Auto da Barca do Inferno: diferenças entre revisões

Conteúdo apagado Conteúdo adicionado
Sem resumo de edição
Sem resumo de edição
Linha 130:
Que gericocins, salvanor!
Cuidam cá que sou eu grou?
 
'''Anjo'''
- Que quereis?
'''Fidalgo'''
- Que me digais,
pois parti tão sem aviso,
se a barca do Paraíso
é esta em que navegais.
'''Anjo'''
- Esta é; que demandais?
'''Fidalgo'''
- Que me deixeis embarcar.
Sou fidalgo de solar,
é bem que me recolhais.
 
'''Anjo'''
- Não se embarca tirania
neste batel divinal.
'''Fidalgo'''
- Não sei por que haveis por mal
que entre minha senhoria...
'''Anjo'''
- Para vossa fantasia
mui estreita é esta barca.
'''Fidalgo'''
- Para senhor de tal marca
não há aqui mais cortesia?
 
Venha a prancha e atavio!
Levai-me desta ribeira!
'''Anjo'''
- Não vinde vós de maneira
para ir neste navio.
Essoutro vai mais vazio:
a cadeira entrará,
e o rabo caberá,
e todo vosso senhorio.
 
Vós ireis mais espaçoso
com fumosa senhoria,
cuidando na tirania
do pobre povo queixoso.
E porque, de generoso,
desprezastes os pequenos,
achar-vos-eis tanto menos
quanto mais fostes fumoso.
 
'''Diabo'''
- À barca, à barca, senhores!
Oh! que maré tão de prata!
Um ventosinho que mata
e valentes remadores!
 
</poem>
 
''Diz cantando:''
 
<poem>
"Vos me venirés a la mano,
a la mano me veniredes...
e vos veredes
peixes nas redes."
 
'''Fidalgo'''
- Ao inferno todavia!
Inferno há aí para mim?
Ó triste! Enquanto vivi
não cuidei que o í havia.
Tive que era fantasia;
folgava ser adorado;
confiei em meu estado
e não vi que me perdia.
 
</poem>