A Divina Comédia (Xavier Pinheiro)/grafia atualizada/Inferno/XXXII: diferenças entre revisões

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O alto muro mirava-lhe espantado,
 
Quando ouvi: ““Tem cuidado, ó caminhante!
Não calques de irmãos teus desventurados
As frontes””. Eu, voltando-me, adiante
 
E sob os pés, de um lago vi gelados
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Que, travado, o cabelo se enleava.
 
““Quem sois que os peitos nesse estreito laço
Apertais?”” — perguntei. Então, voltando
Os colos para trás, um curto espaço
 
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Terceiro, a quem, geladas lhe caíram
As orelhas, com rosto baixo fala:
““Por que teus olhos sôfregos nos miram?
 
““O par desejas conhecer, que cala?
Próprio lhes fora e ao genitor Alberto
O vale, onde o Bisênzio faz escala.
 
““De um só ventre nasceram; tu, por certo,
Não acharás mais di?nos em Caína,
De ter de gelo o vulto seu coberto,
 
““Nem esse, a quem de Artus destra assassina
De um bote o peito e a sombra transpassara;
Nem Focácia e o que a fronte agora inclina,
 
““A vista me tolhendo, e se chamara
Mascheroni Sassol, bem conhecido:
Se és Toscano, esse nome te bastara.
 
““Fique, por vozes escusar, sabido
Que Pazzi eu sou e que, em Carlin chegando,
Serei por menos criminoso havido””.
 
Mil outros via roxos tiritando:
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A face de um calquei no gelo preso.
 
““Por que me pisas?”” reclamou chorando,
““De Monte Aperti ao feito por vingança
Inda me estás desta arte molestando?
 
““Mestre, espera-me aqui”” — disse — ““Me lança
Em dúvida este mau: solvê-la quero.
Eu depois correrei, se houver tardança””.
 
Parou; e ao pecador falei, que fero,
Duras blasfêmias proferia agora:
““Quem és tu, que me increpas tão severo?””
 
““E tu mesmo quem és, que na Antenora””
Tornou — ““dessa arte as faces me espezinhas?
Um vivo, certo, menos cru me fora””.
 
““Sou vivo e posso entre as memórias minhas
Do nome teu apregoar a fama””
Respondi — ““se te aprazem louvaminhas””.
 
““Só quer o olvido quem te fala”” — exclama
““Vai-te! De sobra já me estás molesto.
Aqui não cabe da lisonja a trama””.
 
Travei da nuca ao pecador infesto
E disse: — ““Ou perderás todo o cabelo,
Ou quem tu foste me declara presto!””
 
““Mil vezes podes arrancar-me o pêlo,
De ver-me a face não terás o gosto
E de saber qual foi meu nome e apelo””.
 
As mãos lhe havia no cabelo posto;
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Ganindo ele abaixava sempre o rosto,
 
Quando outro brada: ““Ó, Boca, isso não pára?
Pois os queixos bater não te é bastante?
Já lates! Que demônio em ti dispara?””
 
““Não mais, ímpio traidor”” — no mesmo instante
Respondo — ““exijo; o que de ti stou vendo
Contarei por te ser mais infamante””.
 
““Vai! Se saíres deste abismo horrendo,
Quanto queiras refere, do apressado,
Que de língua assim foi, não te esquecendo.
 
““Ouro chora, que a França lhe há doado.
Eu vi — podes dizer — Boso Duera
De outros muitos no gelo acompanhado.
 
““Se perguntarem quem aqui mais era,
Olha e terás ao lado Beccaria,
A quem Florença degolar fizera.
 
““Gian del Soldanier, há pouco eu via
Além com Ganellon e Tribaldello.
Que abriu Faenza, enquanto se dormia””.
 
Deixâmo-lo; mas súbito de gelo
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Ele o cérebro e os ossos mastigava.
 
““Tu, que, de ódio tão sevo possuído,
Te encarniças feroce no inimigo,
““Dize — exclamo — por que foi produzido.
 
““Se eu souber que a justiça está contigo
E houver da culpa e réu conhecimento,
No mundo a compensar-te ora me obrigo,
 
Se não perder a língua o movimento””.
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