Conteúdo apagado Conteúdo adicionado
m Foram revertidas as edições de 200.17.33.57 (disc) para a última versão por Luckas Blade |
|||
Linha 18:
*ISAÍAS, solteirão
*INÊS, viúva
*UM CARTEIRO
A cena passa-se no Rio de Janeiro.
Época, atualidade.
Linha 30:
[INÊS]
INÊS (Cose sentada à mesa, e olha para a rua, pela janela.) — Lá está parado à esquina o homem dos anexins! Não há meio de ver-me
''Copla''
<poem>
Eu que, por gosto, perdido
Tenho casamentos mil,
Com mais de um belo marido,
Garboso, rico e gentil,
De um velho agora a proposta,
Meu Deus! devia aceitar?
Demais um velho que gosta
De assim tão jarreta andar!
:Nada! nada!
:Não me agrada!
Quero um marido melhor!
É bem mau não ser casada,
Mas malcasada é pior.
</poem>
Ainda hoje escreveu-me uma
===CENA II===
[ISAÍAS]
ISAÍAS (Deita com precaução a cabeça pela porta do fundo.) — Porta aberta, o justo peca. (Avançando na ponta dos pés.) A ocasião faz o ladrão. Preciso estudar o gênio desta mulher: antes que cases, olha o que fazes. Dois gênios iguais não fazem liga; se a pequena não me sai ao pintar, para cá vem de carrinho. É preciso olhar para o futuro: quem para adiante não olha atrás fica; quem cospe para o ar cai-lhe na cara, e quem boa cama faz nela se deita. Resolvi casar-me, mas bem sei que casar não é casaca. Alguém dirá que resolvi um pouco tarde, porém, mais vale tarde que nunca. Deus ajuda a quem madruga, é verdade; mas nem por muito madrugar se amanhece mais cedo. Procurei uma mulher como quem procura ouro. Infeliz até ali! Vi-as a dar com um pau: bonitas, que era um louvar a Deus
de gatinhas; mas... nem tudo o que luz é ouro; feias também que era um deus-nos-acuda; mas muitas vezes donde não se espera, daí é que vem. Quem porfia mata caça dizia com meus botões, e não foi nada, que enquanto o diabo esfrega um olho, cá a dona encheu-me... o olho. Pois olhem que não me passou camarão pela malha... Esta é viúva e costureira... Estou pelo beicinho, e creio que estou que ela ===CENA III===
Linha 48 ⟶ 67:
INÊS — Que quer o senhor aqui?
ISAÍAS — Vim em pessoa saber da resposta de minha carta: quem quer vai e quem não quer manda; quem nunca
INÊS (Interrompendo-o.) — Não tenho
ISAÍAS — Não há carta sem resposta...
INÊS (Correndo à talha e trazendo um púcaro cheio d’água.) — Saia,
ISAÍAS (Impassível.) — Se me molhar, mais tempo passarei a seu lado; não hei de sair molhado à rua. Eh! eh! Foi buscar lã e saiu tosquiada!...
INÊS — Eu grito!
ISAÍAS — Não faça tal! Não seja tola, que quem o é para si, pede a Deus que o mate e ao diabo que o carregue! Não exponha a sua boa reputação! Veja que sou um rapaz; a um rapaz nada fica mal...
INÊS — O senhor, um rapaz?! O senhor é um velho muito idiota e muito impertinente!
Linha 76 ⟶ 95:
INÊS — É abominável! Irra!
ISAÍAS — Água mole em pedra dura, tanto
INÊS — Repugnante!
Linha 86 ⟶ 105:
ISAÍAS — O futuro a Deus pertence!
INÊS — Há alguém que me estima deveras...
ISAÍAS — Esse alguém (Naturalmente.) sou eu.
Linha 94 ⟶ 113:
ISAÍAS — Quem conta um conto acrescenta um ponto...
INÊS — Esse alguém é um moço
ISAÍAS — Quem elogia a noiva...
INÊS — O senhor
ISAÍAS — Quem desdenha quer comprar...
Linha 104 ⟶ 123:
INÊS — Comprar! Um homem tão feio!...
ISAÍAS — Feio
INÊS (Sentando-se.) Deus me livre de semelhante marido!
ISAÍAS — Presunção e água benta cada qual toma a que quer... (Senta-se também.)
INÊS (Erguendo-se.) — Ah, o senhor senta-se? Dispõe-se a ficar!
Meu Deus, isto foi um mal que me entrou pela porta!
