Libelo republicano: diferenças entre revisões

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|notas= Bahia: Typ. e Encadernação do “Diário da Bahia”, 1899. Com numeração das seções acrescentadas posteriormente.
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<center>'''Libelo republicano acompanhado de comentários sobre a campanha de Canudos'''</center>
 
 
''O povo que não tem um sentimento vivo e enérgico do seu direito, não saberá defender a sua independência e liberdade.''
(Ihering)
 
===I===
Esta página histórica não é o produto do interesse individual, ou da paixão partidária a incitar-nos a pena; do cenário político de nosso país nos retiramos de vez; é, porém, um tributo à verdade, onde povos e reis para não deixarem triste lembrança de sua passagem pela vida devem procurar luz e força.
 
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Os ódios passarão, e restar-nos-há a tranqüilidade da consciência, que não abandona jamais os que cumprem um dever. “Quia non in solo pane vivil homo, sed in omni Dei verbo.”
Os poderosos do dia não nos intimidam; só tememos AQUELE que nos pode matar a alma.
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===II===
A paixão da honra não envelhece, nem passa pelas vicissitudes, que afetam o corpo. O sentimento da dignidade rejuvenesce os velhos, que devem servir de exemplo à mocidade.
 
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Cada um será rigorosamente julgado segundo suas obras.
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===III===
Nesta vasta região, que no passado constituía o império do Brasil, tão generosamente dotada pela Mão Divina de todas as riquezas naturais imagináveis, tudo é grande, exceto o homem!
 
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Dez longos anos de desastres e desgraças!…
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===IV===
Digamos sem rebuço a verdade. O movimento revolucionário de 15 de Novembro não foi obra do exército e da armada.
 
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===V===
Por que tudo isso aconteceu? O Provisório deixou de ser o representante dos altos interesses nacionais para ser o protetor de interesses individuais, alguns até inconfessáveis.
 
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Um decênio inteiro de decepções sucessivas.
 
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===VI===
Saldanha Marinho entristecido exclamava coram populo “Esta com certeza não era a república que eu aspirava”.
 
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Chamassem-no embora — o injusto, o feroz. Há todavia uma verdade que ninguém ousará contestar: Aristides Lobo entrou pobre para o governo, e saiu como entrou.
 
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===VII===
Nas repúblicas democráticas o povo é o soberano, de direito e de fato; a ele, a última palavra sobre os públicos negócios. A soberania nacional é um dogma inviolável e sagrado.
 
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Um governo assim é a mais detestável máquina de opressão, que se possa imaginar. A calmaria podre, que ele consegue obter pelos recursos criminosos que emprega, é pior e mais temerosa, do que todos os excessos da revolução.
 
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===VIII===
Os povos fortes e enérgicos castigam com as armas os que transformam o poder público em instrumento de tirania. Os fracos servem-se do ridículo, que também mata pelo desprezo.
 
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Terra infeliz! Em que as rendas públicas tornaram-se propriedade de alguns indivíduos…
 
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===IX===
Em política uma falta é mais que um crime, dizia Talleyrand.
 
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E. Vacherot, em seu notável ''Estudo sobre a Democracia'', dá ao sufrágio universal a justa medida de seu valor, quando diz: “O sufrágio universal é impraticável em seu pleno e livre exercício, enquanto a educação política do povo não estiver feita. Um governo despótico, ou ditatorial pode empregá-lo aos seus fins, dirigindo-o com o favor do silêncio da imprensa independente e o ruído da imprensa servil, ou devotada.”
 
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===X===
O honrado presidente da República, como todos os brasileiros de coração está sentindo e sofrendo as conseqüências fatais desse erro funesto.
 
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Há realmente mérito em reconhecer e confessar a falta cometida; isto, porém, não basta; cumpre repará-la empregando para chegar ao fim todos os meios humanamente possíveis.
 
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===XI===
A heróica e infeliz Espanha acaba de perder o maior e o mais eloqüente de seus oradores. O mundo civilizado lamentou com razão o passamento de E. Castellar: era um republicano sem jaça. Para republicanos sinceros a sua autoridade moral será sempre de inestimável valor. Fale por nós o grande morto:
 
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''Solus reipublicæ suprema lex est''.
 
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===XII===
A situação da quase totalidade dos Estados da União é deplorável: finanças avariadas, e seus habitantes divididos em vencedores e vencidos. Estes têm sede e fome de justiça. Os vencedores negam-lhes pão, água, ar e luz.
 
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Só nestes tempos calamitosos e sob um governo de tal jaez se arrancam das cadeias públicas criminosos para fazê-los envergar a farda de mantenedores da ordem e defensores das instituições!
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===XIII===
A guerra de Canudos foi o requinte da perversidade humana.
 
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Antonio Conselheiro porém confessava-se monarquista. Era seu direito, direito sagrado, que ninguém podia contestar em um regímen republicano democrático. Não há ato algum por sua parte ou dos seus que fizesse ao menos presumir que ele tentasse contra o governo da República.
 
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===XIV===
Somos justos. Pela vasta celebração do grande estadista que tanto tem felicitado a Bahia, nunca passou a idéia de que seu plano de conquista eleitoral tivesse as conseqüências que teve.
 
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Daí duas conseqüências: — as guerrilhas, ou, diremos melhor, a caçada de homens, e o horror pela degolação, gênero único de morte, que temiam.
 
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===XV===
Continuava em exercício o Vice-Presidente.
 
