A Divina Comédia (Xavier Pinheiro)/grafia atualizada/Inferno/III: diferenças entre revisões

Conteúdo apagado Conteúdo adicionado
remoção de texto em italiano; +barra de navegação; reformatação do texto em português; notas de rodapé
Linha 1:
{{navegar
<[[A Divina Comédia]]
|obra=[[A Divina Comédia]]
|autor=Dante Alighieri
|seção=[[A Divina Comédia/Inferno|Inferno]] &mdash; Canto III
|anterior=[[A Divina Comédia/Inferno/II|Canto II]]
|posterior=[[A Divina Comédia/Inferno/IV|Canto IV]]
|notas=Tradução de [[Autor:José Pedro Xavier Pinheiro|José Pedro Xavier Pinheiro]]
}}
 
''Chegam os Poetas à porta do Inferno, na qual estão escritas terríveis palavras. Entram e no vestibulo encontram as almas dos ignavos, que não foram fiéis a Deus, nem rebeldes. Seguindo o caminho, chegam ao Aqueronte, onde está o barqueiro infernal, Caron, que passa as almas dos danados à outra margem, para o suplício. Treme a terra, lampeja uma luz e Dante cai sem sentidos.''
 
<poem>
{| width=100%"
“Por mim se vai das dores à morada,
| width="53%"|<b>Tradução brasileira</b>
Por mim se vai ao padecer eterno,
| width="47%"|<b>Original italiano</b>
Por mim se vai à gente condenada.
|-
| valign="top"|<ul>
“Por mim se vai das dores à morada,<br/>
Por mim se vai ao padecer eterno,<br/>
Por mim se vai à gente condenada.<br/>
 
“Moveu Justiça o Autor meu sempiterno,<br/>
Formado fui por divinal possança,<br/>
Sabedoria suma e amor supremo.<br/>
 
No existir, ser nenhum a mim se avança,<br/>
Não sendo eterno, e eu eternal perduro:<br/>
Deixai, ó vós que entrais, toda a esperança!”<br/>
 
Estas palavras, em letreiro escuro,<br/>
Eu vi, por cima de uma porta escrito.<br/>
“Seu sentido” — disse eu — “Mestre me é duro”<br/>
 
Tornou Virgílio, no lugar perito:<br/>
— “Aqui deixar convém toda suspeita;<br/>
Todo ignóbil sentir seja proscrito.<br/>
 
“Eis a estância, que eu disse, às dores feita,<br/>
Onde hás de ver atormentada gente,<br/>
Que da razão à perda está sujeita”.<br/>
 
Pela mão me travando diligente,<br/>
Com ledo gesto e coração me erguia,<br/>
E aos mistérios guiou-me incontinênti.<br/>
 
Por esse ar sem estrelas irrompia<br/>
Soar de pranto, de ais, de altos gemidos:<br/>
Também meu pranto, de os ouvir, corria.<br/>
 
Línguas várias, discursos insofridos,<br/>
Lamentos, vozes roucas, de ira os brados,<br/>
Rumor de mãos, de punhos estorcidos,<br/>
 
Nesses ares, pra sempre enevoados,<br/>
Retumbavam girando e semilhando<br/>
Areais por tufão atormentados.<br/>
 
A mente aquele horror me perturbando,<br/>
Disse a Virgílio: — “Ó Mestre, que ouço agora?<br/>
“Quem são esses, que a dor está prostrando?” —<br/>
 
“Deste mísero modo” — tornou — “chora<br/>
Quem viveu sem jamais ter merecido<br/>
Nem louvor, nem censura infamadora.<br/>
 
“De anjos mesquinhos coro é-lhes unido,<brref>''De anjos etc''., que não tomaram posição na luta entre os fiéis e os rebeldes a Deus. [N. T.]</ref>
Que rebeldes a Deus não se mostraram,<br/>
Nem fiéis, por si sós havendo sido”.<br/>
 
“Desdouro aos céus, os céus os desterraram;<br/>
Nem o profundo inferno os recebera,<br/>
De os ter consigo os maus se gloriaram”.<br/>
 
— “Que dor tão viva deles se apodera,<br/>
Que aos carpidos motivo dá tão forte?” —<br/>
“Serei breve em dizer-to” — me assevera. —<br/>
 
“Não lhes é dado nunca esperar morte;<br/>
É tão vil seu viver nessa desgraça,<br/>
Que invejam de outros toda e qualquer sorte.<br/>
 
