A Ortografia de Nossa Língua (pela simplificação ortográfica): diferenças entre revisões

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Linha 20:
=Os empedernidos=
 
:<p align="left">Gonçalves Viana, em 1904, terminou o prefácio da ORTOGRAFIA NACIONAL com as seguintes palavras que Álvaro Ferreira de vera punha no fim de sua ORTOGRAFIA, em 1631:</p>
 
:::''"Aquelle que lhe parecer boa, sigaa;''
:::''e aquelle a que não, emmendea."''
 
:<p align="left">Hoje, em 1933, quando anda tão visível o racional e bom que é a grafia simplificada, repetindo as mesmas palavras, somente as mudarei de leve, no fim:</p>
 
:::''"Aquele que lhe parecer boa, siga-a''
Linha 32:
=Prefácio=
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Era natural a dificuldade na escolha de tema para uma tese de concurso. Hesitei entre os assuntos.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Oscilei numa primeira veleidade de estudar a etimologia e ortoépia dos vocábulos de origem grega. Recuei, porque o motivo é intricado e vário. Atraente, mas desordenado e discutibilíssimo. Levar-me-ia mais tempo do que o têm, mesmo os folgados. E, ainda por cima, ia deixar-me enredado e vulnerável, como guerreiro desapercebido, em campo raso.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Namorei, algum tempo, matéria como o latim e o conhecimento profundo da língua portuguesa. Serviria para tiradas mais ou menos filológicas, e seria atual, para recriminações pedagógicas. Mas de caráter, por muito, especulativo.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; E o processo histórico das palavras evolutivas (leis fonéticas)? Ou a corrente erudita e a corrente vernácula (formas divergentes)? Ou ainda a língua portuguesa e a língua brasileira?</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Até me passaram, na revista, questões especificadas de sintaxe, como as safadas dúvidas do se ou do ''infinito''...</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; E acabei optando pela ORTOGRAFIA...</p>
 
<center>[[Imagem:Separator.jpg]]</center>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Imaginei que ficasse melhor, por menos pretensioso, o título ''GRAFIA'' de nossa língua. Como, porém, a grafia aqui defendida vai exposta na convicção de ser a certa, achei mais afirmativo o nome ''ORTOGRAFIA''.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; É o velho e revelho problema da escrita. Escrita ou escritura, como lhes aprazia dizer, a mais antigos escritores.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Para os brasileiros, ele continua insoluto, ou continua problema, apesar de exatamente o ter deixado de ser, porquanto problema supõe coisa a resolver... E, de há anos, a nossa grafia está racionalizada pelos estudiosos. Em moldes que só o descuido, a superficialidade, a anarquia e mais causas sensatamente indefensáveis, não quiseram admitir.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Problemas resolvidos que continuam ... problemas.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; É a moda de hoje em dia. Muitos deles aí estão, desafiando e desesperando a humanidade, que os não resolve, apesar de conhecidas a resposta e a marcha das operações. Sobretudo, entre os da chamada questão social.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Tem-nos faltado é a coletiva coragem e força do esforço realizador, no sentido para que o bom senso está cansado de apontar.</p>
 
<center>[[Imagem:Separator.jpg]]</center>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Parecerá um tanto indefinida, no título da tese, a restrição de nossa língua. Poderia ter sido mais claro. Houve, porém, no meio, uns escrúpulos e dificuldades... nacionalistas.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Se nomeasse o meu trabalho com a epígrafe "ORTOGRAFIA da língua portuguesa", estava bem, mas, já não tanto, o meu sentimento nacionalizado e brasileiro, na questão.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Se o frontispiciasse com o nome "ORTOGRAFIA da lingua brasileira", isto realmente me contentara, mas poderiam tachar-me de vanguardista, justamente ao concorrer a uma cadeira de português, em estabelecimento de ensino, lugar onde se presume não poder faltar moderação e lastro de forças conservadores.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Que o encimasse, então, com o titulo "ORTOGRAFIA racional", como fez Gonçalves Viana. A insuficiência restritiva era a mesma. E a mesma que também há, por exemplo, na denominação "Idioma nacional", da série Antenor Nascentes.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Variei. E cá está a minha ORTOGRAFIA DE NOSSA LINGUA, tese com que espero ser declarado hábil para ensinar língua pátria, no Ginásio Mineiro de Belo-Horizonte.</p>
 
