NOTAS AO LIVRO III.


O livro terceiro, escrito com a logica mais rigorosa, contendo em 718 versos uma variedade estupenda de successos, tanta moral e tantos rasgos sensiveis; o livro terceiro, chamado por criticos mais imparciaes a Odysséa de Virgilio, tem largamente soffrido injustas censuras de muitos; porque os homens mediocres, por fragilidade da nossa natureza, folgâmos de descobrir faltas nos genios sublimes; e os proprios amigos do poeta inconsideradamente vam abraçando não poucos desses indiscretos juizos. Averiguarei os principaes erros e as críticas mais salientes.

1-9. — 1-10. — Neste esplendido exórdio, como o caracteriza Heyne, julgam alguns intérpretes que o adjectivo desertas he mal escolhido, porque jà Creusa, isto he a sombra de Creusa, tinha dito a Enéas que elle se estabeleceria em terras ferteis e povoadas: esses intérpretes não viram que, antes de se fixar definitivamente na Italia, o heroe, em sua viagem ao princípio incerta, houve de errar por terras desertas e brenhas, na Thracia, nas Strophades, nos sertões da Libya. De mais, como pondera M. Villenave, Enéas, para excitar a compaixão da raínha, oppõe a superbum Ilium o grande contraste de desertas terras. — O autor, que justifica o poeta neste ponto, se espanta de que o heroe troiano, emquanto construía a frota, não fôsse perturbado pelos vencedores. Considere-se que naquella epoca, em razão da raridade dos caminhos e communicações, qualquer distancia parecia grande, e que Enéas nas selvas do Ida, sob a protecção de Cybèle, não he inverosimil que se occultasse aos Gregos; os quaes, embebidos na victória, entregando-se ao descanso e aos prazeres anhelados depois de uma guerra prolixa, não cuidaram em perseguir os fugitivos. He todavia este reparo um dos mais plausiveis, e seria sem réplica, se o caso tivesse lugar nos nossos tempos. — Quanto á incerta viagem dos Troianos, o mesmo crítico tem por uma inadvertencia do poeta, não só porque o simulacro de Creusa tinha designado a embocadura do Tibre, mas tambem porque Ilioneu em seu discurso a Dido fallara duas vezes da Italia. Se Enéas esqueceu ou não acceitou logo o aviso de Creusa, foi porque tambem Cassandra, como se vê desde o verso 103-187 deste livro, vaticinara o mesmo a Anchises, e era mister não se dar pêso ao conselho da sombra que coincidia com o da prophetiza, cujo irrevogavel destino era não ser nunca acreditada. Pelo que toca ao discurso de Ilioneu, a inadvertencia não he de Virgilio, he sim de Mr. Villenave e dos outros criticos: cumpria-lhes observar que os acontecimentos do livro II e do III sam muito anteriores aos que o poeta canta no primeiro: Dido pede ao heroe a narração inteira das suas aventuras; elle, contando o que se tinha passado ha sete annos, refere tambem a incerteza de pousada com que partiu de Troia; incerteza que tinha cessado com as ordens de Apollo, communicadas em sonhos a Enéas pelas imagens dos deuses, segundo se lê neste livro desde o verso 153-171. Não admira pois que o Troiano, ao tempo que se passava o referido no II e III livros, ignorasse o que se menciona no primeiro. — De têr Virgilio, á maneira da Odysséa, começado o poema do meio dos acontecimentos, para por via da narração fazer vir o passado, tiram alguns isto como regra infallivel da epopéa; regra na verdade seguida por grande parte dos poetas epicos, mas que deve subordinar-se ás concepções e aos differentes planos do genio.

10-12. — 10-13. — «Todos os Troianos, diz Mr. Tissot, emmudecem, e até as mulheres parecem insensiveis: não saúdam pela última vez os lugares em que foram mães; não cahem de joelhos para invocar, em uma commemoração religiosa, os maridos que repousam no seio da terra natal.» Seria plausivel esta crítica, se minutos antes (convem não esquecer que a narrativa he durante o festim) não tivesse acabado Virgilio de pintar, com as mais tristes e vivas côres, as mães a ulular e a gemer, abraçando e beijando os portaes do palacio que iam largar; scena da qual a imaginação naturalmente se transporta ás casas dos particulares e a toda a cidade em lucto. Havendo assim enternecido os ouvintes e representado a mágoa das Troianas, Enéas, dizendo que chorava ao apartar-se, e que se engolphou com o filho e os socios e os deuses, abandonando os campos onde foi Troia, assás explica a sua dôr e a de todos, em cujo nome falla. Fiel ao systema de concisão e de deixar o ouvinte ou o leitor desinvolver por si o complexo de pensamentos que elle tem o segredo de grupar em sua brevidade, fiou-se no seu nunca igualado campos ubi Troja fuit, crendo com razão que estas quatro palavras tinham a magia de suscitar as demais idéas accessorias na presente situação. O certo he que nenhuma outra move a mais saudade; o que era impossivel se, ou expresso ou facilmente subentendido, não contivesse o essencial para despertar este sentimento.

