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Linha 1:
|obra=[[Dom Quixote]]
|autor=Miguel de Cervantes
|anterior=[[Dom Quixote/I/XLVIII|Capítulo XLVIII]]
|posterior=[[Dom Quixote/I/L|Capítulo L]]
|seção=
— Ah! — disse Sancho — apanhei-o; era isso o que eu desejava saber, como desejo a salvação eterna. Ora venha cá, meu senhor; pode negar o que por aí se costuma dizer vulgarmente quando uma pessoa está mal disposta:
— Dizes a verdade, Sancho — respondeu D. Quixote — mas eu já te disse que há muitos gêneros de encantamentos, e que pode ser que se mudasse com o tempo de uns para outros, e que se use agora fazerem os encantados tudo o que eu faço, apesar de não o fazerem dantes, de forma que, contra o uso dos tempos, não há que arguir, nem que tirar conseqüências. Sei e tenho para mim que estou encantado, e isto me basta para segurança da minha consciência, que ficaria sobressaltada se eu pensasse que o não estava, e me deixasse ir nesta jaula, preguiçosa e cobarde, defraudando o amparo que poderia dar a muitos necessitados, que devem ter a estas horas extrema urgência do meu auxílio e valimento.
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— Exato — tornou o cônego.
— Pois eu — replicou D. Quixote — sustento que quem não tem juízo e quem vai encantado é Vossa Mercê, pois desatou a dizer tantas blasfêmias contra uma coisa tão bem acolhida no mundo, e tida por tão verdadeira, que aquele que a negasse, como Vossa Mercê a nega, merecia a mesma pena que Vossa Mercê diz que dá aos livros, quando os lê e o enfadam; porque querer dizer que Amadis não existiu neste mundo, nem existiram todos os outros aventurosos cavaleiros de que estão cheias as histórias, será querer persuadir que o sol não alumia, nem o gelo arrefece, nem a terra pode conosco; pois diga-me, que engenho pode haver no mundo que persuada a outrem que não foi verdade o caso de Floripes com Gui de Borgonha, e o de Ferrabras com a ponte de Mantible, que sucedeu no tempo de Carlos Magno? E voto a tal que é tão verdade como ser agora dia; e, se é mentira, também mentira será a existência de Heitor e de Aquiles, e dos doze Pares de França, e do rei Artur de Inglaterra, que tem andado transformado em corvo, e a cada instante o esperam no seu reino; e também se atreverão a dizer que é mentirosa a história de Guarino Mesquinho, a da Demanda do Santo Graal, e que são apócrifos os amores de Tristão e da rainha Iseu, como os de Ginevra e Lançarote, apesar de existirem pessoas que quase se recordam de ter visto a dona Quintanhona, que foi a melhor copeira de vinhos que teve a Grã-Bretanha. E é isto tão certo, que me recordo de me dizer a minha avó paterna, quando via alguma dona com reverendas toucas:
Ficou admirado o cônego de ver a misturada que D. Ouixote fazia de mentiras e de verdades, e por ver o conhecimento que ele tinha de todas as coisas tocantes e concernentes aos feitos dos seus cavaleiros andantes, e respondeu-lhe da seguinte maneira:
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