<center>[[Imagem:Separator.jpg]]</center>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Não leve, antes muito pesada incumbência é o ensino da língua pátria, em nossos tempos. Todos os professores se queixam de que o ensino do vernáculo decaiu, espantosamente. Por toda parte, por todo o Brasil...</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Veja-se o que falou o sr. Sud Menucci num congresso de professores, há anos, em Campinas:</p>
 
:::"Um fenômeno sintomático, doloroso e alarmante, impõe-nos, de há longos anos a estes, dias, sério problema educativo, a que, pelo fato de se dar em S. Paulo, bem se poderia chamar de problema nacional: é a verificação de que existe, entre o passado e o presente, uma assombrosa baixa de nível da cultura do vernáculo, da parte da população paulista, baixa de nível que se vai, progressivamente, acentuando numa carreira vertiginosa e que chegará onde não se sabe..." (Ap. Mota Assunção - ''Origens e ortografia da língua brasileira'').
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; As causas do mal são profundas. O nosso homem de agora, que se americaniza, não estuda latim, não quer saber de conhecimentos especulativos nem de atenção a regras coercitivas da própria instintividade. O excesso subjetivo, de que sofremos, nega a hierarquia e nega o cânon, praticamente, embora o preguem a autoridade e a tradição.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Antigamente, os mestres impunham. Hoje, eles expõem. Inutilmente, o mais das vezes.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; O conceito de homens de direitos, sem deveres - que é desastradamente o nosso - atrapalhou as pautas, desrumou os caminhos e nos lançou no toú-boú destes tempos.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Depois, o homem de antes - o brasileiro de 1833, por exemplo - não encontrava tanta complicação em que se educar. Tinha diante de si uma área menor de campo científico, uma quantidade modesta de disciplinas, uma carga forte de clássicos, com latim, muito latim. A vida nacional era mais ou menos estanque. Ele não tinha as solicitações veementes e diversas, da sociedade moderna. Tudo ajudava, no aprofundamento, a quem desejava aprender a língua.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Com o século 19, o homem adoeceu de obsessão científica. O estudo das humanidades perturbou-se. O gosto dos clássicos diminuiu. E o comércio deles também. Começou a realizar-se aquele anseio do poeta, que indagava:</p>
 