13-16. — 15-17. — «He pena, diz Mr. Tissot, que o poeta só consagrasse tres versos á descripção deste paiz, illustrado por tantas lembranças poeticas. O Hebro, que rolou os restos inanimados do espôso de Eurycide, O Rhodope de nevoas coroado, onde as Amazonas e as Bacchantes celebravam choréas em honra de Baccho, nem sequer sam mencionados.» Esta crítica he uma cópia do livro IV das Georgicas no episodio de Orpheu. Não devendo o poeta introduzil-o na Eneida, omittiu aqui isso que não podia reproduzir com tanto successo. Alêm de que a repetição teria os ares de um lugar commum, se os criticos o reprehendem por haver na sua epopéa mettido um ou outro verso das Georgicas, o que não discorreriam se elle nesta passagem tivesse copiado um trecho inteiro, que tam formosamente quadra ao plano daquelle poema? He forte mania a de quererem alongar a Eneida! Seu autor he tam recommendavel pelo que exprime, como o he muitas vezes pelo que sabe calar: a precisão he o cunho das suas poesias.

18. — 19. — Traduzi Eneia, e não Enos, porque esta cidade era mais antiga do que a edificada por Enéas, na Thracia. Veja-se o diccionario de Calepino e a nota accurada de Mr. Villenave.

21. — 21.22. — «Espantam-se os intérpretes de que Virgilio fizesse immolar um touro a Jupiter, quando os antigos convem em que nunca se lhe sacrificava touro ou carneiro. Crê Macrobio que este êrro de Enéas agastou o senhor dos deuses, e produziu o horrivel prodigio aterrador do filho de Venus. Portanto, em vez de enxergar uma falta em Virgilio, descobre um rasgo de ingenho. He abusar um pouco do privilegio da interpretação.» Isto he do citado Mr. Villenave; e eu respondo que condemnar sem exame he abusar um pouco do privilegio de crítico. Se consultasse os commentarios do cruditissimo João de la Cerda, pag. 271 do tom. I, veria que, segundo Herodoto, liv. VI, Demarato sacrificou um touro ao pae dos deuses; que o mesmo fez publicamente Aristides; que Juliano Cesar, na epist. a Libanio, diz: mactavi Jovi regaliter taurum candentem; e Arnobio, liv. VII: Quid applicitum Jupiter ad tauri habeat sanguinem, ut ei debeat immolari, non debeat Mercurio, Libero? Os consules romanos (costume do seu Enéas derivado, como opina o mesmo sabio commentador) offereciam hecatombes a Jupiter.

22-68. — 23-73. — Este episodio, util ao andamento do poema, foi imitado por Ariosto e por Tasso, e recordado por Camões: teve porêm a mofina de desagradar a Mr. Tissot, que acha aqui Virgilio inferior a Euripides e a Ovidio, por se têr privado da presença, da dôr, do desespêro e da vingança de Hecuba. Euripides e Ovidio podiam e deviam servir-se da personagem de Hecuba; ao passo que Enéas, desembarcando na Thracia um anno, ao menos, depois da morte de Polidoro, já não podia encontrar-se com Hecuba: sem embargo do que, o autor fez o episodio interessantissimo, descrevendo o prodigio com pincel de mestre, e aproveitando o ensejo para nos recommendar o respeito que se deve aos tumulos e nos dar proficuas lições moraes. O episodio, como eu dice, aduna-se ao todo, pois devia o poeta mostrar o porque largara Enéas a Thracia; e o motivo, rico parto da sua imaginação, he inteiramente da indole da epopéa. — Não responderei aos que, destituídos de gôsto, condemnam o poeta pela impossibilidade do facto, querendo medir os vôos do genio pelo compasso de Euclides; direi porêm que, muitos annos depois, a nação romana se regozijava com o formosissimo poema das Metamorphoses, essencialmente composto de cousas não menos maravilhosas, e que esse primor do ingenhosissimo Ovidio he hoje em dia lido com summo prazer por quem nada crê naquellas transformações. Sôbre este ponto consulte-se o allegado padre João de la Cerda.

70. — 75. — O barão de Walckenaer censura este lugar, porque o vento Austro era directamente contrário e com elle os Troianos não poderiam sahir de Enos (a mesma que traduzo Eneia); porêm Mr. Jal, que demonstra que os antigos já conheciam a navegação á bolina, responde que fôra justa a crítica, se os Latinos e os Gregos não soubessem navegar senão a uma larga ou em pôpa, ou com o vento entre as duas escotas; mas que elles sabiam orçar e bordejar. Quanto á objecção de que o Austro era ponteiro, e nem orçando muito era possivel sahir, responde que o que não poderia fazer-se á vela sómente, se faz com o soccorro dos remos, sôbre tudo se o vento he fraco (lenis crepitans); que nada pois impedia Enéas de pôr-se ao largo com o Austro pela proa. E com effeito vemos, na nossa bahia do Rio de Janeiro, o arrais negro menos perito navegar á bolina estreita com vento de menos de seis quartas, ajudando-se dos remos quando o vento he brando, e só trata de bordejar quando refresca. Não he absurdo que o mesmo quasi fizesse Enéas: era do seu interêsse dalli partir quanto antes, e partiu com o vento que soprava; porque, se ficasse á espera de melhor, poderia retardar a viagem.

