus amigos retiraivos todos a um tempo das bordas do carro, ao primeiro ∫inal , que já vou fazer-vos , e eu me elevo. Bato com a maõ : todos ſe retiraõ , e ſubo como um paſſaro. Dentro em 10 minutos eu me achava n՚altura de mais de 1500 toeſas : já naõ deſcubria os objectos terreſtres , e naõ via mais que as grandes maſſas da natureza. Eu avia tomado as precauçoẽs neceſſarias , para atalhar a exploſaõ do globo , e me avía preparado para as obſervaçoẽs , que tinha prometido fazer. A fim d՚examinar o barometro , e termometro , colocados nas extremidades do carro , ſem alterar o centro de gravidade , ajoelhei no meio , eſtendendo para diante o corpo e uma perna : e tendo na maõ eſquerda o relogio e o papel , e na direita a pena e o cordaõ da valvula , me pus a eſperar o ſucceſſo. O globo , que ao tempo da minha partida eſtava algum tanto frouxo , principiou a inchar inſenſivelmente. O ar inflamavel eſcapava em grande quantidade pela valvula : eu abria eſta de quando em quando para o deixar ſair : e continuava a ſubir , perdendo todavía ar que ſaía aſſobiando , e ſe fazia viſivel , bem como um vapor quente n՚uma atmosfera fria. A cauza deſte fenomeno he clara. Em terra o termometro eſtava 7 gráos aſſima do ponto de congelaçaõ ; mas , paſſados 10 minutos d՚aſcenſaõ , ele ſe achava 5 gráos abaixo deſte ponto. O ar inflamavel naõ avia tido tempo para recuperar o equilíbrio da ſua temperatura: e ſendo o ſeu equilibrio elaſtico mais prompto , que o do calor , neceſſariamente devia eſcapar uma grande quantidade d՚ar, por ſe ter diminuido a compreſſaõ exterior , em razaõ de ſer a atmosfera menos denſa naquela altura. Quanto amim , poſto que ſem reſguardo algum , paſſei em 10 minutos do calor da primavera ao frio do inverno , frio ſecco e agudo , mas naõ inſuportavel. Confeſſo , que ao primeiro momento nada achei de deſagradavel na repentina mudança. Quando o barometro deixou de ſubir, marquei exactamente 18 polegadas e 10 linhas , naõ ſofrendo o mercurio vibraçaõ alguma ſenfivel. Daqui deduzí uma altura , que julgo ſer de 1524 toeſas pouco mais ou menos , em quanto naõ poſſo ſer mais exacto no meu calculo. Paſſados mais alguns minutos os meus dedos ficáraõ enregelados pelo frio , de forte , que naõ pude ſegurar a pena. Entaõ fiquei eſtacionario , e ſómente me moví n՚uma direcçaõ oriſontal. Púſme em pé no meio do carro para obſervar a ſcena , que ſe me prezentava. Ao tempo da minha partida o Sol já naõ dava lús aos vales : eſte aſtro pouco depois naſceo para mim ſó , que era o unico corpo alumiado ſobre o orizonte , achando-ſe todo o resto da natureza em ſombra. O Sol ele meſmo brevemente deſaparecco , e eu tive a ſatisfaçaõ de o ver pór-ſe duas vezes no melmo dia. Obſervei , por alguns ſegundos o ar circumambiente , e os vapores , que ſe levantevaõ dos vales , e rios. As nuvens pareciaõ , que naſciaõ da tera , e que ſe juntavaõ umas ſobre outras , conſervando todavia a ſua fórma uſual , menos a ſua cor , que era parda , e monotona , pela falta de lús n՚átmosfera. A lua ſó as alumiava, e me fès vir no conhecimento de que eu avia revirado duas vezes , por quanto obſervei certas correntes d՚ar , que me faziaõ voltar á meſma paragem. Experimentei varias ſenſiveis deviaçoẽs , e notei com admiração os efeitos do vento, e vi as pontas da minha bandeirola apontar para ſima. Eſte fenomeno naõ era o efeito d՚aſcenſaõ ou deſcida , por quanto eu emaó me movia oriſontalmente. A eſſe tempo concebi , talvès algum tanto acceleradamente , a idéa de poder dirigir a minha carreira á vontade. No meio da minha grande alegria ſenti uma violenta dor no ouvido e queixo direito , o que atribuí á