:::''"Qui nous délivrera des Grecs et des Romains?"''
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; O latim foi deixando de ser língua corrente entre os letrados. No Brasil, chegou ao estado de língua desconhecida, essencialmente desconhecida, em que o temos, agora, no ensino secundário.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; E veio toda uma ladainha de misérias contra o ensino do vernáculo: o destempero, a deficiência, a desordem permanente do ensino; a solicitação utilitarista das ciências práticas; o excesso delas, absorvedoras da atenção e capacidade aquisitiva do discente; o desgosto literário e artístico; a dispersão e superficialidade intelectual gerada na degeneração e dissolvência de nossos regímens escolares; a atração esportiva; o cinema; a multiplicidade social que a vida exige, hoje, do indivíduo; o internacionalismo cada vez mais intenso (cinema, rádio, etc.); e a não defesa da língua que se invade de estrangeirismos, coisa fatal num país de importação, de rádio americano, cinema americano, automóvel americano, "chic" francês, literatura francesa, esporte anglo-americano, etc.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Efetivamente, com a coisa importada, entra o nome. Se o temos, correspondente, em vernáculo, não o sabemos ou o não adotamos... e o estrangeirismo corre as avenidas das cidades, as colunas dos jornais e revistas, as páginas dos livros. Sem. nem, ao menos, mudar de roupa. Quando muito, pessimamente entrajado por algum torto alfaiate, que nunca possuiu a fita métrica da lingüística.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; É a ação dissolvedora, fatal, a que está submetido o nosso idioma.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Contra a pouca de força conservadora, de força coibitiva da desagregação, fazemos nossa revolta espiritual de Prometeus desacorrentados. Revolta de geração que cortou as amarras com o passado. Que não quer saber de princípios. Que cria o seu ritmo livremente, como deseja o sr. Ronald de Carvalho. Que é livre, livre de todo. ''"Laqueus contrictus est et nos liberati sumus"'', repetiria ela, se conhecera o latim e a Bíblia.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Só uma lei nos guia: o instinto dos direitos. Para que respeitar o que as gerações acumularam e nos é impingido como sabedoria e valor?</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Esta rebelião, de tendência social e pragmática, tomou todas as feições. Na arte e na literatura, ele atentou violentamente contra a força dogmática de cânones imemoriais. Na língua, feriu profundamente a princípios tradicionais e a regras de gramática. O jornalista apressado, o croniqueiro das revistas e o tradutor de empresa tomaram conta da sintaxe e dos leitores, porquanto é quase só o que se lê.</p>
 
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<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; A diferença de mentalidade é contrastadamente forte, entre o moço de outrora e o moço de hoje, na classe dos que estudam e se fazem doutores.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Outrora, o rapaz tinha medo de quebrar um princípio de etiqueta, num salão, ou um princípio de gramática, numa poesia.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Refaçamos o caminho que fizeram tantos de nossos maiores. Aqui em Minas-Gerais.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Vamos, primeiro, ali ao Caraça. A "domus alma", alcandorada entre penhascos, ninho fecundo onde se acalentou e nutriu, substanciosamente, a inteligência mineira, por todo o primeiro e segundo império. Onde o curso de humanidades era muita coisa e o latim era tudo. (Aliás, já dizia o mestre: "Do latim que, estudado como cumpre, constitui por si só um curso de humanidades..."). Onde a imaginação do colegial quase acabava acreditando que os titãs da lenda por ali haviam andado, a estourar penedias, e Virgílio, a pastorear à orla dos bosques, ou Cícero, a trovejar catilinárias, nalgum daqueles salões.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Com os bolsos cheios de frases latinas, ia a gente bacharelar-se a S. Paulo, como no norte se ia a Recife.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Ia-se longamente, com todo o aparato da viagem.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Uma das causas que mais contribuíram para a refinamento e apuro do espírito cavaleiresco, na Idade Média, foi a natural seleção, nascida das exigências materiais, que só a donos de feudos permitiam o ingresso na classe. A importância crescente e predominante dos peões ou infantes, nas guerras, dessorou, aos poucos, aquele espírito concentrado e alto, para o alargar na vulgaridade anônima do soldado-multidão.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Também durante o Segundo Império, as dificuldades naturais da época aprimoraram o espírito de nossas elites.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; O estudante ia para S. Paulo cheio do conceito distincional de um cavaleiro. As aulas da Faculdade se dirigia ele, de redingote e chapéu alto. Era sisudo, nas oportunidades em que lhe cumpria ser gêntleman.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Se mal aprendera a língua, à hora fatal de perpetrar os primeiros versos, o primeiro artigo, o primeiro discurso, corria fervorosamente para uma gramática e um dicionário. O horror de cincar forçava-o a queimar pestanas. Amedrontava-o mais a sintaxe do que a censura de Horácio às produções que rescendem azeite, cheiram a esforço ...</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Hoje, entretanto ...</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; O cinema, o clube, o rádio, o automóvel, o esporte, e toda a invasão americana, transformaram nosso rapaz.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Não é sisudo, é irreverente. Não lê os poetas, joga futebol. Não vai quase à faculdade, cola no exame. Não tem cerimônias com a etiqueta, é de educação esportiva.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Suas relações sociais se preenchem e satisfazem com os salões de cinema, de teatro, de clubes dansantes, no cosmopolitismo urbano de uma vida sem muita censura nem a imediata presença constrangedora de senhores graves e matronas respeitáveis.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Nada daquele distinto, daquele sério, daquele cavaleiresco de outróra.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; É o desbordamento dos peões ou infantes, na hora de tendências coletivizadoras, que a sociedade vive.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Não literatiza, nem verseja; é da "cancha"</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Sua ambição, quando voltada para as preeminências, não é a conquista honesta e franca dos postos, nem é o lugar num parlamento hierático, ressoando, com discursos impressionantes, mas a guindagem cavilosa, a infiltração capilar das Tramas ocultas, a locação sub-reptícia das "cavações" dos bastidores.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Quando se arrisca à literatura, ou, por qualquer motivo, escreve, não o preocupa a dignidade e decência da linguagem. É modernista e insulta a gramática. É superior a miudezas e canta o libertarismo dos espíritos largos. No íntimo, sente a angústia da própria insuficiência, e escreve como pôde ficar sabendo, ao longo dos anos avariados e pecos, que esperou, no secante currículo ginasial.</p>
 