“No mundo o nome seu não deixou traça;<br/>
A Clemência, a Justiça os desdenharam.<br/>
Mais deles não falemos: olha e passa”.<br/>
 
Bandeira então meus olhos divisaram,<br/>
Que, a tremular, tão rápida corria,<br/>
Que avessa a toda pausa a imaginaram.<br/>
 
E após, tão basta multidão seguia,<br/>
Que, destruído houvesse tanta gente<br/>
A morte, acreditado eu não teria.<br/>
 
Alguns já distinguira: eis, de repente,<br/>
Olhando, a sombra conheci daquele<br/>
Que a grã renúncia fez ignobilmente.<brref>''Daquele'' etc., Celestino V que renunciou ao papado, tendo por sucessor Bonifácio VIII, inimigo de Dante e do seu partido. [N. T.]</ref>
 
Soube logo, o que ao certo me revele,<br/>
Que era a seita das almas aviltadas,<br/>
Que os maus odeiam e que Deus repele.<br/>
 
Nunca tiveram vida as desgraçadas;<br/>
Sempre, nuas estando, as torturavam<br/>
De vespas e tavões as ferroadas.<br/>
 
Os rostos seus as lágrimas regavam,<br/>
Misturadas de sangue: aos pés caindo,<br/>
A imundos vermes o repasto davam.<br/>
 
De um largo rio à margem dirigindo<br/>
A vista, de almas divisei cardume.<br/>
— “Mestre, declara, aos rogos me anuindo,<br/>
 
“Que turba é essa” — eu disse — “e qual costume<br/>
Tanto a passar a torna pressurosa,<br/>
Se bem discirno ao duvidoso lume?” —<br/>
 
Tornou-me: — “Explicação minuciosa<br/>
Darei, quando tivermos atingido<br/>
Do Aqueronte a ribeira temerosa”.<br/>
 
Então, baixos os olhos e corrido<br/>
Fui, de importuno a culpa receando,<br/>
Té o rio, em silêncio recolhido.<br/>
 
Eis vejo a nós em barca se acercando,<br/>
De cãs coberto um velho — “Ó condenados,<br/>
Ai de vós! — alta grita levantando.<br/>
 
“O céu nunca vereis, desesperados:<br/>
Por mim à treva eterna, na outra riva,<br/>
Sereis ao fogo, ao gelo transportados.<br/>
 
“E tu que estás aqui, ó alma viva,<br/>
De entre estes que são mortos, já te ausenta!”<br/>
Como não lhe obedeço à voz esquiva,<br/>
 
“Por outra via irás” — ele acrescenta —<br/>
“Ao porto, onde acharás fácil transporte;<br/>
Lá pássaras sem barca menos lenta”. —<br/>
 
“Não te agastes, Caronte! Desta sorte<br/>
Se quer lá onde” — disse-lhe o meu Guia —<br/>
“Quem pode ordena. E nada mais te importe”.<br/>
 
Sereno, ouvido, o gesto se fazia<br/>
Da lívida lagoa ao nauta idoso,<br/>
Quem em círculos de fogo olhos volvia.<br/>
 
As desnudadas almas doloroso<br/>
O gesto descorou; dentes rangeram<br/>
Logo em lhe ouvindo o vozear raivoso.<br/>
 
Blasfemaram de Deus e maldisseram<br/>
A espécie humana, a pátria, o tempo, a origem<br/>
Da origem sua, os pais de quem nasceram.<br/>
 
Todas no pranto acerbo, em que se afligem,<br/>
Se acolhem juntas ao lugar tremendo,<br/>
Dos maus destinos, que se não corrigem.<br/>
 
Caronte, os ígneos olhos revolvendo,<br/>
Lhes acenava e a todos recebia:<br/>
Remo em punho, as tardias vai batendo.<br/>
 
Como no outono a rama principia<br/>
As flores a perder té ser despida,<br/>
Dando à terra o que à terra pertencia,<br/>
 
Assim de Adam a prole pervertida,<br/>
Da praia um após outro se enviavam,<br/>
Qual ave dos reclamos atraída.<br/>
 
Sobre as túrbidas águas navegavam;<br/>
E pojado não tinham no outro lado,<br/>
Mais turbas já no oposto se apinhavam.<br/>
 
“Aqui meu filho” — disse o Mestre amado —<br/>
“concorrem quantos há colhido a morte,<br/>
De toda a terra, tendo a Deus irado.<br/>
 
