Quando santos chegou a casa, Natividade estava inquieta, sem notícia exata e definitiva dos acontecimentos. Não sabia da república. Não sabia do marido nem dos filhos. Aquele saíra antes dos primeiros rumores, estes iam fazer a mesma coisa, logo que os boatos chegaram. O primeiro gesto da mãe foi para impedir que os filhos saíssem, mas não pôde, era tarde. Não os podendo reter, pegou-se com a Virgem Maria, a fim de que os poupasse, e esperou. A irmã fez o mesmo. Era perto de meio-dia; foi então que os minutos entraram a parecer séculos.

A ânsia da mãe era naturalmente maior que a da tia. Natividade via andar o tempo com ferros aos pés. Não havia alvoroço que atasse um par de asas àquelas horas longas do relógio da casa, nem aos do cinto, o dela e o da irmã; todos eles coxeavam de ambos os ponteiros. Enfim, ouviu na areia do jardim as rodas de um carro; era Santos.

Natividade acudiu ao patamar da escada. Santos subiu, e as mãos de ambos estenderam-se e agarraramse. Longa vida conjunta acaba por fazer da ternura uma coisa grave e espiritual. Entretanto, parece que o gesto do marido não foi original, mas secundário, filho ou imitativo do da mulher. Pode ser que a corda da sensibilidade fosse menos vibrante na lira dele que na dela, posto que muitos anos atrás, aquele outro gesto no coupé, quando voltavam da missa de São Domingos, lembras-te?... Sobre isto escrevi agora algumas linhas, que não ficariam mal, se as acabasse, mas recuo a tempo e risco-as. Não vale a pena ir à cata das palavras riscadas. Menos vale supri-las.

Que nos bastam as quatro mãos apertadas. Natividade perguntou pelos filhos. Santos opinou que não tivesse medo. Não havia nada; tudo parecia estar como no dia anterior, as ruas sossegadas, as caras mudas. Não correria sangue, o comércio ia continuar. Toda a animação de Aires tinha agora brotado nele, com a mesma verdura e o mesmo estilo.

Os filhos chegaram tarde, cada um por sua vez, e Pedro mais cedo que Paulo. A melancolia de um ia com a alma da casa, a alegria de outro destoava desta, mas tais eram uma e outra que, apesar da expansão da segunda, não houve repressão nem briga. Ao jantar, falaram pouco. Paulo referia os sucessos amorosamente. Conversara com alguns correligionários e soube do que se passara à noite e de manhã, a marcha e a reunião dos batalhões no campo, as palavras de Ouro Preto ao Marechal Floriano, a resposta deste, a aclamação da República. A família ouvia e perguntava, não discutia, e esta moderação contrastava com a glória de Paulo. O silêncio de Pedro principalmente era como um desafio. Não sabia Paulo que a própria mãe é que pedira ao irmão com muitos beijos, motivo que em tal momento, ia com o aperto do coração do rapaz.

O coração de Paulo, ao contrário, era livre, deixava circular o sangue, como a felicidade. Os sentimentos republicanos, em que os princípios se incrustavam, viviam ali tão fortes e quentes, que mal deixavam ver o abatimento de Pedro e o acanhamento da outra gente sua. Ao fim do jantar, bebeu à República, mas calado, sem ostentação, apenas olhando para o teto, e levantando o copo um tantinho mais que de costume. Ninguém replicou por outro gesto ou palavra.

Certamente, o moço Pedro quis dizer alguma frase de piedade relativamente ao regime imperial e às pessoas de Bragança, mas a mãe quase que não tirava os olhos dele, como impondo ou pedindo silêncio. Demais, ele não cria nada mudado; a despeito de decretos e proclamações, Pedro imaginava que tudo podia ficar como dantes, alterado apenas o pessoal do governo. Custa pouco, dizia ele baixinho à mãe, ao deixarem a mesa; é só o imperador falar ao Deodoro.

Paulo saiu, logo depois do jantar, prometendo vir cedo. A mãe, receosa de o ver metido em barulhos, não queria que ele saísse; mas outro receio fê-la consentir, e este era que os dois irmãos brigassem finalmente. Assim um medo vence a outro, e a gente acaba por dar o que negou. Não é menos certo que ela raciocinou alguns minutos antes de resolver, do mesmo modo que eu escrevi uma página antes da que vou escrever agora; mas ambos nós, Natividade e eu, acabamos por deixar que os atos se praticassem, sem oposição dela, nem comentário meu.