Libelo republicano: diferenças entre revisões

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|notas= Bahia: Typ. e Encadernação do “Diário da Bahia”, 1899
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== Libelo republicano acompanhado de comentários sobre a campanha de Canudos por Wolsey (pseudônimo de Cezar Zama)==
 
''O povo que não tem um sentimento vivo e enérgico do seu direito, não saberá defender a sua independência e liberdade.''(Ihering)
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Os ódios passarão, e restar-nos-há a tranqüilidade da consciência, que não abandona jamais os que cumprem um dever. “Quia non in solo pane vivil homo, sed in omni Dei verbo.”
Os poderosos do dia não nos intimidam; só tememos AQUELE que nos pode matar a alma.
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A paixão da honra não envelhece, nem passa pelas vicissitudes, que afetam o corpo. O sentimento da dignidade rejuvenesce os velhos, que devem servir de exemplo à mocidade.
Quando sob o comando de Breno os gauleses se apoderaram de Roma, contemplavam tomados de admiração e espanto os senadores romanos, que se conservavam sentados em suas cadeiras curuis trajando as vistosas vestes de seu cargo no vestíbulo dos palácios, que habitavam e que deixaram abertos. Pareciam deuses ou estátuas de deuses, diz Tito Lívio; um dos invasores, porém, menos tímido, ou mais curioso, ousou puxar a longa barba branca de Marco Papírio: o indiscreto e temerário bárbaro caiu logo fulminado pelo cetro de marfim, que empunhava o velho. O sentimento da dignidade vibrara o golpe mortal. Que lhe importava a morte, contanto que morresse de pé?
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Grandes criminosos podem passar impunes sobre a face da terra: a Justiça Divina, porém, os aguarda. Quanto mais esta se demorar, tanto mais grave será o castigo.
Cada um será rigorosamente julgado segundo suas obras.
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Nesta vasta região, que no passado constituía o império do Brasil, tão generosamente dotada pela Mão Divina de todas as riquezas naturais imagináveis, tudo é grande, exceto o homem!
Dar-se-á que para ensinamento e como provação nossa a Providência reunisse e amontoasse sobre as classes que se arrogaram o privilégio exclusivo de governar a nação, todas as baixezas, que pode conter o coração humano?
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Em gravíssimas faltas deve ter incorrido o povo brasileiro para estar passando por tão dura expiação.
Dez longos anos de desastres e desgraças!...
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Digamos sem rebuço a verdade. O movimento revolucionário de 15 de Novembro não foi obra do exército e da armada.
A maioria destas corporações não o preparou; mas sim um punhado de jovens sonhadores e bravos com alguns oficiais, como eles, que entendiam que só com o regímen republicano o Brasil seria livre. Nobres eram os intuitos, que os impeliam; a monarquia cedeu sem resistir. O resto, com a nação ingênua e bestificada aceitou o fato consumado.
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_Do Amazonas ao Prata...!”
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Por que tudo isso aconteceu? O Provisório deixou de ser o representante dos altos interesses nacionais para ser o protetor de interesses individuais, alguns até inconfessáveis.
“O crime que nós toleramos, (escreveu notável publicista) o erro em que persistimos cientemente, todo o mal, de que por nosso silêncio, ou covardia moral nos tornamos cúmplices, tem repercussões inevitáveis no tempo e no espaço.
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Nem uma só das esperanças, que alimentavam os republicanos sinceros e honestos, realizou-se!
Um decênio inteiro de decepções sucessivas.
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Saldanha Marinho entristecido exclamava coram populo “Esta com certeza não era a república que eu aspirava”.
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Era esse mesmo ex-ministro e senador, que já não pertence ao número dos vivos, que referindo-se à situação, que sucedeu ao Provisório, escrevia para um órgão de publicidade de S. Paulo: “Esta situação gravita para a lama; serve-se dos trapos os mais imprestáveis do império, e cerca-se de gente que muito honradamente podia habitar os nossos presídios militares.”
Chamassem-no embora – o injusto, o feroz. Há todavia uma verdade que ninguém ousará contestar: Aristides Lobo entrou pobre para o governo, e saiu como entrou.
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Nas repúblicas democráticas o povo é o soberano, de direito e de fato; a ele, a última palavra sobre os públicos negócios. A soberania nacional é um dogma inviolável e sagrado.
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Que outros títulos, porém, podem ter valor perante o árbitro supremo dos nossos destinos – o invicto e invencível bico de pena?
Um governo assim é a mais detestável máquina de opressão, que se possa imaginar. A calmaria podre, que ele consegue obter pelos recursos criminosos que emprega, é pior e mais temerosa, do que todos os excessos da revolução.
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Os povos fortes e enérgicos castigam com as armas os que transformam o poder público em instrumento de tirania. Os fracos servem-se do ridículo, que também mata pelo desprezo.
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Exemplo, que não souberam imitar os presidentes dos dois ramos do poder legislativo da Bahia. Nas respectivas secretarias um acomoda o filho: o outro, o genro e sobrinho.
Terra infeliz! Em que as rendas públicas tornaram-se propriedade de alguns indivíduos...
