Sonetos (Antero de Quental, 1880)/Divina Comedia
DIVINA COMEDIA
(Ao Dr. José Falcão)
Erguendo os braços para o ceu distante
E invectivando os deuses invisiveis,
Os homens clamam: — «Deuses impassiveis,
A quem serve o destino triumphante,
Porque é que nos creastes?! Incessante
Corre o tempo e só gera, inextinguiveis,
Dôr, peccado, illusão, luctas horriveis,
Num turbilhão cruel e delirante...
Pois não era melhor na paz clemente
Do nada e do que ainda não existe,
Ter ficado a dormir eternamente?
Porque é que para a dôr nos evocastes?»
Mas os deuses, com voz ainda mais triste,
Dizem: — «Homens! porque é que nos creastes?»