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<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Não me tomem por saudosista. Guarde-nos Deus de uma mocidade grave e solene, em vez de alegremente esportiva.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; O que ando é verificando um fato.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; O nosso aparelhamento educacional não soube represar a inundação americana. Não soube convenientemente prevenir-se para canalizar e sublimar as novas tendências da mocidade.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Ele suplicia-a, pelo contrário, tantálicamente, num curso de humanidades em que o jovem está sempre com sede. Não que a água fuja diante dele, como ao Tântalo da Lídia. Mas porque a sente dessaborida, e, não raro, engulhante.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; As disciplinas, reputa-as o aprendiz cacetíssimas, porque sua alma dos dias se acha instintivamente integrada nas preocupações do esporte, do cinema e nas mais, da vida hodierna.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Nos Estados-Unidos e na Inglaterra, a educação física, o esporte, ocupa um larguíssimo espaço, no programa universitário. Espantam-se, mesmo, os franceses com a largueza desta margem. Em compensação, os ingleses não compreendem como os franceses podem suportar tantas horas de línguas e de ciências, no inventário escolar.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Em todo caso, os franceses, muito concienciosamente, executam o seu programa e mantêm a instrução em um nível a que facilitam a tradição plurissecular de povo civilizado e o primor alto do espírito gaulês, que eles contrapõem, corajosa e nacionalmente, à invasão saxônica do espírito esportivo do século.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Nós, porém, ai de nós!</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Não tínhamos aparelhamento, como não temos. Tratávamos de o construir, apoiados numa rotina copiada de Portugal e de França. Veio o futebol da Inglaterra. Veio o outro espírito, da América do Norte. Multiplicaram-se as solicitações. Não represadas, as forças novas arrasaram, alagaram os alicerces frágeis de nossos velhos programas educacionais.</p>
 
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<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Se antigamente o curso de humanidades não aparelhava alguém para um manejo vulgarmente correto da língua, o respeito à convenção, o sentimento de responsabilidade social, encarregava-se de o apertar e o obrigava à autodidaxia.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Atualmente, na generalidade dos casos, o rapaz chega ao fim do curso, desaparelhado também, mas sem nenhum sentimento de diminuição intelectual e nenhuma força que o instigue à aprendizagem particular.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Não é fácil o tempo calmo, com a pressa e utilitarismo que nos dominam, em uma época acelerada de automóvel, rádio e telefone. A leitura caiu no ritmo precipitado do devorador de jornais e magazines. O jornal mudou-se para um acervo de informações telegráficas e reportagens sensacionalistas - tudo mal redigido, mal digesto, mal irrigado, porque o repórter, o escrevinhador, não têm tempo.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; São eles os piores inimigos da língua. São os amigos dos chavões, das frases feitas, dos torneios viciados, das ladainhas de períodos ocos. O jornal é o celeste império do solecismo.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; E a língua empobrece, recua de seu aprimoramento, deserta de suas peculiaridades saborosas, pantanaliza-se numa continuidade grossa de vulgaridades.</p>
 