“O rio prontos buscam desta sorte,<br/>
De Deus tanto a justiça os punge e excita,<br/>
Tornando-se o temor anelo forte!<br/>
 
“Alma inocente aqui jamais transita,<br/>
E, se Caronte contra ti se assanha,<br/>
Patente a causa está, que tanto o irrita”.<br/>
 
Assim falava; a lúrida campanha<br/>
Tremeu e foi tão forte o movimento,<br/>
Que do medo o suor ainda me banha.<br/>
 
Da terra lacrimosa rompeu vento,<br/>
Que um clarão respirou avermelhado;<br/>
Tolhido então de todo o sentimento,<br/>
 
Caí, qual homem que é do sono entrado.<brref>''Caí'' etc. Dante perdendo os sentidos, atravessa o Aqueronte, sem saber de que modo. [N. T.]</ref>
</poem>
 
== Notas ==
</ul>
<references />
 
| valign="top"|<ul>
'Per me si va ne la città dolente,<br/>
per me si va ne l'etterno dolore,<br/>
per me si va tra la perduta gente.<br/>
 
Giustizia mosse il mio alto fattore;<br/>
fecemi la divina podestate,<br/>
la somma sapïenza e 'l primo amore.<br/>
 
Dinanzi a me non fuor cose create<br/>
se non etterne, e io etterno duro.<br/>
Lasciate ogne speranza, voi ch'intrate'.<br/>
 
Queste parole di colore oscuro<br/>
vid' ïo scritte al sommo d'una porta;<br/>
per ch'io: «Maestro, il senso lor m'è duro».<br/>
 
Ed elli a me, come persona accorta:<br/>
«Qui si convien lasciare ogne sospetto;<br/>
ogne viltà convien che qui sia morta.<br/>
 
Noi siam venuti al loco ov' i' t'ho detto<br/>
che tu vedrai le genti dolorose<br/>
c'hanno perduto il ben de l'intelletto».<br/>
 
E poi che la sua mano a la mia puose<br/>
con lieto volto, ond' io mi confortai,<br/>
mi mise dentro a le segrete cose.<br/>
 
Quivi sospiri, pianti e alti guai<br/>
risonavan per l'aere sanza stelle,<br/>
per ch'io al cominciar ne lagrimai.<br/>
 
Diverse lingue, orribili favelle,<br/>
parole di dolore, accenti d'ira,<br/>
voci alte e fioche, e suon di man con elle<br/>
 
facevano un tumulto, il qual s'aggira<br/>
sempre in quell' aura sanza tempo tinta,<br/>
come la rena quando turbo spira.<br/>
 
E io ch'avea d'error la testa cinta,<br/>
dissi: «Maestro, che è quel ch'i' odo?<br/>
e che gent' è che par nel duol sì vinta?».<br/>
 
Ed elli a me: «Questo misero modo<br/>
tegnon l'anime triste di coloro<br/>
che visser sanza 'nfamia e sanza lodo.<br/>
 
Mischiate sono a quel cattivo coro<br/>
de li angeli che non furon ribelli<br/>
né fur fedeli a Dio, ma per sé fuoro.<br/>
 
Caccianli i ciel per non esser men belli,<br/>
né lo profondo inferno li riceve,<br/>
ch'alcuna gloria i rei avrebber d'elli».<br/>
 
E io: «Maestro, che è tanto greve<br/>
a lor che lamentar li fa sì forte?».<br/>
Rispuose: «Dicerolti molto breve.<br/>
 
Questi non hanno speranza di morte,<br/>
e la lor cieca vita è tanto bassa,<br/>
che 'nvidïosi son d'ogne altra sorte.<br/>
 
Fama di loro il mondo esser non lassa;<br/>
misericordia e giustizia li sdegna:<br/>
non ragioniam di lor, ma guarda e passa».<br/>
 
E io, che riguardai, vidi una 'nsegna<br/>
che girando correva tanto ratta,<br/>
che d'ogne posa mi parea indegna;<br/>
 
e dietro le venìa sì lunga tratta<br/>
di gente, ch'i' non averei creduto<br/>
che morte tanta n'avesse disfatta.<br/>
 
Poscia ch'io v'ebbi alcun riconosciuto,<br/>
vidi e conobbi l'ombra di colui<br/>
che fece per viltade il gran rifiuto.<br/>
 