dilataçaõ do ar na celular conſtrucçaõ deſtes orgaõs , em razaõ da que avía no ar exterior. Eu eſtava em veſtia , e com a cabeça deſcuberta. Em continente pús um barrete de lã , todavia a dor naõ paſſou, ſe naõ ſó á medida , que eu ía deſcendo. Por eſpaço de 7 , ou 8 minutos ceſſei de ſubir ; a condenſaçaõ do ar inflamavel interior antes me fazia deſcer. Entao me recordei d՚aver prometido voltar dentro em meia ora , e abrindo a valvula ſuperior deſci. O globo ſe achava a cſſe tempo taõ evacuado , que ſó repreſentava ameirade do ſeu volume, Deſcubrindo uma bem cultivada campina perto do boſque de Tour do Lay, accelerei a minha deſcida. Quando eu diſtava da terra 20 a 30 toeſas, deitei fóra 3, ou 3 arrateis de laſtro , e fiquei , por um momento , eſtacionario , até que deſcí ſocegadamente ao campo , mais d՚uma milha diſtante do lugar donde partí. As frequentes deviaçoẽs , e viravoltas , fizeraõ-me imaginar , que andei neſta viagem aeria o eſpaço de 3 leguas com pouca diterença , no que gaſtei perto de 35 minutos. Tal he a certeza das combinaçoẽs da noſſa maquina aeroſtatica, que poſſo á vontade completar uma leveza eſpecifica de 130 arrateis , a conſervaçao da qual , igualmente voluntaria , podería aver-me mantido nos ares so menos por mais de 14 oras. Quando os dois Duques me viraõ em diſtancia deſcendo , eles e as demais peſſoas deixaraó M. Robert para vir ter comigo , e partirao a toda preſſa para París. O Principe ele mesmo com ſuma benignidade ſe encarregou de dar ao publicó uma releçaõ deſta viagem , a fim de ſocegar os ſeus receios a noſſo reſpeito. «
Como o deſcubrimento dos globos volantes tem feito a maior ſenſaſaõ em París , e conſequentemente ocaſionado diverſos ſentimentos, naõ podemos deixar d՚ajuntar aqui o extracto de duas cartas daquela capital, relativas a eſte objecto.
Eisaqui como ſe exprime a primeira.
« A experiencia feita a 21 de Novembro com o globo aſcendente , tem excitado um grande entuſiaſmo entre os Artiſtas , de tal ſorte , que eſtes na tarde deſſe meſmo dia abriraõ uma ſubſcripçaõ , para ſe cunhar uma medalha d՚ouro em onra dos intrepidos navegantes aerios , e para ſe levantar uma columna no lugar onde a maquina deſceo , depois de ter como ſe ſabe corrido um eſpaço conſideravel. Toda a gente , que bem conhece a grandeza deſte deſcubrimento , aplaude com um ardor igual o zelo dos Artiſtas. Parece juſto obſervar aqui o quanto os ſentimentos relativos ao invento de M. de Montgolfier tem variado deſde o principio deſtas experiencias , e o quanto algumas peſſoas ſaõ ainda injuſtas para com eſte iluſtre inventor. Ao principio julgou-ſe extravagante a ſua idéa, e ſe deo por impraticavel a execuçaõ dela : depois deſprezaraõ-na como inutil ; finalmente , para rematar de todo uma critica deſarrozoada , acuzaraõ o ſeu autor de plagiario , como ſe éle ouveſſe querido arrogar-ſe uma gloria ; que era devida a outros antes dele. Os factos inconteſtaveis, de que um povo imenſo , e os omens mais iluminados da França tem ſido teſtemunhas oculares , deſtroem as duas primeiras acuzaçoẽs , e deve-ſe fazer juſtiça a M. de Montgolfier , que impòs nesta parte um ſilencio eterno aos ſeus adverſarios. Ele anunciou ao publico , que o ſeu globo, d՚um volume enorme , ſe elevaria ao ar por meio deſte elemento tornado inflamavel , e efectivamente ſe elevou : ele prometeo , que entes vivos , e até racionaes ſubiriaõ aos eſpaços atmosfericos , e eſte globo , fiel ao ſeu Autor, os levou como ele avia predicto , e os depós ſobre a ſuperficie da terra com a meſma ſegurança , com que ſe lhe aviaõ confiado : finalmente M. de Montgolfier , para provar que a ſua maquina era capas d՚ alguma direcçaõ , fès a referida experiencia de 21 de Novembro , que será ſempre memoravel , pela qual ſe vio , que o ar , até o mais elevado , eſtava ſujeito ao imperio do omem , e a maquina aeroſtatica á ſua vontade. «