76. — 81. — A ilha Mycon, hoje Mycoli, he chamada celsa por causa do monte Dimasto. Ha quem censure este epitheto, porque sam pouco elevadas as montanhas de Mycoli. Porêm em uma ilha pequena qualquer elevação parece consideravel, e o monte Dimasto he alto relativamente.

78. — 83. — «Porque, pergunta Senadon, depois da predicção de Creusa, diverte-se Enéas em edificar uma cidade na Thracia? Porque em Delos pede a Apollo que lhe marque o lugar em que se deva estabelecer?» Para responder ao padre, he preciso repetir que o Troiano ou esqueceu ou não abraçou logo o aviso de Creusa por coincidir com o de Cassandra, fadada a nunca ser crida. Buscou pois a Thracia por mais vizinha, sendo do interêsse commum achar quanto antes um assento; alêm de que era esse paiz governado pelo genro de Priamo, Polymnestor, em quem se esperava encontrar acolhimento e soccorro; mas, advertido por Polydoro da perfidia e crueza de Polymnestor, depois de já têr começado a edificar, foi constrangido a largar a terra, onde com effeito se tinha querido fixar. Respondida á primeira, passemos á segunda. Ainda na incerteza (pois não tinha occorrido o aviso dos penates, que o decidiu) em sua viagem errante chega a Delos; e he natural que o religioso capitão ahi consultasse o oraculo por via do rei e sacerdote Anio, amigo velho de Anchises. Un oracle toujours se plaît à se cacher, diz Racine: aquelle foi ambiguo; e, tendo-se de buscar a Italia ou Creta, Anchises se declarou pela última donde era Teucro, mais antigo do que o genro Dardano, vindo da Italia. Accrescia que, sendo Creta mais proxima da Thracia, em caso de dúvida pedia a prudencia que fôssem primeiro a Creta, não havendo tanto que desandar, quanto haveria se, demandando primeiro a Italia, se vissem na precisão de voltar ao paiz de Teucro. Respondo com isto á segunda pergunta de Senadon, e ainda a uma terceira, pois tambem quer saber porque Enéas se demorou a edificar em Creta.

136-141. — 145-152. — Pretendendo os Troianos ficar em Creta pela interpretação de Anchises, imagina o poeta uma peste que dalli os expulse. Delille, com prudente reserva, insinua que a descripção devera ser mais longa; e Mr. Tissot, que toma e explana o pensamento do poeta francez, decide e corta a questão: «Virgilio, tam fecundo, rico, variado nas scenas diversas da ruína d'Ilion, he apenas um frio narrador no livro terceiro. Crer-se-ia, por exemplo, que um poeta se contente de esboçar em seis versos o quadro de um acontecimento qual o da peste que expulsa Enéas da patria de Idomeneu?» Mais accrescenta, e com Delille quer que a peste ataque a Iulo, que o pae trema pelos dias do filho; quer emfim uma daquellas descripções que, podendo ser bellas em certas conjunturas, aqui só prestariam para retardar a narração. Enéas, que rememora as suas aventuras á mesa durante o sarao, depois de têr commovido o auditorio com a ruína de Troia, trata de o intretêr com o mais essencial; a grandes traços descreve a sua viagem, e basta-lhe ás vezes um epitheto para caracterizar um facto ou uma terra: assim a fome de ouro he sacra, porque nem ao sagrado perdoa; a Thracia he mavorcia, por ser o berço do deus da guerra; Donysa he a verde, Paros he a nivea, pela côr dos seus marmores. Seu fim não era pintar uma peste, era motivar o abandono dos seus estabelecimentos[1] em Creta. Em uma longa pintura corria o poeta o risco de se repetir, pois que no terceiro das Georgicas trata já de uma peste, sôbre ser fresca a lembrança da da Attica descripta pela mão habil de Lucrecio: a longura pois me parece que não fôra a proposito, e podera excitar a idéa de um lugar commum. Com ser breve, não deixa todavia de ser energica a descripção desta peste: em um pequeno quadro, vê-se a corrupção infectando os ares e as plantas e os homens, os campos estereis, a seara enfezada negando o pão, as hervas sêccas, os corpos a definhar. Observe-se que neste livro Enéas se apressa, ad eventum festinat; só se demora no mais interessante, ou quando os acontecimentos tem relação com o facto que mais o magoava, a quéda de Troia. Isso convinha a uma narrativa de sua natureza extensa, e o bom gôsto impunha-lhe a obrigação de resumir-se. — Nenhum dos outros livros encerra tanta variedade como este. Aos criticos tem aprazido alcunhal-o de frio, esquecidos de que ha nelle o encontro de Enéas com Andromacha, o túmulo de Polydoro, o painel do Etna e dos Cyclópes, superior ao de Homero, o episodio de Achemenides, a fábula das Harpyas, a pintura de Scylla e de Charybdis. Este livro corre fado contrário ao todo da Eneida: os amadores acham-na[2] excellente, mas, se fôssem verdadeiros os senões que lhe notam, pouquissimo lhe restava de bom; o livro he tachado de sêcco, sem grandeza nem imaginação, mas, contados os versos dos lugares que louvam, conclúe-se que em geral he obra de primor, sôbretudo ninguem lhe negando harmonia e riqueza de estilo. Reprova-se a miuda relação geographica ahi contida, sem se lembrarem que, na era de Virgilio estando a navegação bem atrasada, essa relação excitava um interêsse vivissimo. Em tempo comparativamente moderno, ha tres seculos, fez Camões a descripção circumstanciada da Europa no seu immortal poema, o que então foi optimo e acceito; hoje tacham-no tambem da mesma pecha que a Virgilio: nós os Brazileiros e Portuguezes perdoamos aos estrangeiros esse juizo de máo gôsto, porque elles pela maior parte não conhecem assás o portuguez para saborearem a erudição recondita, os toques sublimes e maviosos, a harmonia contínua dessa bella passagem, e fallam de Camões sem o terem meditado, e alguns, nem lido.