Incontanente intesi e certo fui<br/>
che questa era la setta d'i cattivi,<br/>
a Dio spiacenti e a' nemici sui.<br/>
 
Questi sciaurati, che mai non fur vivi,<br/>
erano ignudi e stimolati molto<br/>
da mosconi e da vespe ch'eran ivi.<br/>
 
Elle rigavan lor di sangue il volto,<br/>
che, mischiato di lagrime, a' lor piedi<br/>
da fastidiosi vermi era ricolto.<br/>
 
E poi ch'a riguardar oltre mi diedi,<br/>
vidi genti a la riva d'un gran fiume;<br/>
per ch'io dissi: «Maestro, or mi concedi<br/>
 
ch'i' sappia quali sono, e qual costume<br/>
le fa di trapassar parer sì pronte,<br/>
com' i' discerno per lo fioco lume».<br/>
 
 
Ed elli a me: «Le cose ti fier conte<br/>
quando noi fermerem li nostri passi<br/>
su la trista riviera d'Acheronte».<br/>
 
Allor con li occhi vergognosi e bassi,<br/>
temendo no 'l mio dir li fosse grave,<br/>
infino al fiume del parlar mi trassi.<br/>
 
Ed ecco verso noi venir per nave<br/>
un vecchio, bianco per antico pelo,<br/>
gridando: «Guai a voi, anime prave!<br/>
 
Non isperate mai veder lo cielo:<br/>
i' vegno per menarvi a l'altra riva<br/>
ne le tenebre etterne, in caldo e 'n gelo.<br/>
 
E tu che se' costì, anima viva,<br/>
pàrtiti da cotesti che son morti».<br/>
Ma poi che vide ch'io non mi partiva,<br/>
 
disse: «Per altra via, per altri porti<br/>
verrai a piaggia, non qui, per passare:<br/>
più lieve legno convien che ti porti».<br/>
 
E 'l duca lui: «Caron, non ti crucciare:<br/>
vuolsi così colà dove si puote<br/>
ciò che si vuole, e più non dimandare».<br/>
 
Quinci fuor quete le lanose gote<br/>
al nocchier de la livida palude,<br/>
che 'ntorno a li occhi avea di fiamme rote.<br/>
 
Ma quell' anime, ch'eran lasse e nude,<br/>
cangiar colore e dibattero i denti,<br/>
ratto che 'nteser le parole crude.<br/>
 
Bestemmiavano Dio e lor parenti,<br/>
l'umana spezie e 'l loco e 'l tempo e 'l seme<br/>
di lor semenza e di lor nascimenti.<br/>
 
Poi si ritrasser tutte quante insieme,<br/>
forte piangendo, a la riva malvagia<br/>
ch'attende ciascun uom che Dio non teme.<br/>
 
Caron dimonio, con occhi di bragia<br/>
loro accennando, tutte le raccoglie;<br/>
batte col remo qualunque s'adagia.<br/>
 
Come d'autunno si levan le foglie<br/>
l'una appresso de l'altra, fin che 'l ramo<br/>
vede a la terra tutte le sue spoglie,<br/>
 
similemente il mal seme d'Adamo<br/>
gittansi di quel lito ad una ad una,<br/>
per cenni come augel per suo richiamo.<br/>
 
Così sen vanno su per l'onda bruna,<br/>
e avanti che sien di là discese,<br/>
anche di qua nuova schiera s'auna.<br/>
 
«Figliuol mio», disse 'l maestro cortese,<br/>
«quelli che muoion ne l'ira di Dio<br/>
tutti convegnon qui d'ogne paese;<br/>
 
e pronti sono a trapassar lo rio,<br/>
ché la divina giustizia li sprona,<br/>
sì che la tema si volve in disio.<br/>
 
Quinci non passa mai anima buona;<br/>
e però, se Caron di te si lagna,<br/>
ben puoi sapere omai che 'l suo dir suona».<br/>
 
Finito questo, la buia campagna<br/>
tremò sì forte, che de lo spavento<br/>
la mente di sudore ancor mi bagna.<br/>
 
La terra lagrimosa diede vento,<br/>
che balenò una luce vermiglia<br/>
la qual mi vinse ciascun sentimento;<br/>
 
e caddi come l'uom cui sonno piglia.<br/>
|}
{| width="100%" |
|
| [[A Divina Comédia|Índice]]
| [[A Divina Comédia - Inferno, Canto 4|Canto 4]]
|}
 
[[Categoria:A Divina Comédia]]