« Pelo que toca a plagiario , baſtará obſervar-ſe, que M. de Montgolfier nunca ſe deo por Autor da idéa geral , conhecida ha muito tempo , e mais antiga ainda entre alguns Efcritores Italianos , de fazer ſubir globos aos ares ; ou de neles fazer navegar barcos á imitaçaõ dos de que falaõ eſſes Eſcritores , que atribuiaõ eſte efeito á falta d՚ar , extraido de certos globos de cobre , a que ſe devia atar o barco. A cauza , de que M. de Montgolfier ſe ſervio , he o ar inflamavel , ignorado naqueles tempos abſolutamente pelos Eſcritores Italianos , que ſe citaõ. A acuzaçaõ por tanto de plagiario he inteiramente falſa , e ſem fundamento.... No que reſpeita á pretendida inutilidade deſte deſcubrimento , que ocaſiona tanta onra á Naçao Franceza , he neceſſario , para conhecer toda a fraqueza dos diſcurſos dos adverſarios de M. de Montgolfier , transportar o penſamento á época , em que o primeiro omem anunciou os meios d՚atraveſſar os mares : que idéas falſas , que dificuldades frivolas , que argumentos abſurdos naõ deveriaõ os outros mortáes opór-lhe ? Mas, a pezar deſtes obſtaculos , a navegaçaõ ſobre as aguas teve principio pela intrepidés do ſeu primeiro inventor : ela fés progreſſos , e a experiencia d՚alguns milhares d՚anos a levou ao gráo de perfeiçaõ., em que oje a vemos. Que diriaõ os primeiros contraditores , que julgavaõ impoſſivel a navegaçao d՚um pequeno barco ſobre os mares , ſe viſſem uma das noſſas cidadelas fluctuantes , que ainda agora excitaõ a noſſa admiraçaõ. A experiencia de M. de Montgolfier naõ he mais do que um principio imperfeito da navegaçaõ aeria : demos a eſta idéa tempo para amadurecer , e talvès que a poſteridade mais remota terá motivo para eſcarnecer tanto da noſſa incredulidade , como dos noſſos diſcurſos. Quanto ao mais , a paſſagem d՚um rio, d՚um canal , e d՚outros lugares inaceſſiveis aos viajantes , ſeja pela ſua poſiçaõ , ou pelas circunſtancias , a elevaçaõ d՚um certo pezo a qualquer altura que ſeja , he uma vantagem , que ſe naõ pode negar á maquina aeroſtatica : ela poderá tambem ſervir para extinguir o fogo por toda a parte onde as bombas naõ podem chegar. Emfim eſtamos perſuadidos , que o meſmo genio , que inventou a maquina aeroſtatica , conhece em grande parte a extenſaõ das ſuas vantagens ; mas éle naõ eſtá de ſorte alguma obrigado a comunicalas agora individualmente a todos aqueles , que diſcorrem neſta materia. «
A ſegunda carta , refutando os argumentos contidos em uma de M. Tabouet , que ſe acha no Jornal Enciclopedico do més d՚Outubro , e no Eſpirito dos Jornaes do mês de Novembro paſſado , contém o ſeguinte.
« A utilidade d՚um globo aſcendente ( ſegundo dis o Antigoniſta ) ſó ſe pode admitir , eſtabelecendo a poſſibilidade d՚achar um meio de dirigir o globo á vontade , para o tornar uma via de comunicaçaõ com os paizes remotos , ou fazendo diſcubrimentos importantes ſobre o eſtado da parte mais elevada d՚atmosfera. Eſta aſſerçaõ naõ ſofre dificuldade alguma , por quanto todo mundo convem , que a naõ ſe poder dirigir a globo aeroſtatico d՚alguma ſorte, eſte deſcubrimento ſó poderia ſervir para um ſimples entretimento. Vejamos pois as razoẽs , ſegundo as quaes o autor julga poder aſſverar , que nenhum deſtes objectos terá efeito... Ele ſupoẽ , que a elevaçaõ do globo deve ſer ſempre perpendicular , e que eſte naõ pode afaſtar-ſe dela ſennõ pela intervençaõ d՚uma corrente d՚ar ſumamente agitado... Primeiro erro de M. T. Se ele tiveſſe dito, que o globo neceſſitava d՚um ar muito tranquilo para ſeguir a direcçaõ perpendicular na ſua elevaçaõ , a ſua propoſiçaõ ſeria muito juſta , mas eſta ſe acha muito pouco exacta , quando èle exige uma corrente d՚ar ſumamente agitado para deſviar o o globo da ſua direcçaõ perpendicular : ſuſtentamos ao contrario , como uma couza evidente , que todo movimento d՚ar , ainda o mais leve deve impedilo de deſcrever uma linha perpendicular. «