147-171. — 157-181. — «On est tenté de trouver quelque ridicule dans les oracles, qui ne s'expliquent qu'à moitié, et qui égarent, par une funeste ambiguité, de malheureux bannis; ainsi que dans l'apparition de ces dieux pénates, qui redressent les torts de l'oracle de Delphes.» Quem ouve a Delille esta, que tem sido a cantilena de outros criticos, pensará que Virgilio traz por todo o Mediterraneo a Enéas illudido pelos oraculos: a verdade he que, sahindo elle de Troia, vai a Thracia, donde o aparta o prodigio de Polydoro; chega a Delos, onde consulta a Anio, e uma só vez a má interpretação do oraculo o leva a Creta em vez de ser á Italia. Se he isto condemnavel, quanto não deve ser arguído Racine que, durante cinco actos, faz do equivoco do nome Iphigenia o nó da sua bella tragedia? Os oraculos não se explicavam jamais com bastante clareza, e, se o poeta lhe tirasse toda a ambiguidade, faltaria á tradição e á historia, e então he que seria reprehensivel. Chegado Enéas a Creta, edifica, planta e se estabelece; mas uma horrivel peste o dispõe a tornar a Delos; aonde não foi, porque os tutelares penates, em nome de Apollo, dizem-lhe que busque definitivamente a Italia. Ora, depois de ter guiado os Troianos á Thracia e a Delos, depois de os levar a Creta, esta vez unica illudidos pelo oraculo, nunca mais duvída Enéas do rumo que tinha de seguir; se transviou-se da Italia, foi pelos obstaculos de Juno, borrascas e cerrações. A intervenção dos penates não he ridicula, he necessaria: para contrapesar o effeito do pronóstico de Cassandra era mister um successo extraordinario, era mister que interferisse um deus, como interferiu Apollo. — Sente-se que Delille ás vezes condescende com os criticos, para izentar-se da balda, que tem os traductores, de julgar impeccavel o autor original.

221. — 231. — Fato por grei de cabras he frequente em Bernardim Ribeiro, Bernardes, Rodrigues Lobo e outros. Mr. Millié, cant.III, est. 49, para traduzir o verso dos Lusiadas: Recolhe o fato e foge para a aldêa, dice: Rassemblent leurs vêtements épars et fuient vers le hameau voisin; e devia dizer: Rassemblent leur troupeau de chèvres, etc. No uso vulgar fato he tambem vêtements; mas, por occasião de um ataque, a comparação dos Mouros com o pastor que ajunta a sua roupa antes de fugir, seria pouco digna da epopéa, por trazer uma circumstancia bem insignificante. Sinto principiar censurando Mr. Millié, cuja traducção muito aprecio; a qual, pondo de parte a harmonia e belleza dos versos de Camóes, que a prosa e uma lingua menos poetica não podem igualar, he uma das que em francez reproduzem melhor o original, e sam bem trabalhadas as notas que se lhe ajuntaram, e bem escrita a vida de Camões por Mr. Charles Magnin, que vem á frente da obra. Só quizera que este judicioso biographo não tivesse adoptado a injusta opinião de Manuel de Faria, o qual, por fanatismo para com Luiz de Camões, attribuiu-lhe várias obras que diz usurpadas por Diogo Bernardes; pois um exame imparcial do estilo e maneira de tam ameno poeta, ajudado pelo estudo das mesmas obras, convence de que ellas sam realmente de Bernardes e não de Camões.