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Não faltou mesmo quem o atribuísse ao dedo da Providência.
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===XVI===
Enquanto estes fatos se passavam na Bahia, o presidente efetivo reassumia o exercício de seu cargo. O “santo varão”, no dizer de um dos órgãos de publicidade do Rio de Janeiro, não possuía o talento brilhante do seu substituto; não era, como ele, uma sumidade médica e cirúrgica; mas um bacharel formado em ciências jurídicas e sociais e porventura a maior notabilidade forense de Piracicaba. Em assuntos políticos e administrativos, porém, devia mostrar-se menos desorientado do que o ilustre professor na Faculdade de Medicina da Bahia.
 
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O governo da União não se deu ao trabalho de inquirir de cousa alguma, esquecendo até o que devia à humanidade e às luzes do século.
 
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===XVII===
O Sr. Prudente de Moraes, não obstante a desinteligência, em que se achava com o vice-presidente, encampou ''in totum'' a política deste para a Bahia e tornou-se co-réu do monstruoso atentado, que a posteridade registrará como mais negro borrão da nossa história.
 
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A consciência do ilustre paulista ainda não está calejada pelo hábito do crime, como a de seu co-réu.
 
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===XVIII===
O ardor belicoso do chefe da União não arrefeceu.
 
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Vem de molde citar aqui, com endereço a quem competir a resposta de um general francês ao seu soberano: Depois do morticínio de S. Bartolomeu, Carlos 9º escreveu a todos os governadores das províncias ordenando-lhes o extermínio dos huguenotes. O visconde d’Ortes que comandava em Bayonna, respondeu ao rei: “Sire, entre os bons cidadãos, bravos soldados, não encontrei um só carrasco; assim eles e eu suplicamos a V. Majestade a graça de empregar nossos braços e nossas vidas com coisas praticáveis.”
 
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===XIX===
Na última fase da campanha de Canudos não há, no rigor do termo, operação militar, ou feito d’armas digno de nota especial.
 
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Imitar Caxias, Osório, Porto Alegre, Itaparica, Floriano, Deodoro, Moreira César, Thompson Flores e outros não é para todos. Acresce que um chefe deve resguardar-se sempre do perigo.
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===XX===
Na linguagem humana não há termos bastante enérgicos, em que se possa narrar os sofrimentos, as privações e misérias, por que passaram soldados e oficiais durante os longos meses, que ainda durou a campanha.
 
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Corações compassivos… almas cristãs!
 
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===XXI===
Canudos tinha chegado à última extremidade; impossível era aos sitiados a resistência por mais tempo. O espetáculo, que oferecia o arraial, não se descreve.
 
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Atrocidades tais não se descrevem, nem se comentam. O opróbrio não recai somente em seus autores: reflete sobre a nação inteira.
 
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===XXII===
É possível porém que haja algum espírito cético, a quem repugne crer em semelhante monstruosidade. A este e outros de quilate igual recomendamos a leitura atenta do documento histórico que abaixo inserimos.
 
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Nessa carta fala ainda ele em remessa de prisioneiros feitos depois do assalto. Nem um só destes apareceu em parte alguma! Todos tiveram sorte igual à de Beatinho.
 
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===XXIII===
Os que conceberam, iniciaram e levaram ao fim a campanha de Canudos conseguiram apenas os seguintes tristes e lamentáveis resultados:
 
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Canudos, na vida da República, foi rico manancial de onde os exploradores sem entranhas hauriram proventos e grandezas, com que não contavam. Eles aí andam fartos e contentes: acabarão tranquilos?
 
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===XXIV===
Antonio Conselheiro era um desequilibrado, um fanático, dizem; mas não servia aos partidos: nós o temos na conta de um crente, cujo espírito vivia em um sonho perene entre os labores da terra e as esperanças de céu: trabalhava, orava e predicava.
 
Linha 859 ⟶ 851:
 
Então, é bem possível que o espectro de Canudos, gotejando sangue, leve-o a por os olhos no céu suplicando-lhe o perdão de todos os males, que espalhou na terra que ele devia amar e respeitar.
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===XXV===
É quase inacreditável o que se passa na Bahia. A fome, a seca, a peste e a guerra completaram a obra da perversidade humana.
 
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Os que ainda não perderam as noções da dignidade política sentem indefinível angústia ante a subversão completa da ordem moral, que vai por aí além.
 
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===XXVI===
''Corrompere et corrumpi'' tem sido o programa do governo da Bahia; é de tal ordem que, não há muito, um antigo e acreditado órgão do jornalismo baiano, fora inteiramente da arena partidária, inseria em suas colunas editoriais as seguintes linhas, que bem revelam o que vai pelas regiões oficiais:
 
“Pobres ratos, resignai-vos! Antes os homens vos criminem propagadores da peste do que como propagadores da ladroeira. Ele perseguem-vos desde os séculos passados e chegaram até a comparar os gatunos e exploradores com todos vós! Se roubais uma migalha, é porque tendes fome, no entanto eles roubam fortunas, porque têm ambição, que é a fome canina do espírito. Vós temeis os gatos e fugis quando ouvis um miado, indo esconder-vos nos forros das casas, onde ficais mudos e quietos, sem guinchos nem correrias, durante meses. Eles não receiam cousa alguma; pelo contrário, se alguém os acusa, é enxotado logo como se fosse o culpado. Vós passais a existência em sobressaltos, famintos, perseguidos; e eles vivem nédios e contentes, e satisfeitos com a sorte.