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<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; E não é tudo. País de imigração intensa e importação quase absoluta - para os produtos da técnica, da ciência, das modas e das tendências sociais: tudo que dá aparência de civilização - vemo-nos inundados de estrangeirismos de língua inglesa e francesa.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Não sabemos batizar, ou batizamos barbaramente, a cousas de eletricidade, máquinas e peças para automóveis, para cinema, para rádio, para indústrias, para medicina, para engenharia, etc. - que tudo nos vem, no meado, dos Estados-Unidos ou Inglaterra ou Alemanha. Entendemos de esportes numa terminologia toda inglesa. De moda e culinária, nossas idéias são em francês.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; E o rádio - que nos capta Shenéctady ou Buenos Aires, o cinema - com sua intensidade americana - cada vez mais nos internacionalizam, nos fazem afluentes, nos fazem tributários de um cosmopolitismo inevitável.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Quem mais o denuncia é a língua.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Enquanto, no século 16, a Espanha teve hegemonia universal, o castelhano era castiço, diz a Espasa-Calpe. Do século 17, em diante,- ele encheu-se de estrangeirismos, do francês, sobretudo.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; O português saiu do latim. Do ''latim castrense'', que os soldados romanos disseminaram na Ibéria. E foi com o lêvedo das invasões germânicas que se fermentou o ''sermo plebeius'', de que saiu nossa língua.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Pois bem, todas as contribuições ou descontribuições acima referidas têm uma força de lêvedo extraordinária.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; A língua que já chamamos brasileira vai fermentar-se, com injeções de línguas estranhas.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Estamos barbarizando-a, outra vez. Nós, indios, negros, ex-portugueses, italianas, alemães, polacos, do Brasil.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; As invasões germânicas dissolveram definitivamente o latim. As invasões francesa e americana vão dissolver o português, do qual há de nascer a realmente língua brasileira.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Não nos esqueçamos de que outrora o processo das mutações era lento. Lento, porque os povos viviam, consigo mesmos, insulados nas suas extensões territoriais, nos seus preconceitos acirrados de patriotismo, mal vencido, por um intercâmbio de "câmera lenta" ou intercâmbio, nenhum, exterior.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Hoje, a velocidade suprimiu as distâncias.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; O rádio criou um tipo de ubiquidade relativa, que a televisão aperfeiçoará, dentro em breve.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Os povos interdependem de maneira complexíssima.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; A atuação das forças diversas sobre a língua será incomparavelmente mais rápida.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Bem sei que a decadência da língua e do estilo não é mal só nosso. Os efeitos da guerra foram universais. O modernismo literário, que implica insurreição contra cânones artísticos e sintáticos, veio-nos da Itália e da França. Grassou também por vários outros países.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Já Albalat, num dos seus últimos livros - não me lembra se no ''Comment on devient écrivain'' ou no ''Comment il ne faut pas écrire'' - francamente se queixa da decadência do estilo francês.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Em vários países, entretanto, a pedagogia vem cuidando de remediar, por um esforço adequado, a diferença dos tempos, com auxilio da técnica e da precisão, da metodologia baseada no estudo do assunto e da psicologia educacional.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Mas nós, cobro nenhum temos posto, ainda, à derrocada em que vai o ensino da língua e todo o ensino secundário.</p>
 
<p align="left">&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Graças aos céus, que algum movimento e conserto - ou concerto - se vem fazendo promissoramente, no ensino estadual de Minas-Gerais. Comprovam-no a reforma deste e a Escola de Aperfeiçoamento pedagógico. O tempo trará o mais que necessário seja.</p>
 
=Metodologia=