A Divina Comédia (Xavier Pinheiro)/grafia atualizada/Purgatório/II: diferenças entre revisões

Conteúdo apagado Conteúdo adicionado
remoção de texto em italiano; +barra de navegação; reformatação do texto em português; notas de rodapé
Linha 1:
{{navegar
<[[A Divina Comédia]]
|obra=[[A Divina Comédia]]
|autor=Dante Alighieri
|seção=[[A Divina Comédia/Purgatório|Purgatório]] &mdash; Canto II
|anterior=[[A Divina Comédia/Purgatório/I|Canto I]]
|posterior=[[A Divina Comédia/Purgatório/III|Canto III]]
|notas=Tradução de [[Autor:José Pedro Xavier Pinheiro|José Pedro Xavier Pinheiro]]
}}
 
''Estão os Poetas ainda na praia, incertos em relação ao caminho, quando chega uma barca, guiada por um Anjo, da qual saem almas destinadas ao Purgatório. Uma delas, o músico Casella, amigo de Dante, a convite do Poeta, começa a cantar uma sua canção. Os dois Poetas e as almas ficam a ouvir o canto harmonioso. Sobrevém. porém, o severo Catão, que as repreende, e as almas fogem para o monte.''
 
<poem>
{| width=100%"
Resplendecia o sol já no horizonte
| width="52%"|<b>Tradução brasileira</b>
Que tem meridiano, onde iminente
| width="48%"|<b>Original italiano</b>
O zênite fica de Solima ao monte.<ref>''Resplendecia'' etc., colocando o Purgatório num hemisfério antípoda àquele da terra, o Poeta nota que onde ele estava o sol despontava e na mesma hora em Jerusalém (Solima) descia a noite. [N. T.]</ref>
|-
| valign="top"|<ul>
Resplendecia o sol já no horizonte<br/>
Que tem meridiano, onde iminente<br/>
O zênite fica de Solima ao monte.<br/>
 
Na parte oposta a noite diligente<br/>
Do Ganges co’as Balanças se elevava,<br/>
Que lhe caem da mão, quando é excedente.<br/>
 
Já nesse tempo a idade transformava<br/>
A branca e rósea cor da bela Aurora<br/>
Noutra, que a de áureos pomos simulava.<br/>
 
Do mar ao longo inda éramos nessa hora,<br/>
Como quem, na jornada embevecido,<br/>
Se apressa em mente, os pés, porém, demora:<br/>
 
Eis, qual sobre manhã, enrubescido,<br/>
Das névoas através, Marte chameja<br/>
No ponente das ondas refletido,<br/>
 
Uma luz (praza a Deus de novo a veja!)<br/>
Tão veloz pelo mar vi deslizando,<br/>
Que não há vôo de ave, que igual seja.<br/>
 
Maior mostrou-se e mais fulgente, quando,<br/>
Depois de ter-me ao Guia meu voltado,<br/>
De novo olhei o seu brilho contemplando.<br/>
 
Nívea forma também, a cada lado,<br/>
Lhe divisei; abaixo aparecia<br/>
De igual cor outro vulto assinalado.<br/>
 
Té asas discernir permanecia<br/>
O sábio Mestre meu silencioso.<br/>
Mas então, como o nauta conhecia,<br/>
 
Bradou: “Curva os joelhos respeitoso,<br/>
Junta as mãos: eis de Deus um mensageiro!<br/>
De ora avante hás de ver outros ditoso.<br/>
 
“Vê que, aos humanos meios sobranceiro,<br/>
Para vir de tão longe velas, remos<br/>
Possui das asas no volver ligeiro.<br/>
 
“Como ele as alça para o céu já vemos,<br/>
Eternas plumas suas agitando;<br/>
Não mudam como dos mortais sabemos.” —<br/>
 
Em tanto, mais e mais se apropinquando,<br/>
Mais clara sobressai a ave divina:<br/>
Olhos abaixo à luz me deslumbrando.<br/>
 
O anjo logo à riba a nave inclina,<br/>
Tão rápida, tão leve, que parece<br/>
Voar somente na amplidão marina.<br/>
 
Na popa erguido o nauta resplendece:<br/>
Feliz quanto é lhe está na fronte escrito;<br/>
Das almas turba ao mando lhe obedece.<br/>
 