225-258. — 236-269. — Tratemos do episodio das Harpyas. Enéas arriba ás Strophades, não por se enganar com o oraculo, mas por uma tempestade e cerração, tal que o mesmo Palinuro, sem tino e confundindo a noite com o dia, navegava á toa, até que a frota abrigou-se ás taes ilhas. Celeno toca na viagem ao Lacio como fixa e ordenada pelos deuses; mas, em vingança dos bois que lhe mataram, pronostíca aos Troianos a fome que os havia de obrigar a roer as proprias mesas. Mr. Tissot reprova que elles tremam diante de um prodigio, e affirma que os oraculos de Celeno contrabalançam as palavras de Jupiter; tendo por contrário aos costumes heroicos aquelle tremor, e por contradicção o que prophetiza a Harpya. Quanto aos costumes heroicos, sohem combinar-se com a superstição e com o horror do que se nos figura sobrenatural; e, para uma empresa merecer o nome de heroica, não he preciso que todos os que entram nella sejam desabusados, e não tremam á vista de um prodigio: os soldados e homens de chusma que, ao commando de chefes corajosos, tem concorrido para os feitos estrondosos, batiam-se valentes, e tinham pavor de visões e do que lhes parecia portentoso: Virgilio prometteu cantar uma acção grande, mas não prometteu apresentar em cada Troiano um espirito forte. Wieland, no seu imaginoso poema Oberon, representa em Scherasmin um soldado velho prompto a bater-se com dous ou tres homens, tendo comtudo um medo indizivel de trasgos e visões: isto he o que se vê commumente, e não exercitos de philosophos. A' cêrca da decantada contradicção, direi que Celeno em nada contrabalança nem discrepa das palavras de Jupiter: Jupiter affirma a Venus que Enéas tem de estabelecer-se no Lacio, e a raínha das Harpyas o confirma deste modo: «A Italia demandais, á Italia os fados Com viração galerna ir vos concede; Mas, antesque mureis o assento vosso, Desta matança em pena ha de obrigar-vos Crua fome a roer as proprias mesas.» Ora, só uma cega preoccupação pode achar que estas palavras contrabalançam e não confirmam as de Jupiter. O ridiculo que descobrem alguns nesta fábula, vem de que certos criticos, presumidos de philosophos, julgam os antigos pelas idéas modernas; sem se lembrarem que esta era uma tradição historica, e que o poeta, procurando na Eneida ajuntar as tradições relativas á fundação de Roma, não a devera omittir: do mesmo modo que um historiador que tratar da sagração dos reis de França em Reims, tem de fallar da santa ambula milagrosa, como bem adverte Voltaire, que não foi dos mais credeiros.

268-288. — 278-300. — Na derrota para Italia, passaram os Troianos por Zacynthos, Dulichio, Samos, Neritos e Ithaca, e descobriram os cumes de Leucate, onde foram refrescar, por não o terem podido fazer nas Strophades, nem querido aportar nas ilhas pertencentes a Ulysses; alêm de que, tendo Anchises feito um voto, em Leucate o podia elle pagar a Apollo, e celebrar ao mesmo tempo o lustro a Jupiter. O lustramur Jovi tómo no sentido em que o tomou o meu fallecido amigo Barreto Fêo, a cuja obra remetto o leitor; bem como para a explicação do magnum annum, que elle julga ser o quinto ou o último do lustro que decorrera, desde que Enéas deixou Troia até abordar a Leucate. Repare-se na arte com que Virgilio traz alli Enéas para celebrar jogos no promontorio de Accio, alludindo aos quinquenaes instituídos por Augusto, depois da batalha em que desbaratou a Marco Antonio. — Neritos ardua saxis verto Neritos alpestre, como Annibal Caro Nerito alpestre, porque em italiano e em portuguez este adjectivo diz fragoso e elevado como os Alpes. O fragosa de João Franco não o pude adoptar, por ser consoante de nemorosa do verso antecedente, bem que neste lugar seja tam expressivo como alpestre.

291. — 303. — Daqui em diante refere-se como os Troianos, depois de largarem o pôrto de Leucate e de costearem o Epiro, sobem emfim a Buthroto. Já então Enéas não ia navegando ao acaso, mas para Italia; e, se desembarca na Chaonia, he porque, tendo ouvido que lá estava seu primo e cunhado Heleno, nada ha mais natural do que desejar vêr-se com Andromacha, viuva de Heitor; tanto mais, que essa demora em casa dos parentes pouco retardava a sua viagem. Aqui he que traz Virgilio o seu famoso encontro de Enéas com Andromacha, uma das creações mais sublimes e patheticas da poesia antiga e moderna, e onde não ha palavra que deixe de contêr um pensamento profundo. Ha porêm alguns criticos, e bem respeitaveis, que preferem o caracter que deu Racine a Andromacha na sua tragedia deste nome: eu creio que ambos os poetas fizeram o melhor, cada um em relação ao seu plano. Racine pinta em Andromacha, alterada a historia, a viuva de Heitor sempre fiel a seu fallecido espôso, e resolvida a casar com Pyrrho para defender a vida do seu Astianaz; de sorte que sacrifica o escrupulo de espôsa unicamente ao amor maternal: he isto sem dúvida bello, moral e sublime; e aqui Racine, como bem reflecte Chateaubriand, escreve já inspirado pelas idéas do christianismo. Virgilio, seguindo a historia quasi á risca, mostra em Andromacha um triste exemplo das mudanças da fortuna: filha e nora de reis, a mulher do rival de Achilles he constrangida a entrar no leito de[3] um senhor e a parir na escravidão. A Andromacha de Racine he mais veneravel por sua virtude; a de Virgilio excita a mais compaixão. Racine quiz fazer da principal personagem uma heroina perfeita, que atrahisse a admiração; e Virgilio quiz mostrar novas e desgraçadas consequencias da ruína de Troia nos infortunios da lamentavel princeza. A têr Virgilio antecipado o plano do poeta francez, desappareceriam as maiores bellezas: o abaixar dos olhos da infeliz e a exclamação a respeito de Polycena, quando Enéas lhe pergunta se ainda he de Pyrrho; o seu heri tetigit captiva cubile; o juvenem superbum servitio enixae tulimus; o dejectam conjuge tanto. Que, a ser pintada Andromacha uma heroina perfeita, não seria tam pathetica, he da natureza humana, da theoria dos mestres, da práctica de Euripides e Sophocles e dos tragicos de mais nomeada; e o mesmo Racine se encosta a esta opinião, segundo o escreveu no prefacio da Phedra. Accresce a vantagem que o poeta soube colher do arrependimento de Andromacha, pois, recobrada do seu abatimento, a que forçava a desgraça, procura pôr em esquecimento essa fraqueza desculpavel, prestando culto ás cinzas do seu lamentado Heitor.