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Em política uma falta é mais que um crime, dizia Talleyrand.
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É mister voltarmos aos moldes eleitorais da lei de 9 de janeiro de 1881.
E. Vacherot, em seu notável Estudo sobre a Democracia, dá ao sufrágio universal a justa medida de seu valor, quando diz: “O sufrágio universal é impraticável em seu pleno e livre exercício, enquanto a educação política do povo não estiver feita. Um governo despótico, ou ditatorial pode empregá-lo aos seus fins, dirigindo-o com o favor do silêncio da imprensa independente e o ruído da imprensa servil, ou devotada.”
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O honrado presidente da República, como todos os brasileiros de coração está sentindo e sofrendo as conseqüências fatais desse erro funesto.
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Como nós, já o nobre presidente da República trabalha e clama pela verdade eleitoral.
Há realmente mérito em reconhecer e confessar a falta cometida; isto, porém, não basta; cumpre repará-la empregando para chegar ao fim todos os meios humanamente possíveis.
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A heróica e infeliz Espanha acaba de perder o maior e o mais eloqüente de seus oradores. O mundo civilizado lamentou com razão o passamento de E. Castellar: era um republicano sem jaça. Para republicanos sinceros a sua autoridade moral será sempre de inestimável valor. Fale por nós o grande morto:
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Donde se levanta a tempestade? Todos o sentem; todos o percebem. É mister conjurá-la.
Solus reipublicæ suprema lex est.
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A situação da quase totalidade dos Estados da União é deplorável: finanças avariadas, e seus habitantes divididos em vencedores e vencidos. Estes têm sede e fome de justiça. Os vencedores negam-lhes pão, água, ar e luz.
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Os criminosos reais ficaram em sua maioria impunes, e os jornais da terra noticiaram que muitos deles foram incluídos no 5º corpo de polícia, que se organizara para a campanha de Canudos.
Só nestes tempos calamitosos e sob um governo de tal jaez se arrancam das cadeias públicas criminosos para fazê-los envergar a farda de mantenedores da ordem e defensores das instituições!
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A guerra de Canudos foi o requinte da perversidade humana.
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Rudes, ignorantes, fanáticos talvez pelo seu chefe, que reputavam santo, não se preocupavam absolutamente de política.
Antonio Conselheiro porém confessava-se monarquista. Era seu direito, direito sagrado, que ninguém podia contestar em um regímen republicano democrático. Não há ato algum por sua parte ou dos seus que fizesse ao menos presumir que ele tentasse contra o governo da República.
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Somos justos. Pela vasta celebração do grande estadista que tanto tem felicitado a Bahia, nunca passou a idéia de que seu plano de conquista eleitoral tivesse as conseqüências que teve.
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Por seu lado, Antonio Conselheiro incutia-lhes no espírito que tinha poderes para garantir a salvação eterna aos que morressem por arma de fogo, mas não aos que perecessem por ferro frio.
Daí duas conseqüências: – as guerrilhas, ou, diremos melhor, a caçada de homens, e o horror pela degolação, gênero único de morte, que temiam.
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Continuava em exercício o Vice-Presidente.
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Entretanto, ao passo que nas regiões oficiais rejubilavam-se previamente pelo êxito feliz desta expedição, e elemento popular, como se um espírito profético o inspirasse, predizia e anunciava o fim que teve!
Não faltou mesmo quem o atribuísse ao dedo da Providência.
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Enquanto estes fatos se passavam na Bahia, o presidente efetivo reassumia o exercício de seu cargo. O “santo varão”, no dizer de um dos órgãos de publicidade do Rio de Janeiro, não possuía o talento brilhante do seu substituto; não era, como ele, uma sumidade médica e cirúrgica; mas um bacharel formado em ciências jurídicas e sociais e porventura a maior notabilidade forense de Piracicaba. Em assuntos políticos e administrativos, porém, devia mostrar-se menos desorientado do que o ilustre professor na Faculdade de Medicina da Bahia.
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Era mais que anormal o que se passava na Bahia: uma povoação de mais de vinte mil almas defendia – unguibus et rostris – o seu direito de vida e propriedade contra um governo, audaz, prepotente e sem a menor noção de seus deveres.
O governo da União não se deu ao trabalho de inquirir de cousa alguma, esquecendo até o que devia à humanidade e às luzes do século.
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O Sr. Prudente de Moraes, não obstante a desinteligência, em que se achava com o vice-presidente, encampou in totum a política deste para a Bahia e tornou-se co-réu do monstruoso atentado, que a posteridade registrará como mais negro borrão da nossa história.
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Pois bem: na cena 2ª do 2º ato desse drama o autor põe na boca do protagonista frases, que muito bem lhe podem ser aplicadas: quem nos assegura que uma voz semelhante à que ouvira Macbett não lhe tenha mais de uma vez ferido os ouvidos?... “Prudente, não mais dormirás!”
A consciência do ilustre paulista ainda não está calejada pelo hábito do crime, como a de seu co-réu.
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O ardor belicoso do chefe da União não arrefeceu.