In exitu Israel de Egypto<brref>''In exitu'', etc., primeiro verso do [[Salmo]] 114. [N. T.]</ref>
A uma voz cantavam juntamente<br/>
E o mais, que foi no santo salmo dito.<br/>
 
Sinal da Cruz lhes fez devotamente:<br/>
Todos então à riba se lançaram<br/>
E tornou, como veio, incontinente.<br/>
 
Em volta remirando, os que ficaram<br/>
Pareciam de espanto apoderados,<br/>
Como quem a estranheza se acercaram.<br/>
 
O sol frechava os lumes seus dourados,<br/>
Lá do meio do céu tendo expelido<br/>
O Capricórnio a tiros reiterados,<br/>
 
Quando as almas, que haviam descendido,<br/>
Perguntam-nos: — “Sabeis, para indicar-nos,<br/>
Por onde o monte pode ser subido?”<br/>
 
Tornou Virgílio: — “Vos apraz julgar-nos<br/>
Do lugar sabedores; mas viandantes,<br/>
Como sois vós, deveis considerar-nos.<br/>
 
Chegáramos aqui, de vós, pouco antes,<br/>
Por estrada tão árdua e temerosa,<br/>
Que esta subida a par, jogo é de infantes.” —<br/>
 
Notando aquela turba, curiosa,<br/>
Que eu, pelo respirar, era homem vivo,<br/>
Enfiou ante a vista portentosa.<br/>
 
E como, a quem da paz ramo expressivo<br/>
Presenta, o povo acerca-se cuidoso<br/>
Em tropel de notícias por motivo:<br/>
 
O bando assim das almas venturoso<br/>
Em meu rosto atentava alvoroçado,<br/>
Quase esquecido de ir a ser formoso.<br/>
 
Uma, tendo-se às mais adiantado<br/>
A me abraçar correu com tanto afeito,<br/>
Que fui de impulso igual arrebatado.<br/>
 
Sombras vãs, verdadeiras só no aspeito!<br/>
Três vezes quis nos braços estreitá-la,<br/>
Só as três vezes estreitei ao peito.<br/>
 
Ante o espanto, que o gesto me assinala,<br/>
Sorriu-se; e, como já se retirasse,<br/>
Avançando, eu tentei acompanhá-la.<br/>
 
Suavemente disse que eu parasse,<br/>
Pedi-lhe, com certeza a conhecendo,<br/>
Que um pouco a praticar se demorasse:<br/>
 
— “Como te amei” — me respondeu — “vivendo<br/>
No mortal corpo, assim eu te amo agora.<br/>
Por que vais? Dize: ao teu desejo atendo.” —<br/>
 
“Caro Casella” — disse-lhe — “hei de embora<brref>''Casella'', músico florentino amigo de Dante e que havia musicado algumas canções dele. [N. T.]</ref>
Tornar, ao fim desta jornada, à vida.<br/>
Por que de vir hás delongado a hora?” —<br/>
 
“Se a passagem negou-me requerida<br/>
Anjo, que as almas, quando apraz-lhe, guia,<br/>
Ofensa não me fez imerecida;<br/>
 
“Pois a justo querer obedecia.<br/>
Na barca em paz, três meses há somente,<br/>
A todos dá a entrada apetecida.<br/>
 
“Eu, que na plaga então era presente,<br/>
Onde no mar o Tibre as águas deita<br/>
Por ele aceito fui benignamente,<br/>
 
“A essa foz seus vôos endireita;<br/>
Pois sempre ali a grei stá reunida,<br/>
Às penas do Aqueronte não sujeita.” —<br/>
 
— “Se não é por lei nova proibida
Linha 152 ⟶ 155:
108 Que as mágoas todas me adoçou da vida,
 
“Praza-te amigo, confortar um tanto<br/>
Minha alma, que molesta, que amofina<br/>
Star envolta no corpóreo manto.” —<br/>
 
— “Amor que em minha mente raciocina” —<br/>
Entoou ele então com tal doçura,<br/>
Que o som donoso inda alma me domina.<br/>
 
Ao Mestre, a mim, a todos a brandura<br/>
Do saudoso cantar tanto elevava,<br/>
Que de ai a mente nossa então não cura.<br/>
 
Na toada, absorvida, se engolfava,<br/>
Eis de repente o velho venerando:<brref>''O Velho'', Catão. [N. T.]</ref>
— “Que fazeis, descuidosos?” — nos bradava.<br/>
 
