Dom Quixote/I/XXXI: diferenças entre revisões

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|obra=[[Dom Quixote]]
|autor=Miguel de Cervantes
|anterior=[[Dom Quixote/I/XXX|Capítulo XXX]]
|posterior=[[Dom Quixote/I/XXXII|Capítulo XXXII]]
|seção=titDomCapítulo Quixote/I/XXXI}}|| — Das saborosas conversações que houve entre D. Quixote e o seu escudeiro com outros sucessos.--}}
 
— Nada disso me descontenta; podes continuar — disse D. Quixote. — Chegaste, e que estava fazendo aquela rainha da formosura? aposto que a achaste a enfiar pérolas, ou bordando alguma empresa com canotilho de ouro, para este seu cativo cavaleiro.
 
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— Pois assevero-te — disse D. Quixote — que depois de joeirado por ela havia de deitar farinha candial infalivelmente. Mas passa adiante. Quando lhe deste a minha carta beijou-a? pô-la sobre a cabeça? fez alguma cerimônia digna de tal carta? ou que fez?
 
— Quando eu lha ia entregar — respondeu Sancho — estava ela na azáfama de aviar uma joeirada quase cheia; por isso, disse-me: “Ponde“Ponde, meu amigo, a carta para riba daquele saco, que não a posso ler enquanto não acabar de joeirar tudo o que para aí está.”
 
— Que discreta senhora! — disse D. Quixote. — Havia de ser para a ler com mais sossego e regalar-se. Adiante, Sancho. E enquanto estava nesse serviço, quais foram os seus colóquios contigo? que te perguntou de mim? e tu que lhe respondeste? Acaba, conta-me tudo, não te fique no tinteiro nem um pontinho.
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Reconheceu-o D. Quixote, e, tomando-o pela mão, disse para quantos ali eram:
 
— Para que Vossas Mercês vejam que importante coisa é haver cavaleiros andantes no mundo, que desfaçam as injustiças e agravos que nele fazem os insolentes e maus homens que por ele se encontram, saibam que uns dias atrás, passando eu por um bosque, ouvi uns gritos sentidíssimos, como de pessoa afligida e necessitada. Acudi logo, levado da minha obrigação, para a parte donde se me figurou que vinham os lamentos, e achei atado a uma azinheira este muchacho que aí está; com o que muito folgo, pois me não deixará mentir. Repito que estava atado ao tronco despido da cinta para cima, e um vilão (que depois soube ser seu amo) a escalá-lo de açoites com as rédeas duma égua. Mal que o vi, perguntei-lhe a causa de tão cruel suplício. Respondeu-me o palerma que o açoitava porque era seu criado, e que certos prejuízos que lhe ocasionava mais provinham de ser rapinante do que tolo; e ao que este mesmo acudiu: “Não“Não é verdade; açoita-me só por lhe eu pedir a minha soldada.” O amo refilou não sei que arengas e desculpas, que eu bem ouvi, mas que não admiti. Em suma: fiz que o soltasse, e tomei juramento ao campônio de que o levaria consigo, e lhe pagaria muito bem contado e recontado. Não é verdade tudo isto, pequenito? não notaste a autoridade com que lhe falei, e com quanta humildade ele prometeu cumprir todas as minhas ordens? Responde; não te atrapalhes nem tenhas medo; conta a estes senhores tudo como foi, para que se reconheça ser, como digo, proveitoso andarem pelos caminhos cavaleiros andantes.
 
— Tudo que Vossa Mercê aí disse é muita verdade — respondeu o muchacho — mas o fim do negócio é que saiu às avessas do que Vossa Mercê cuida.