« Deſte principio reſulta ſegundo a opiniaõ do autor , que por qualquer maquina , que ſe aplique ao globo , para lhe dar uma direcçaõ oriſontal , que obſte á ſua aſcenſaõ , ele neſſe cazo ſó ficará ſendo um corpo no ar , que naõ poderá ſubir , em razaõ de ſer embaraçado pèla maquina dirigente , nem caminhar oriſontalmente em razaõ do ar inflamavel a cada ponto de diſtancia , o conſtranger a tornar á ſua direcçaõ perpendicular... Se M. T. ſe houveſſe lembrado das leis fundamentaes de todo movimento , e dos primeiros axiomas da Mecanica , ele nunca averia poſto ao inventor da maquina aeroſtatica uma tal dificuldade. Quando duas forças inteiramente iguaes obraõ ſobre um corpo com uma direcçaõ diametralmente opoſta , eſte he o unico cazo na Fiſica , em que o corpo fica imovel ; mas quando a direcçaõ , ſegundo a qual obraó as forças , ſejaõ iguaes ou deſiguaes , naõ he diametralmente opoſta , eſtas forças ſe ajudaõ mutuamente , e concorrem para o movimento do corpo , que deve entaõ deſcrever forçozamente a diagonal entre as duas direcçoẽs. Segue-ſe, que o globo aeroſtatico , na ſupoſiçaõ que ſe lhe aplique uma maquina capás de o dirigir oriſontalmente , naõ ſeguirá nunca nem uma linha inteiramente vertical , nem inteiramente oriſontal : mas iſſo naõ deſtroe de maneira alguma a probabilidade de o dirigir nos ares , como M. T. pretendeo provar na ſua carta... Para demonſtrar , que o globo aeroſtatico naõ pode ſervir para fazer deſcubrimentos importantes na parte mais elevada d՚atmosfera , ele ſupõe gratuitamente , que eſta parte ſeja compoſta d՚ar inflamavel , em razao d՚ali ſe juntarem todas as exhalaſoẽs , e todas as materias inflamaveis , que partem da terra , e que conſequentemente ela está diſpoſta a pór ſe em equilibrio com o ar contido no globo , que , chegando a uma certa altura , naõ poderá ſubir mais , e os viajantes aerios naõ poderáõ fazer as ſuas obſervaçoẽs ſobre a natureza do ar mais elevado d՚atmosfera... Conſeſſamos ingenuamente , que naõ compreendemos a força deſte diſcurſo de M. T. Se o globo chega a ſahir do ar comum da noſſa atmosfera , e ſe põe neſſa regiaõ em equilibrio com o ar mais rarefeito , tanto melhor para os obſervadores , pois que ſe acharáõ ali na mais apta ſituaçaõ , para fazerem as ſuas obſervaçoẽs , e quando quizerem deſcer baſtará , que ceſſem d՚alimentar o ar inflamavel contido na ſua maquina. O inconveniente do equilibrio naõ he pois como o autor da carta o julga , e os ſeus diſcurſus ſaó algum tanto ſofiſticos. Se ele naõ tem couza mais ſolida , que opór a M. de Montgolfier , eſte grande Fiſico triunfa ſeguramente , e a utilidade do ſeu deſcubrimento he inconteſtavel. «
Deſejaríamos concluir eſta materia , fazendo onra ao engenho Português , que já no principio deſte ſeculo imaginou uma maquina para viajar pelos ares , mas ainda que he vós conſtante , que tal maquina chegára a conſtruir-se , e que até ſe dís , que ela ſe elevápa , ou vouára do torreaõ da Caza da India , naõ pudémos achar documento algum authentico , nem fidedigno , que ateſte eſte facto. Achaõ-ſe em algumas livrarias , e nas maos de varias peſſoas copias d՚uma petição do teór ſeguinte.