340. — 353. — Dos versos inacabados he este o que não offerece um sentido completo. Para que o tivesse, li-o como alguns o emendam: Quem tibi jam Troja obssessa est enixa Creusa; omittindo na traducção o nome Creusa, que facilmente se subentende. N'um tal caso não ha meio de acertar.

348. — 362. — A preposição entre com o gerundio sem razão está em desuso: he insupprivel ás vezes, salvo por um rodeio, que sempre enerva o pensamento.

358-462. — 372-479. — Enéas quer partir, e consulta o propheta Heleno sôbre os meios de evitar os males prenunciados por Celeno. A resposta he longa, mas necessaria, como o confessa Delille, que todavia a chama pouco interessante. Pouco interessante o que he necessario[4]! Contêm a resposta, segundo o mesmo Delille, toutes les leçons qui devaient diriger Enée dans sa navigation et dans sa conduite. Contêm, alêm disso, a descripção de ritos que Roma conservava, conducente ao fim do poema; a de Scylla e de Charybdis, riquissima de poesia; a razão por que Enéas rodeou a Sicilia e arribou a Carthago, parte essencial ao plano da Eneida: contêm emfim o annúncio de que o heroe deve consultar a Sibylla e a maneira de se portar na gruta, o que tudo he muito e muito necessario e interessante; nem havia melhor occasião de serem estas cousas tratadas. Quem lêr a Virgilio, deve em certo modo fazer-se Romano para o saborear. — Compuz saxi-sonante, por onomatopeia, e para evitar a fria longura que soa nas pedras.

491. — 509. — «Cada lingua tem suas bellezas: o pubesceret não pode passar a qualquer outra.» Mr. Villenave, que assim discorre, não contou com a portugueza, onde o verbo empubescer casa bellissimamente.

493. — 511. — Sôbre esta despedida, e em geral sôbre a hospedagem do heroe na Chaonia, as observações de Delille e Mr. Villenave me dispensam de fallar.

506-520. — 524-540. — «Um douto commentador quiz pôr o Provehimur pelago mais a baixo, depois do Tentamus viam et velorum pandimus alas; pensa com razão que, já se tendo lançado a frota de Enéas a vogar, o poeta não a podia mostrar ainda ancorada.» Assim discorre Mr. Villenave, que, com o seu douto commentador, não viu que a frota largou duas vezes: depois que desaferra das praias da Chaonia e que voga (provehimur pelago), passa os montes Ceraunios, ao pé dos quaes toma de novo terra (in litore sicco corpora curamus); foi dahi que Palinuro tornou a mandar soltar as vélas, e portanto[5] foi bem collocado pelo poeta o Tentamus viam, e o Provehimur pelago. Nove decimos, ao menos, das censuras feitas a Virgilio sam como esta.

522-553. — 542-576. — O padre La Rue, Delille e Mr. Villenave esclarecem estas differentes passagens. Os Troianos avistaram a Italia, tocaram n'um pôrto, que se julga ser o de Salento; em vez de tomarem o estreito do Peloro ou Capo di Faro, tomaram á esquerda, segundo os conselhos de Heleno, com medo de Scylla e de Charybdis; rodearam o Pachino ou Capo Passaro, e descobriram o Etna.