ISAÍAS (Sempre impassível.) — Há males que vêm para bem.
INÊS — Temo-la travada. ISAÍAS — Venha sentar-se a meu lado. (Vendo que Inês senta-se longe dele.) Se não quiser, vou eu... (Dispõe-se a aproximar a cadeira.) INÊS —
ISAÍAS (Chegando mais a cadeira.) — O que não tem remédio, remediado está.
Linha 116 ⟶ 145:
INÊS (Afastando a sua.) — O que mais deseja?
ISAÍAS —
INÊS — Não entendo.
Linha 136 ⟶ 165:
INÊS — Ora!
ISAÍAS (Sentencioso.) — Dois sacos vazios não se
INÊS — Essa teoria parece-se muito com o senhor.
ISAÍAS — Por quê?
INÊS — Porque já caducou também.
ISAÍAS (Formalizado.) — Então eu já caduquei, menina? Isso é mentira.
INÊS — É verdade.
ISAÍAS — Não é.
INÊS — É.
ISAÍAS — Pois se é, nem todas as verdades se dizem. (Ergue-se e passeia.)
INÊS — Ah! o senhor zanga-se? É porque quer; não me viesse dizer tolices! (Ergue-se.)
ISAÍAS (Interrompendo o seu passeio, solenemente.) — Na casa em que não há pão, todos ralham, ninguém tem razão.
INÊS — Ora! somos ainda muito moços!
Linha 148 ⟶ 197:
INÊS — Havemos de trabalhar um para o outro...
ISAÍAS — É bom, é: Deus ajuda a quem
''Canto''
<poem>INÊS — Sem desgosto viveremos,
Seremos ricos, talvez;
Muitos morgados teremos...
ISAÍAS — Mas um só de cada vez...
(Zangado.) A faceira
Talvez convidar-me queira
Para padrinho de algum!</poem>
INÊS — E não suponha que, apesar de pobre, não me faça bonitos presentes o meu noivo.
Linha 156 ⟶ 216:
INÊS — Insulta-o?
ISAÍAS — Cão danado, todos a ele! Pois eu havia de insultá-lo, senhora?
INÊS — Se estivesse calado...
ISAÍAS — Sim, senhora: em boca fechada não
INÊS — Muito obrigada. (Senta-se.)
ISAÍAS — Não há de quê. Se bem que eu não
INÊS — Mesmo por já estar no caso de me dar conselhos, é que o não quero para marido.
ISAÍAS — Se eu fosse jovem, não me havia de aceitar, por estar no caso de os receber. Preso por ter cão e preso por não ter!...
INÊS — Não desejo enviuvar de novo...
ISAÍAS — Vaso ruim não quebra...
INÊS — Desengane-se, senhor: não são os seus ditados que me hão de fazer mudar de resolução (Passeia.) Oh!
ISAÍAS — (Acompanhando-a.) — Talvez façam, talvez!... Devagar se vai ao longe... muito tolo é quem se cansa... (Inês volta-se, param defronte um do outro.) Menina, antes só do que mal acompanhado... Olhe que o pior cego é aquele que não quer ver...
INÊS (À parte.) — Vou pregar-lhe uma peta. (Alto.) Mas se me faltasse este noivo, outros rapazes há que me têm feito pé-de-alferes.
ISAÍAS — Águas passadas não movem moinhos!
Linha 185 ⟶ 253:
ISAÍAS — O prometido é devido!
INÊS — Ai, mau!... se esqueceu da promessa que me havia feito; mas que
ISAÍAS — Cesteiro que faz um cesto, faz um cento... (Movimento de Inês. Com força.) Se tiver verga e tempo! E quem é esse... ricaço?
Linha 193 ⟶ 261:
ISAÍAS — Segredo em boca de mulher é manteiga em nariz... (A um gesto de Inês.) de homem! Mas faz bem, faz bem: o segredo é a alma do negócio...
INÊS — O senhor tem na cabeça um
ISAÍAS — O que abunda não prejudica.
INÊS — Bem! Para maçadas basta.
ISAÍAS — Os incomodados é que se mudam.
Linha 205 ⟶ 273:
ISAÍAS — Descobriu mel de pau!
INÊS — Irra! Que homem sem-vergonha!
ISAÍAS (Examinando cinicamente a costura.) — Quem não tem vergonha todo o mundo é seu.
INÊS — Se o meu noivo o visse aqui! Ele, que jurou
ISAÍAS — Cão que ladra não morde... E eu sou homem!... tenho força... E contra a força não há resistência!...