« Dis o Licenciado Bartolomeu Lourenço , que ele tem deſcuberto um inſtrumento para ſe andar pelo ar da meſma ſorte , que pela terra , e pelo mar , e com muita mais brevidade , fazendo-ſe muitas vezes duzentas, e mais leguas de caminho por dia : no qual inſtrumento ſe poderaõ levar os avizos de mais importancia aos exercitos , e terras muito remotas , quaſi no meſmo tempo , em que ſe rezolvem : no que intereſſa V. Mageſtade muito mais que nenhum dos outros Principes pela maior diſtancia dos ſeus Dominios , evitando-ſe deſta ſorte os deſgovernos das Conquiſtas , que provém em grande parte de chegar rarde a noticia deles : além de que , poderá V. Mageſtade mandar vir todo o preciozo delas muito mais brevemente , e mais ſeguro : poderáõ os omens de negocio paſſar letras , e cabedaes : e todas as praças ſitiadas poderáõ ſer ſoccorridas tanto de muniçoẽs , como de viveres a todo o tempo , e tirarem-ſe delas as peſſoas , que quizerem , ſem que o inimigo o poſſa impedir. Defcubrir-ſe-aõ as regioẽs mais viſinhas aos pólos do mundo , ſendo da Naçaõ Portugueza a gloria deſte deſcubrimento , além das infinitas conveniencias , que moſtrará o tempo. E porque deſte invento ſe podem ſeguir muitas deſordens , cometendo-ſé com o ſeu uzo muitos crimes , e facilitando-ſe muitos na confiança de ſe poder paſſar logo a outro Reino : o que ſe evita eſtando reduzido o dito uzo a uma ſó peſſoa , a quem ſe mande a todo o tempo as ordens convenientes a reſpeito do dito tranſporte , e proíbindo-ſe a todas as mais ſobre graves penas : e he bem ſe remunere ao ſuplicante invento de tanta importancia :
P. a V. Mageſtade ſeja ſervido conceder ao ſuplicante o privilegio de que , pondo por obra o dito invento , nenhuma peſſoa de qualquer qualidade que for , poſſa uzar dele em nenhum tempo neſte Reino , ou Conquiſtas , ſem licença do ſuplicante , ou dea ſeus erdeiros , ſob pena de perdimento de todos os ſeus bens e as mais que V. Mageſtade the parecer.
« Conſultou no Deſembargo do Paço a ElRei com todos os votos a petição do Padre Bartolomeu Lourenço , e que o premio , que pediu era mui limitado , e que ſe devia ampliar.
Saío de∫pachada com a re∫oluçaõ ∫eguinte:
« Como parece á Meza : e além das penas accreſcento a de morte aos tranſgreſſores : e para com mais vontade o ſuplicante ſe aplicar ao novo inſtrumento , obrando os efeitos que relata , lhe faço mercê da primeira Dignidade , que vagar em as minhas Colegiadas de Barcelos , ou Santarem , e de Lente de Prima de Matematica da minha Univerſidade de Coimbra com ſeiscentos mil réis de renda , que crio de novo , em vida do ſuplicante ſómente. Lisboa 17 de Abril de 1709. «
Com a Rubrica de S. Mage∫tade.
Com eſtas copias ſe acha um deſenho da meſma maquina , o qual , por uma explicaçaõ a êle anexa , moſtra qual devia ſer a ſua conſtrucção : éla ſegundo all s՚explica , ſeria da figura d՚um barco , ou antes d՚uma grande concha : ſeria forrado de chapas de ferro , e por dentro d՚eſteiras de tabua , para ſerem atraidas , umas por pedras de cevar ; e outras por alambres , colocados na parte ſuperior da maquina : eſta , ſendo elevada pela dita atracção , ou forças magnética e eléctrica , ſeria , mediante uma véla , impelida pelo vento ; e na falta deſte , pelo que ſe lhe ſubminiſtraſſe com foles , alí igualmente colocados para eſte efeito : dirigindo-ſe o rumo com um leme poſto na popa , e com umas pás , ou azas em ambos os lados. Naõ he porém neceſſario ter muito conhecimento de Fiſica ou de Mecanica , para ver , que por eſtes principios he abſolutamente impoſſivel o elevar-ſe una maquina volumoza e pezada : nem paréce meſmo crivel que uma peſſoa , que aliàs deo outras provas d՚intelegencia e d՚engenho , pudeſſe jȧ mais conceber a idéa e fazer voar uma maquina de ſimilante conſtrucçaõ. Como por outra parte ha uma conſtante tradição , apoiada com a autoridade de varias peſſoas ſenſatas e de provecta idade , que aſſeveraõ ter ſempre ouvido , que a maquina , de que falamos , chegára a elevar-ſe , e a voar , ao menos por um pequeno eſpaço , devemos crer , que éla foſſe d՚outro modo conſtruida : e que o deſenho , que agora vemos , naõ repreſenta o artificio , que entao ſe praticou.

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