369-611. — 592-634. — Aqui ha uma lição de humanidade: Achemenides, inimigo de Troia e companheiro de Ulysses, he acolhido por Enéas, que o livra dos Cyclópes. Não me estenderei em gabos da pintura do Etna e da cóva de Polyphemo, superior á da Odysséa na opinião de todos; esta nota he para combater o Mr. Villenave ácêrca dos dous versos: «Ingens, quod torva solum sub fronte latebat, Argolici clypei aut Phebeae lampadis instar. «A comparação, diz elle, pécca menos pela exageração que pela inexactidão: como poderia o olho do gigante estar occulto sob a fronte, se assemelhava ao disco brilhante do Sol? Delille traduziu latebat por brilhava: razoavel infidelidade..... A comparação excede toda a medida ao estender-se ao disco do Sol. Que proporção dar-se pode entre o broquel de um soldado e o primeiro astro do universo?» Esta argumentação he especiosa. Trata Achemenides[6] de Polyphemo, na occasião em que o gigante com a vinhaça resonava e dormia, e quem dorme fecha os olhos; eis porque se occultava o olho sob a fronte coberto com a palpebra: se o compara ao Sol, he porque pouco antes o tinha visto brilhar, quando Polyphemo estava acordado; e a grandura conhecia-se mesmo por cima, e pelo tamanho da abertura em que o olho se achava mettido. Quanto á falta de proporção entre o broquel de um soldado e o Sol, seria boa a critica se a comparação fôsse com o verdadeiro disco do astro; mas he só com o disco apparente, que não he maior que um broquel, sôbre tudo no zenith. No livro II dos Martyres, Chateaubriand adoptou esta comparação, como aqui dou a lêr traduzida no homerico estilo dos versos de Francisco Manuel: «Emquanto estas razões do peito sólta Lastenes, para o lucido oriente Olympio, desce o Sol de Pholoe aos cumes; Como immovel alli suspenso pára, Qual broquel de ouro fôsse, e cresce em vulto.» Ora, o bom gôsto do maior epico francez, e um dos maiores do mundo, acolheu com amor o que rejeita Mr. Villenave; o que não he pequeno argumento a favor de Virgilio. — Agora passemos a outro grande poeta, cuja autoridade creio não recusará o crítico. La Fontaine, fab. 25 do liv. IV, acha que a Lua he do tamanho de um queijo; e, na 17 do terceiro, que o Sol tem uns tres pés de redondo: crítico nenhum tem censurado a La Fontaine; nem valha a desculpa de que isso he posto na bôca de irracionaes, poisque o fabulista presta aos outros animaes os costumes, as paixões e o discurso dos homens; no que sem dúvida consiste o encanto de taes composições. Delille pois verteu infiel e pessimamente.

690-691. — 717-718. — Chateaubriand, no livro IV dos Martyres, introduz um Grego enthusiasta que, á imitação de Achemenides, ia ensinando ao joven Eudoro os sitios da Grecia que navegando avistavam. O poeta moderno alli excede a Virgilio; porque, no enumerar e apontar as differentes paragens, a cada uma accrescenta a commemoração de um facto notavel, e a escolha não pode ser melhor. O nosso grande contemporaneo no imitar o antigo se tornou original. Porque a poesia desta epopéa não foi escrita em verso? He sim harmoniosa e elegante a sua prosa; mas ha delicadezas para as quaes a prosa não basta. Francisco Manuel, quanto á graça da linguagem, na sua traducção me parece preferivel ao mesmo autor; e a obra, apezar de não poucas incorrecções, considero-a como o modelo do seu genero: não conheço um traductor poeta que tanto me agrade, em lingua nenhuma.

714. — 745. — Penso que o hemistichio De navegações longas, qual o de Camões, no princípio da sua epopéa, As navegações grandes, representa a longura da consonancia longarum viarum, porque, alem[7] do vocabulo navegações ter muitas syllabas, cahindo a sua última na quinta do verso e devendo a voz demorar-se na sexta, he-se obrigado a ligar as duas palavras, como se fôssem uma ainda mais comprida. Em Camões, Francisco Manuel, Garção e em outros desta ordem, he que se podem beber os segredos da versificação portugueza: entre os contemporaneos, no meu sentir, he o Snr. Almeida Garret um dos que nesta parte mais se distinguem.

715. — 746. — Fecha Enéas a narração com a arribada a Carthago, aonde o arrojou a tempestade do liv. I. Lê-se alli que, circumdando elle a Sicilia pelo cabo de Passaro, e já nas aguas do mar Toscano, foi contra seu querer dar á costa d’Africa, tendo perdido uma nau e chegando com as outras destroçadas. Sanadon pergunta porque o heroe se estabelece em Carthago e se espósa com Dido; e eu respondo que o heroe não se estabeleceu em Carthago, nem com Dido se esposou. Arribado sem víveres, necessitando de refazer e fabricar as embarcações, elle acceitou a hospitalidade da raínha, a quem nunca propoz um casamento; ella, incitada por Venus e Cupido, he que ardeu em uma paixão violenta, e procurou demoral-o enganando o seu amor com o véo do matrimonio; e Enéas, que se deixou vencer, ao depois tornando em si, admoestado por Mercurio, rompeu com mâgoa esses laços perigosos, e seguiu para Italia: Virgilio põe-no em lucta com uma das mais fortes paixões, para fazer o homem triumphar da sua fraqueza e apparecer o heroismo. — Permitta-se-me agora um resumo da viagem, a fim de se tornar mais evidente que não ha contradicções de oraculos nem incoherencia alguma. Enéas larga as vélas á ventura, porque, não crendo na sombra de Creusa cujo aviso coincidia com o de Cassandra, não quiz ir logo para Italia: tentou estabelecer-se na Thracia, por suppôr encontrar abrigo em um genro de Priamo, e por ser do seu interêsse dar quanto antes assento aos companheiros; e sahiu da Thracia, quando soube da traição de Polymnestor: foi a Delos consultar[8] Apollo: a ambiguidade essencial do oraculo o faz ir a Creta, em Creta edifica e planta; mas, urgido pela peste, quando meditava tornar a Delos a reconsultar Apollo, os penates em nome delle aclaram o oraculo; e desde então a frota caminha directamente ao Lacio. Uma cerração no mar Jonio, com a qual nem Palinuro se soube haver, leva Enéas ás Strophades; e já mostrei que ahi a Harpya Celeno confirmou os vaticinios: das Strophades, indo avistando várias ilhas onde não poude refrescar, foi refrescar a Leucate; e dalli partiu, não obstante as nortadas, havendo celebrado jogos e sacrificios: passa Corcyra, e aporta na Chaonia para se encontrar com Andromacha e seu parente Heleno, de quem recebe esclarecimentos importantes: amoestado por elle a não ir pelo estreito por causa de Scylla e de Charybdis, mas a rodear a Sicilia, sahe de Buthroto, perpassa os Ceraunios; salta perto para descansar algumas horas, e para com dia poder avistar as praias de Italia, o que succedeu ao romper da aurora: approxima-se, reconhece a bôca do estreito para o evitar: desembarca no promontorio Salentino para adorar a Minerva, como era natural que o pio Enéas o quizesse fazer no primeiro templo que avistava no paiz desejado: larga de novo o panno, vai vendo differentes lugares, até que um temporal o atira ás praias dos Cyplópes, onde recolhe a bordo o companheiro de Ulysses: com o Boreas navega, dá vista de várias paragens famosas, e só desembarca em Drépano; e dalli, tendo perdido seu pae, uma tempestade o lança ás costas de Carthago. Esta breve analyse demonstra que o livro III he escrito com rigoroso cuidado.

