A Divina Comédia (Xavier Pinheiro)/grafia atualizada/Paraíso/VI: diferenças entre revisões
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Contra o curso do céu, que ela seguira
Pós o herói, que Lavínia conquistara,
Da Europa em confins de Deus essa ave,
Vizinha aos montes, donde se partira;
De mão em mão o mundo há dominado,
Té comigo reger do Império a nave.
Do Amor, que sinto, por querer movido,
O supérfluo das leis hei cerceado.
Uma só natureza acreditava
Ter Cristo e andava nessa fé perdido.
De Roma Santa Igreja, a voz potente
Levou-me à crença pura, que eu deixava.
Pois, como vês, contradição implica
Uma falsa asserção e outra evidente.
Minha mente, de Deus por alta graça,
Logo à sublime empresa se dedica.
No favor, que lhe deu poder divino
Sinal vi que me ordena a paz se faça. —
Mais o que hei dito agora a tanto obriga,
Que a mor explicação dar-te me inclino.
Move-se contra esse estardarte santo,
Quando o tenta usurpar, quando o profliga.
Mereceu desde a honra em que Palante
Morreu por dar-lhe de sob?rano o manto.
Por mais de anos trezentos té lutarem
Três contra três por que ele fosse avante.
Vizinhos desde o roubo das Sabinas
Té Lucrécia expirar e os Reis findarem.
De heróis, que Breno e Pirro combateram,
E de outros reis coligações mali?nas;
E Quíncio Cincinato, que amo e louvo
A fama das vitórias, que tiveram;
Que por fraguras, donde, o Pó, te envias,
Sob Aníbal, abriu caminho novo.
Cipião e Pompeu, e assaz desgosto
Causou às tuas pátrias serranias.
Havia, por seus fins, dar paz ao mundo.
Em mãos de César Roma o teve posto.
Isara há visto e o Era, há o Sena
E esse vale, onde o Rone é sem segundo.
Com César a Águia tanto em vôo alçou-se,
Que o não pôde seguir nem voz, nem pena.
A Durazzo e a Farsália acometia:
Do efeito o ardente Nilo perturbou-se.
Seu berço, em que a de Heitor cinza descansa;
E sem detença a Ptolomeu se envia.
Depois volve-se às terras do Ocidente,
Onde os sons de Pompeu a tuba lança.
No inferno Bruto e Cássio estão sentindo,
Sofrem Perúgia e Módena tremente.
Atroce morte, que da serpe toma,
Da Águia os assaltos pávida fugindo.
E ao mundo tão serena a paz se inclina,
Que em fim de Jano as portas fecha Roma.
Para trazer à fama sua aumento
Nesse império mortal, em que domina,
Quando em mãos de Tibério a contemplamos
Com puro afeto e claro entendimento;
Lhe há nessas mãos a glória concedido
De dar vingança às iras, que incitamos.
Águia a vingança do pecado antigo
Depois com Tito há por tornar corrido.
Gemia a Santa Igreja, à sombra da ave
Salvou-a Carlos Magno do perigo.
Daqueles, cujas faltas hei notado,
Causa do mal que vês quanto se agrave.
Áureo lírio, outro o quer por seu partido:
Custa dizer qual seja o mais culpado.
Outra bandeira sigam; que à justiça
Culto esta exige nunca interrompido.
Com Guelfos; temas as garras, que arrancaram
A mais forte leão juba inteiriça.
Pelas culpas do pai: é louca a esp?rança, —
De que de Deus favor lírios ganharam.
É de almas generosas que honra e fama
Aspiraram do mundo na lembrança.
O incentivo da glória, aos céus ascende
Do vero amor menos ativa a chama.
Dos méritos e prêmio no confronto:
Nem menor, nem maior nenhum se entende
Tanto os afetos nos ameiga e apura,
Que nequícia os não torce em nenhum ponto.
Assim os vários graus na eterna vida
Doce harmonia fazem nesta altura.
Rebrilha de Romeu claro luzeiro,
Virtude ínclita e mal agradecida.
Não se riram; caminho segue errado
Quem o bem de outro inveja sobranceiro.
Conseguiu Beranguer: tal bem devia
A Romeu, nome humilde e não falado.
Que aumentado no quinto o erário havia;
Do erário contas exigiu do justo,
Se o mundo o coração lhe aquilatara,
Quando, mendigo, se mantinha a custo,
Louvor muito maior lhe dispensara.
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