INÊS (Irônica.) — Ora, por quem é, não faça mal
ISAÍAS — Faço!... Quem o seu inimigo poupa às mãos lhe morre. Julga que não estou falando sério? Uma coisa é ver e outra...
INÊS (No mesmo.) — Ora, não faça
ISAÍAS — Faço! isto
INÊS — Mas
ISAÍAS — Também eu sou! Cá e lá más fadas há! Duro com duro não faz bom muro, e dois bicudos não se beijam!
INÊS —
ISAÍAS — E eu tenho que fazer
INÊS — Ai, ai, ai!...
ISAÍAS — Eu também acho, e feliz é o doente que se conhece. Mas muitas vezes as aparências enganam e o hábito não faz o monge.
Experimente e verá. (Suplicante.) Case comigo. INÊS — Gentes!
ISAÍAS — Ah! se
INÊS (Arremedando-o.) —
ISAÍAS — Conforme o serviço: ponha os pontos nos ii.
INÊS — Se me fosse comprar três metros de
ISAÍAS — Sei; mas quando não soubesse? Quem tem boca vai a Roma.
INÊS — Está contrariado?
ISAÍAS — O que vai por gosto regala a vida.
INÊS — Tome o dinheiro.
Linha 252 ⟶ 326:
[INÊS]
INÊS — Estás bem aviado... Quando
===CENA V===
INÊS, O CARTEIRO
O CARTEIRO — Boa-tarde, minha senhora.
INÊS — Boa-tarde. O que deseja?
O CARTEIRO — Aqui tem esta carta... é da caixa urbana...
INÊS — Uma carta? (Recebendo a carta, consigo.) De quem será? (Ao carteiro.) Obrigada.
O CARTEIRO — Não há de quê, minha senhora. Passe muito bem!
INÊS — Adeus. (O carteiro sai.)
===CENA VI===
[INÊS]
INÊS — Ah! a letra é de Filipe. Faz bem em escrever-me o ingrato! Há doze dias que nos não vemos... (Abre a carta e lê. Jogo de fisionomia.) “Inês. Peço-te perdão por ter dado causa a que perdesses comigo o teu tempo. Ofereceram-me um casamento vantajoso, e não soube recusar. Ainda uma vez perdão! Falta-me o ânimo para dizer-te mais alguma coisa. Dentro em uma semana estarei casado. Esquece-te de mim — Filipe.” (Declamando.) Será possível! Oh! meu Deus! (Relendo.) Sim... cá está... é a sua letra... (Depois de ter ficado pensativa um momento.) Ora, adeus! Eu também não gostava dele lá essas coisas... Digo mais, antes o Isaías; é mais velho, mais sensato, tem dinheiro a render, e Filipe acaba de me provar que o dinheiro é tudo nestes tempos. Espero aqui o Isaías com o meu “sim” perfeitamente engatilhado! Oh! o dinheiro...
''Recitativo''
<poem>
Louro dinheiro, soberano esplêndido,
Força, Direito, Rei dos reis, Razão.
Que ao trono teu auriluzente e fúlgido
Meus pobres hinos proclamar-te vão.
Do teu poder universal, enérgico,
Ninguém se atreve a duvidar! Ninguém!
Rígida mola desta imensa máquina,
Fácil conduto para o eterno bem!
Aos teus acenos, Deus antigo e déspota,
Aos teus acenos, Deus moderno e bom,
Caem virtudes e se exaltam vícios!
Todos te almejam, precioso dom!
Inda hás de ser o derradeiro ídolo,
Inda hás de ser a só religião,
Louro dinheiro, soberano esplêndido,
Força, Direito, Rei dos reis, Razão!...
</poem>
===CENA VII===
INÊS, ISAÍAS
ISAÍAS (Entrando.) — Quem canta seus males espanta.
INÊS — Já de volta! O senhor foi a correr!
ISAÍAS — Nada! quem corre cansa. Encontrei outro armarinho mais perto.
Linha 268 ⟶ 382:
INÊS (Tomando a fazenda.) — Muito obrigada. Quanto custou?
ISAÍAS — Um pau por um olho.
INÊS — Pois olhe: o outro vende mais barato.
ISAÍAS — O barato sai caro, e mais vale um gosto do que quatro vinténs.
INÊS —
ISAÍAS
INÊS — Já vejo que é tão pródigo de dinheiro como de anexins!
ISAÍAS
''Canto''
<poem>
Hei sido um gato-sapato;
Preciso do casamento!