“Pois estais na indolência assim ficando?<br/>
Ide ao monte, a despir essa impureza,<br/>
Que a vista vos está de Deus vedando!” —<br/>
 
Quais pombos, que dos agros na largueza,<br/>
Em desejado pascigo embebidos,<br/>
Como olvidada a natural braveza,<br/>
 
Súbito arrancaram, de temor pungidos,<br/>
Se algum mal iminente lhes parece,<br/>
De cuidados maiores possuídos:<br/>
 
Tal a recente grei o canto esquece,<br/>
E, como homem, que vai sem ter roteiro,<br/>
Corre à costa, que aos olhos se oferece:<br/>
 
Não foi nosso partir menos ligeiro.<br/>
</ulpoem>
 
== Notas ==
| valign="top"|<ul>
<references />
Già era 'l sole a l'orizzonte giunto<br/>
lo cui meridïan cerchio coverchia<br/>
Ierusalèm col suo più alto punto;<br/>
 
e la notte, che opposita a lui cerchia,<br/>
uscia di Gange fuor con le Bilance,<br/>
che le caggion di man quando soverchia;<br/>
 
sì che le bianche e le vermiglie guance,<br/>
là dov' i' era, de la bella Aurora<br/>
per troppa etate divenivan rance.<br/>
 
Noi eravam lunghesso mare ancora,<br/>
come gente che pensa a suo cammino,<br/>
che va col cuore e col corpo dimora.<br/>
 
Ed ecco, qual, sorpreso dal mattino,<br/>
per li grossi vapor Marte rosseggia<br/>
giù nel ponente sovra 'l suol marino,<br/>
 
cotal m'apparve, s'io ancor lo veggia,<br/>
un lume per lo mar venir sì ratto,<br/>
che 'l muover suo nessun volar pareggia.<br/>
 
Dal qual com' io un poco ebbi ritratto<br/>
l'occhio per domandar lo duca mio,<br/>
rividil più lucente e maggior fatto.<br/>
 
Poi d'ogne lato ad esso m'appario<br/>
un non sapeva che bianco, e di sotto<br/>
a poco a poco un altro a lui uscìo.<br/>
 
Lo mio maestro ancor non facea motto,<br/>
mentre che i primi bianchi apparver ali;<br/>
allor che ben conobbe il galeotto,<br/>
 
gridò: «Fa, fa che le ginocchia cali.<br/>
Ecco l'angel di Dio: piega le mani;<br/>
omai vedrai di sì fatti officiali.<br/>
 
Vedi che sdegna li argomenti umani,<br/>
sì che remo non vuol, né altro velo<br/>
che l'ali sue, tra liti sì lontani.<br/>
 
Vedi come l'ha dritte verso 'l cielo,<br/>
trattando l'aere con l'etterne penne,<br/>
che non si mutan come mortal pelo».<br/>
 
Poi, come più e più verso noi venne<br/>
l'uccel divino, più chiaro appariva:<br/>
per che l'occhio da presso nol sostenne,<br/>
 
ma chinail giuso; e quei sen venne a riva<br/>
con un vasello snelletto e leggero,<br/>
tanto che l'acqua nulla ne 'nghiottiva.<br/>
 
Da poppa stava il celestial nocchiero,<br/>
tal che faria beato pur descripto;<br/>
e più di cento spirti entro sediero.<br/>
 
'In exitu Isräel de Aegypto'<br/>
cantavan tutti insieme ad una voce<br/>
con quanto di quel salmo è poscia scripto.<br/>
 
Poi fece il segno lor di santa croce;<br/>
ond' ei si gittar tutti in su la piaggia:<br/>
ed el sen gì, come venne, veloce.<br/>
 
La turba che rimase lì, selvaggia<br/>
parea del loco, rimirando intorno<br/>
come colui che nove cose assaggia.<br/>
 
Da tutte parti saettava il giorno<br/>
lo sol, ch'avea con le saette conte<br/>
di mezzo 'l ciel cacciato Capricorno,<br/>
 
quando la nova gente alzò la fronte<br/>
ver' noi, dicendo a noi: «Se voi sapete,<br/>
mostratene la via di gire al monte».<br/>
 
