— Vou arranjar-lhe uma casa boa, disse ele, à despedida.

Desde que estava em Petrópolis, Aires não ia jantar a Andaraí, com a irmã, às quintas-feiras, segundo ajustara e consta do capítulo XXXII. Agora foi lá, e cinco dias depois Flora transferia-se para a casa dela, a título de ares novos. D. Rita não consentiu que D. Cláudia lhe levasse a filha, ela mesma a foi buscar a São Clemente, e Aires acompanhou as três.

A mocidade de Flora na casa de D. Rita foi como uma rosa nascida ao pé do paredão velho. O paredão remoçou. A simples flor, ainda que pálida, alegrou o barro gretado e as pedras despidas. D. Rita vivia encantada; Flora pagava o agasalho da dona da casa com tanta ingenuidade e graça, que esta acabou por lhe dizer que a roubaria à mãe e ao pai, e foi ainda ocasião de riso para as duas.

“Você me deu um lindo presente com esta moça, escrevia D. Rita ao irmão; foi uma alma nova, e veio em boa ocasião, porque a minha anda já caduca. É muito docilzinha, conversa, toca e desenha que faz gosto, tem aqui tirado riscos de várias coisas, e eu saio com ela para lhe mostrar vistas apreciáveis. Às vezes, apresenta uma cara triste, olha vagamente, e suspira; mas eu pergunto-lhe se são saudades de São Clemente, ela sorri e faz um gesto de indiferença Não lhe falo dos nervos, para a afligir, mas creio que vai melhor...”

Flora também escreveu ao Conselheiro Aires, e as duas cartas chegaram à mesma hora a Petrópolis. A de Flora era um agradecimento grande e cordial, mal entremeado de alguma palavra saudosa; confirmava assim a carta da outra, posto não a houvesse lido. Aires comparou-as, lendo duas vezes a da moça para ver se ela escondia mais do que transparecia do papel. Em suma, confiava no remédio.

— Não os vendo, esquece-os, pensou ele; e se na vizinhança houver alguém que pensa em gostar dela, é possível que acabe casando.

Respondeu a ambas, na mesma noite, dizendo-lhes que na quinta-feira iria almoçar com elas. A D. Cláudia escreveu mandando-lhe a carta da irmã, e foi passar a noite em casa de Natividade, a quem deu a ler as cinco cartas. Natividade aprovou tudo. Notava só que os filhos não lhe escreviam, e deviam estar desesperados.

— A Santa Casa cura, e a Biblioteca Nacional também, retorquiu Aires.

Na quinta-feira, Aires desceu e foi almoçar a Andaraí. Achou-as como as tinha lido nas cartas. Interrogou-as separadamente para ouvir por boca as confissões do papel; eram as mesmas. D. Rita parecia ainda mais encantada. Talvez a causa recente fosse a confidência que fez a moça, na véspera. Como falassem de cabelos, D. Rita referiu o que também consta do cap. XXXII, isto é, que cortara os seus para os meter no caixão do marido, quando o levaram a enterrar. Flora não a deixou acabar; pegou-lhe das mãos e apertou-as muito.

— Nenhuma outra viúva faria isto, disse ela.

Aqui foi D. Rita que lhe pegou nas mãos, pô-las sobre os seus ombros, e concluiu o gesto por um abraço. Todas as pessoas louvaram-lhe a abnegação do ato; esta era a primeira que a achou única. E daí outro abraço longo, mais longo...