O maldito celibato
Não é viver, é tormento.
Quero honesta rapariga
Entre as belas procurar,
Muito embora o mundo diga:
Quem já andou não tem pra andar...
A existência de casado
Talvez venturas me traga,
Se diz verdade o ditado:
Amor com amor se paga.
Se eu for constante e fervente,
Ela tudo isso será;
Se eu amá-la eternamente,
Ela também me amará!
Eu escravo e a esposa escrava,
Viveremos sem desgosto;
Uma mão a outra lava
E ambas lavam o rosto!...
</poem>
Faço-lhe pela milésima vez o meu pedido. Nem todos os dias há carne gorda. A senhora falou-me em um apaixonado. Por onde andará ele? Eu estou aqui, e mais vale um pássaro na mão do que dois a voar.
INÊS (À parte.) — Levemos a coisa com jeito. (Alto.) O senhor... (Com uma idéia.) Ah!
Linha 288 ⟶ 432:
INÊS — Já viu representar As pragas do Capitão?
ISAÍAS — Não, senhora. De pragas
INÊS — Era um militar que praguejava muito. A senhora que ele amava
ISAÍAS — Falo em alhos, e a senhora responde com bugalhos!
INÊS
ISAÍAS (Impetuosamente.) — Aceita?
Linha 310 ⟶ 454:
ISAÍAS — Sem praguejar?...
INÊS — Não! Sem dizer um anexim! Se o conseguir, é sua a minha mão.
ISAÍAS — Deveras?
INÊS (Sentando-se.) — Deveras.
ISAÍAS — Mas eu posso estar calado?
INÊS — Como assim?! Era o que faltava!
ISAÍAS — Isso é um pouco difícil: o costume faz lei...
INÊS — Ai,
ISAÍAS — Pois o que quer? a continuação do cachimbo...
INÊS —
ISAÍAS — Nas três o diabo as fez.
INÊS — Ai, ai, ai!
ISAÍAS — Mas não tínhamos ainda entrado em campo... Aqueles foram ditos de propósito. Agora sim! Agora é que são elas!
Linha 335 ⟶ 483:
INÊS — O senhor vai perder... Olhe: são duas horas. (Aponta para um relógio que deve estar sobre a mesa.) Aceita o desafio? (Pausa.) Bem. Quem cala consente...
ISAÍAS — Ah! agora é a senhora quem os diz! Virou-se o feitiço contra o feiticeiro...
INÊS — Ai, ai!
Linha 343 ⟶ 489:
ISAÍAS — Foi engano.
INÊS — Dos enganos comem os escrivães. (Pausa.) Então? Diga alguma coisa...
ISAÍAS — O que
INÊS — Pois diga: vai tantas vezes o cântaro à fonte, que lá fica.
Linha 363 ⟶ 509:
ISAÍAS — Vou saber.
INÊS — Diga o que quiser! Abra a torneira dos anexins, ditados, rifões, sentenças, adágios e provérbios... Fale, fale para aí!
ISAÍAS — E a condição?
INÊS
ISAÍAS (Contente.) — Minha! (Em outro tom.) E os outros?
Linha 373 ⟶ 519:
INÊS — Não existem, nunca existiram!
ISAÍAS —
INÊS — Está bem acordado.
Linha 381 ⟶ 527:
INÊS (Gritando.) — Alto lá! Mais amor e menor confiança!
ISAÍAS —
INÊS — Quantos quiser!
ISAÍAS (Concluindo.) —... se lambuza! (Tomando-lhe as mãos.) E tu?
INÊS — Sossegue: o amor virá depois. Seja bom marido e deixe o barco andar!
Linha 393 ⟶ 539:
INÊS — E tenha sempre muita fé nos seus anexins.
ISAÍAS — É verdade: O que tem de ser
INÊS — Basta!
ISAÍAS — Quem tem boca não manda... cantar. Mas, enfim... (Ao público.)
''Copla final''
<poem>
Antes que daqui nos vamos,
Inês vos dirá quais são
Os votos que alimentamos
No fundo do coração.
INÊS — Os votos que neste instante
Fazemos nestes confins
(Deita a mão sobre o coração.)
É que nos ameis bastante
Embora por anexins.
AMBOS — Muitas palmas esperamos
Linha 402 ⟶ 563:
(Cai o pano.)
[[Categoria:1872]]
[[Categoria:Artur de Azevedo]]
[[Categoria:Teatro brasileiro]]
|