E Virgilio rispuose: «Voi credete<br/>
forse che siamo esperti d'esto loco;<br/>
ma noi siam peregrin come voi siete.<br/>
 
Dianzi venimmo, innanzi a voi un poco,<br/>
per altra via, che fu sì aspra e forte,<br/>
che lo salire omai ne parrà gioco».<br/>
 
L'anime, che si fuor di me accorte,<br/>
per lo spirare, ch'i' era ancor vivo,<br/>
maravigliando diventaro smorte.<br/>
 
E come a messagger che porta ulivo<br/>
tragge la gente per udir novelle,<br/>
e di calcar nessun si mostra schivo,<br/>
 
così al viso mio s'affisar quelle<br/>
anime fortunate tutte quante,<br/>
quasi oblïando d'ire a farsi belle.<br/>
 
Io vidi una di lor trarresi avante<br/>
per abbracciarmi, con sì grande affetto,<br/>
che mosse me a far lo somigliante.<br/>
 
Ohi ombre vane, fuor che ne l'aspetto!<br/>
tre volte dietro a lei le mani avvinsi,<br/>
e tante mi tornai con esse al petto.<br/>
 
Di maraviglia, credo, mi dipinsi;<br/>
per che l'ombra sorrise e si ritrasse,<br/>
e io, seguendo lei, oltre mi pinsi.<br/>
 
Soavemente disse ch'io posasse;<br/>
allor conobbi chi era, e pregai<br/>
che, per parlarmi, un poco s'arrestasse.<br/>
 
Rispuosemi: «Così com' io t'amai<br/>
nel mortal corpo, così t'amo sciolta:<br/>
però m'arresto; ma tu perché vai?».<br/>
 
«Casella mio, per tornar altra volta<br/>
là dov' io son, fo io questo vïaggio»,<br/>
diss' io; «ma a te com' è tanta ora tolta?».<br/>
 
Ed elli a me: «Nessun m'è fatto oltraggio,<br/>
se quei che leva quando e cui li piace,<br/>
più volte m'ha negato esto passaggio;<br/>
 
ché di giusto voler lo suo si face:<br/>
veramente da tre mesi elli ha tolto<br/>
chi ha voluto intrar, con tutta pace.<br/>
 
Ond' io, ch'era ora a la marina vòlto<br/>
dove l'acqua di Tevero s'insala,<br/>
benignamente fu' da lui ricolto.<br/>
 
A quella foce ha elli or dritta l'ala,<br/>
però che sempre quivi si ricoglie<br/>
qual verso Acheronte non si cala».<br/>
 
E io: «Se nuova legge non ti toglie<br/>
memoria o uso a l'amoroso canto<br/>
che mi solea quetar tutte mie doglie,<br/>
 
di ciò ti piaccia consolare alquanto<br/>
l'anima mia, che, con la sua persona<br/>
venendo qui, è affannata tanto!».<br/>
 
'Amor che ne la mente mi ragiona'<br/>
cominciò elli allor sì dolcemente,<br/>
che la dolcezza ancor dentro mi suona.<br/>
 
Lo mio maestro e io e quella gente<br/>
ch'eran con lui parevan sì contenti,<br/>
come a nessun toccasse altro la mente.<br/>
 
Noi eravam tutti fissi e attenti<br/>
a le sue note; ed ecco il veglio onesto<br/>
gridando: «Che è ciò, spiriti lenti?<br/>
 
qual negligenza, quale stare è questo?<br/>
Correte al monte a spogliarvi lo scoglio<br/>
ch'esser non lascia a voi Dio manifesto».<br/>
 
Come quando, cogliendo biado o loglio,<br/>
li colombi adunati a la pastura,<br/>
queti, sanza mostrar l'usato orgoglio,<br/>
 
se cosa appare ond' elli abbian paura,<br/>
subitamente lasciano star l'esca,<br/>
perch' assaliti son da maggior cura;<br/>
 
così vid' io quella masnada fresca<br/>
lasciar lo canto, e fuggir ver' la costa,<br/>
com' om che va, né sa dove rïesca;<br/>
 
né la nostra partita fu men tosta.
|}
{| width="100%" |
|
| [[A Divina Comédia|Índice]]
| [[A Divina Comédia - Purgatório, Canto 3|Canto 3]]
|}
 
[[Categoria:A Divina Comédia]]