Permitta-se-me recorrer finalmente a um argumento arithmetico, ajuntando e sommando as passagens approvadas pelos criticos e as que não tem sido censuradas. O exórdio, que todos gabam, compõe-se de 12 versos: o túmulo de Polydoro e o que se passa na Thracia, compõe-se de 60: a descripção de Naxos, Donysa, Olearo, Paros e das Cycladas em geral, até chegar-se a Creta, compõe-se de 8: a estada em Creta, com a pintura da peste, que Mr. Tissot queria estirada, compõe-se de 11: a bella descripção da escuridade e alguns phenomenos nauticos, até chegar-se ás Strophades, compõe-se de 18: a fábula das Harpyas, de 54: a continuação da viagem, na qual avistam Zacynthos, Dulichio, Samos, Neritos, Ithaca e reinos Laercios, compõe-se de 6: a visitação do templo de Apollo em Leucate, a celebração do lustro e dos votos, e a sahida daquelle pôrto, comprehendem 17: Buthroto, encontro de Andromacha, encontro de Heleno, a maviosa pintura da pequena Troia, o festim, a consulta de Enéas quando resolvem partir, compõem-se de 78: a descripção de Scylla e de Carybdis, compõe-se de 23: a despedida saudosa, os presentes de Heleno, os de Andromacha a Iulo, a sua pathetica falla, resposta de Enéas (na qual o poeta allude habilmente ao facto de têr passado Buthroto a ser colonia romana e á fundação de Nicopolis por Augusto), tudo isto compõe-se de 43: a viagem até enxergarem a Italia, a exploração dos ventos e dos astros por Palinuro, oração de Anchises, desembarque, visitação do templo de Minerva, adoração a Juno segundo os preceitos de Heleno, comprehendem 42, incluída a descripção do pôrto Salentino: a sahida, o que se passa ao se approximarem de Charybdis[9], a vista do templo de Juno Lacinia, de Gaulon, do Scyllaceu e a do Etna ao longe, contêm-se em 20: a chegada á terra dos Cyclópes, pintura do Etna, encontro de Achemenides, caverna de Polyphemo, emfim todo esse magnifico e variado episodio contêm-se em 114: a explicação de Achemenides sôbre as differentes paragens, o que vai occorrendo até ao pôrto de Drépano, mais a conclusão da narrativa, contêm-se em 34: o remate do poeta e a transição para o livro seguinte contêm-se em tres versos. Ora, sommando todos estes em 547, e sendo o livro de 718, segue-se que os reprovados sam 171. Se aos 547 ajuntarmos os que eu provei que foram injustamente censurados, a consequencia he que o livro III da Eneida he bellissimo como todos os outros; e então o leitor apreciará devidamente a crítica de Mr. Villenave, assim concebida: «Mais le tombeau de Polydore (vem Polymnestor por êrro de imprensa), la fable des Harpyes, le touchant épisode de la veuve d'Hector, le tableau de l'Etna et celui des Cyclopes, où le poëte l'emporte sur Homère, surtout la richesse du style et l'harmonie des vers, empêchent de reconnaître ce qui manque trop souvent de grandeur aux peintures et d'éclat à l'imagination (!!!).» Peço ao leitor que repare que as passagens approvadas, e louvadas nesta futil censura, já comprehendem a maior parte do livro.




  1. No original, estabelecimentes.
  2. Está parecendo que deveria ser no.
  3. No original, está do.
  4. "Necassario", no original, corrigido na segunda edição.
  5. No original, está portauto.
  6. No original, está Achemnides.
  7. Pode estar faltando o acento: alêm.
  8. O original apresenta este erro tipográfico: «con-consultar».
  9. No original, «Carybdis».