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Magnânimo e humanitário terceto! Como o Juiz de paz da roça, aqueles três fatores formidáveis de tamanhas crueldades e desgraças, sem a menor cerimônia, revogavam o Estatuto fundamental da república, esquecidos ainda os preceitos do Divino Mestre, cuja religião professamos.
Vem de molde citar aqui, com endereço a quem competir a resposta de um general francês ao seu soberano: Depois do morticínio de S. Bartolomeu, Carlos 9º escreveu a todos os governadores das províncias ordenando-lhes o extermínio dos huguenotes. O visconde d’Ortes que comandava em Bayonna, respondeu ao rei: “Sire, entre os bons cidadãos, bravos soldados, não encontrei um só carrasco; assim eles e eu suplicamos a V. Majestade a graça de empregar nossos braços e nossas vidas com coisas praticáveis.”
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Na última fase da campanha de Canudos não há, no rigor do termo, operação militar, ou feito d’armas digno de nota especial.
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O general em chefe mostrara-se cauteloso; até no local em que assentou o seu quartel-general, demonstrou a sua prudência.
Imitar Caxias, Osório, Porto Alegre, Itaparica, Floriano, Deodoro, Moreira César, Thompson Flores e outros não é para todos. Acresce que um chefe deve resguardar-se sempre do perigo.
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Na linguagem humana não há termos bastante enérgicos, em que se possa narrar os sofrimentos, as privações e misérias, por que passaram soldados e oficiais durante os longos meses, que ainda durou a campanha.
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Os conselheiristas, rudes, ignorantes e fanatizados não tinham medo do fuzilamento; encaravam-no impávidos e com soberano desprezo: era para eles a salvação eterna; o degolamento porém inspirava-lhes profundo terror; por isto mesmo foi proferido este processo de supliciá-los.
Corações compassivos... almas cristãs!
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Canudos tinha chegado à última extremidade; impossível era aos sitiados a resistência por mais tempo. O espetáculo, que oferecia o arraial, não se descreve.
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Beatinho e todos os infelizes, que o acompanharam, sem exceção de um só, foram friamente degolados!!
Atrocidades tais não se descrevem, nem se comentam. O opróbrio não recai somente em seus autores: reflete sobre a nação inteira.
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É possível porém que haja algum espírito cético, a quem repugne crer em semelhante monstruosidade. A este e outros de quilate igual recomendamos a leitura atenta do documento histórico que abaixo inserimos.
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O missivista debalde põe em contribuição todo o seu talento e habilidade e ainda afeição ao general em chefe para disfarçar, ou atenuar os horrores que descreve.
Nessa carta fala ainda ele em remessa de prisioneiros feitos depois do assalto. Nem um só destes apareceu em parte alguma! Todos tiveram sorte igual à de Beatinho.
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Os que conceberam, iniciaram e levaram ao fim a campanha de Canudos conseguiram apenas os seguintes tristes e lamentáveis resultados:
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A capital federal e S. Paulo cercaram de homenagens a mais chata e funesta mediocridade, que tem passado pelas regiões do poder. É que a consciência nacional está tomada de torpor e marasmo. Com o despertar da alma popular virá a justiça.
Canudos, na vida da República, foi rico manancial de onde os exploradores sem entranhas hauriram proventos e grandezas, com que não contavam. Eles aí andam fartos e contentes: acabarão tranqüilos?
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Antonio Conselheiro era um desequilibrado, um fanático, dizem; mas não servia aos partidos: nós o temos na conta de um crente, cujo espírito vivia em um sonho perene entre os labores da terra e as esperanças de céu: trabalhava, orava e predicava.
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Quando estiver paga a dívida de expiação, a alma popular despertará, sacudida pela mão de Deus: os fracos tornar-se-ão fortes; os escravos erguer-se-ão à altura dos senhores; o causador da miséria e do aviltamento da Bahia receberá o salário que lhe cabe.
Então, é bem possível que o espectro de Canudos, gotejando sangue, leve-o a por os olhos no céu suplicando-lhe o perdão de todos os males, que espalhou na terra que ele devia amar e respeitar.
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É quase inacreditável o que se passa na Bahia. A fome, a seca, a peste e a guerra completaram a obra da perversidade humana.
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Outrora os homens públicos não se preocupavam de aumentar suas rendas e cabedais. O desideratum de todos era a pátria grande, próspera, feliz e respeitada. Hoje este vocábulo para muitos não tem significação: estes, como todos os que perdem o senso moral, já não têm outro objetivo senão enriquecer: afastados da sociedade sã e da religião, o ouro tornou-se o soberano de suas almas.
Os que ainda não perderam as noções da dignidade política sentem indefinível angústia ante a subversão completa da ordem moral, que vai por aí além.
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Corrompere et corrumpi – tem sido o programa do governo da Bahia; é de tal ordem que, não há muito, um antigo e acreditado órgão do jornalismo baiano, fora inteiramente da arena partidária, inseria em suas colunas editoriais as seguintes linhas, que bem revelam o que vai pelas regiões oficiais: