Espumas Flutuantes (1913): diferenças entre revisões

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Linha 87:
*[[Sub Tegmine Fagi]]
*[[O Vôo do Gênio]]
*[[O Adeus de TeresaTereza]]
*[[A Volta da Primavera]]
*[[A Maciel Pinheiro]]
Linha 94:
*[[Oitavas a Napoleão]]
*[[Boa-noite]]
<br><b>*[[Adormecida </b>]]
*[[Jesuítas]]
 
*[[Poesia e Mendicidade]]
<BR>&nbsp;
*[[Hino ao Sono]]
<BR>Ses longs cheveux épars la couvrent tout entière
*[[No Álbum do Artista]]
<BR>La croix de son collier repose dans sa main,
*[[Versos a um Viajante]]
<BR>Comme pour témaigner qu'elle a fait sa prière.
*[[Onde Estás]]
<BR>Et qu'elle va la faire en s'éveiliant demain.
*[[A Boa Vista]]
<BR>A DE MUSSET
*[[A uma estrangeira]]
 
*[[Perseverando]]
<BR>&nbsp;
*[[O Coração]]
<BR>Uma noite eu me lembro... Ela dormia
*[[Murmúrios da Tarde]]
<BR>Numa rede encostada molemente...
<BR>Quase aberto o roupão... solto o cabelo
<BR>E o pé descalço do tapete rente.
<BR>'Stava aberta a janela. Um cheiro agreste
 
<BR>Exalavam as silvas da campina...
<BR>E ao longe, num pedaço do horizonte
<BR>Via-se a noite plácida e divina.
<BR>De um jasmineiro os galhos encurvados,
<BR>Indiscretos entravam pela sala,
<BR>E de leve oscilando ao tom das auras
 
<BR>Iam na face trêmulos - beijá-la.
<BR>Era um quadro celeste!... A cada afago
<BR>Mesmo em sonhos a moça estremecia...
<BR>Quando ela serenava... a flor beijava-a...
<BR>Quando ela ia beijar-lhe. . . a flor fugia. . .
<BR>Dir-se-ia que naquele doce instante
 
<BR>Brincavam duas cândidas crianças...
<BR>A brisa, que agitava as folhas verdes,
<BR>Fazia-lhe ondear as negras tranças!
<BR>E o ramo ora chegava ora afastava-se...
<BR>Mas quando a via despeitada a meio,
<BR>P'ra não zangá-la... sacudia alegre
 
<BR>&nbsp;
<BR>Uma chuva de pétalas no seio...
<BR>Eu, fitando esta cena, repetia
<BR>Naquela noite lânguida e sentida:
<BR>"ó flor! -tu és a virgem das campinas!
<BR>"Virgem!-tu és a flor da minha vida!.. ."
 
 
<BR><b>&nbsp;</b>
<BR><b>&nbsp;</b>
<BR><b>&nbsp;</b>
<br><b>Jesuítas </b>
<BR>&nbsp;
<BR>(SÉCULO XIII)
<BR>&nbsp;
<BR>Ó mes frères, je viens vous apporter mon Dieu,
 
<BR>Je viens vous apporter ma tête!
<BR>V. HUGO (Chatiments)
<BR>&nbsp;
<BR>Quando o vento da Fé soprava Europa,
<BR>Como o tufão, que impele ao ar a tropa
<BR>Das águias, que pousavam no alcantil;
 
<BR>Do zimbório de Roma - a ventania
<BR>O bando dos Apost'los sacudia
<BR>Aos cerros do Brasil.
<BR>Tempos idos! Extintos luzimentos!
<BR>O pó da catequese aos quatro ventos
<BR>Revoava nos céus...
 
<BR>Floria após na Índia, ou na Tartária,
<BR>No Mississipi, no Peru, na Arábia
<BR>Uma palmeira - Deus! -
<BR>O navio maltês, do Lácio a vela,
<BR>A lusa nau, as quinas de Castela,
<BR>Do Holandês a galé
 
<BR>Levava sem saber ao mundo inteiro
<BR>Os vândalos sublimes do cordeiro,
<BR>Os átilas da fé.
<BR>Onde ia aquela nau?-Ao Oriente.
<BR>A outra? - Ao pólo. A outra? - Ao ocidente.
<BR>Outra? - Ao norte. Outra? - Ao sul.
 
<BR>E o que buscava? A foca além no pólo;
<BR>O âmbar, o cravo no indiano solo
<BR>Mulheres em 'Stambul.
<BR>Grandes homens! Apóstolos heróicos!...
<BR>Eles diziam mais do que os estóicos:
<BR>"Dor, - tu és um prazer!
 
<BR>"Grelha, -és um leito! Brasa,-és uma gema!
<BR>Cravo, - és um cetro! Chama, - um diadema
<BR>Ó morte, - és o viver!"
<BR>Outras vezes no eterno itinerário
<BR>O sol, que vira um dia no Calvário
<BR>Do Cristo a santa cruz,
 
<BR>Enfiava de vir achar nos Andes
<BR>A mesma cruz, abrindo os braços grandes
<BR>Aos índios rubros, nus.
<BR>&nbsp;
<BR>Eram eles que o verbo do Messias
<BR>Pregavam desde o vale às serranias,
 
<BR>Do pólo ao Equador...
<BR>E o Niagara ia contar aos mares. . .
<BR>E o Chimborazo arremessava aos ares
<BR>O nome do Senhor!...
<BR><b>&nbsp;</b>
<BR><b>&nbsp;</b>
<BR><b>&nbsp;</b>
 
<br><b>Poesia e Mendicidade </b>
<BR>&nbsp;
<BR>(No álbum da Ex.ma Sr.a D. Maria Justina Proença Pereira
Peixoto)
<BR><b>&nbsp;</b>
<BR><b>I
</b>
<BR>&nbsp;
<BR>Senhora! A Poesia outrora era a Estrangeira,
 
<BR>Pálida, aventureira, errante a viajar,
<BR>Batendo em duas portas - ao grito das procelas -
<BR>Ao céu - pedindo estrelas, à terra - um pobre lar!
 
<BR>Visão-de áureos lauréis-porém de manto esquálido,
<BR>Mulher-de lábio pálido-e olhar-cheio de luz.
<BR>Seus passos nos espinhos em sangue se assinalam...
 
 
<BR>E os astros lhe resvalam-à flor dos ombros nus...
<BR><b>&nbsp;</b>
<BR><b>II
</b>
<BR>&nbsp;
<BR>Olhai! O sol descamba... A tarde harmoniosa
<BR>Envolve luminosa a Grécia em frouxo véu.
<BR>Na estrada ao som da vaga, ao suspirar do vento,
 
<BR>De um marco poeirento um velho então se ergueu.
<BR>Ergueu-se tateando... é cego... o cego anseia...
<BR>Porém o que tateia aquela augusta mão?...
<BR>Talvez busca pegar o sol, que lento expira!...
<BR>Fado cruel... mentira!... Homero pede pão!
<BR><b>&nbsp;</b>
 
<BR><b>III
</b>
<BR>&nbsp;
<BR>Mas ai! volvei, Senhora, os vossos belos olhos
<BR>Daquele mar de abrolhos, a um novo quadro! olhai!
<BR>Do vasto salão gótico eu ergo o reposteiro...
<BR>O lar é hospitaleiro... Entrai, Senhora, entrei!
 
<BR>Estamos na média idade. Arnês, gládio, armadura
<BR>Servem de compostura à sala vasta e chã.
<BR>A um lado um galgo esvelto ameiga e acaricia
<BR>A mão suave, esguia - à loura castelã.
<BR>Vai o banquete em meio... O bardo se alevanta
<BR>Pega da lira... canta... uma canção de amor...
 
<BR>Ouvi-o! Para ouvi-lo a estrela pensativa
<BR>Alonga pela ogiva um raio de languor!
<BR>Dos ramos do carvalho a brisa se debruça...
<BR>Na sala alguém soluça... (amor, ou languidez?)
<BR>Súbito a nota extrema anseia, treme, rola...
<BR>Alguém pede uma esmola... Senhora, não olheis!...
 
<BR>&nbsp;
<BR>Assim nos tempos idos a musa canta e pede...
<BR>Gênio e mendigo... vede... o abismo de irrisões!
<BR>Tasso implora um olhar! Vai Ossian mendicante...
<BR>Caminha roto o Dante! e pede pão Camões.
<BR><b>&nbsp;</b>
<BR><b>IV
</b>
 
<BR>&nbsp;
<BR>Bem sei, Senhora, que ao talento agora
<BR>Surgiu a aurora de uma luz amena.
<BR>Hoje há salário p'ra qualquer trabalho
<BR>Cinzel, ou malho, ferramenta ou penal
<BR>Melhor que o Rei sabe pagar o pobre
 
<BR>Melhor que o nobre --protetor verdugo-
<BR>Foi surdo um trono... à maior glória vossa.
<BR>Abre-se a choça aos Miseráveis de Hugo.
<BR>Porém não sei se é por costume antigo,
<BR>Que inda é mendigo do cantor o gênio.
<BR>Mudem-se os panos do cenário a esmo
 
<BR>O vulto é o mesmo... num melhor proscênio...
<BR><b>&nbsp;</b>
<BR><b>V
</b>
<BR>&nbsp;
<BR>Hoje o Poeta - caminheiro errante,
<BR>Que tem saudade de um país melhor
<BR>Pede uma pérola - à maré montante,
 
<BR>Do seio às vagas-pede-um outro amor.
<BR>Alma sedenta de ideal na terra
<BR>Busca apagar aquela sede atroz!
<BR>Pede a harmonia divinal, que encerra
<BR>Do ninho o chilro... da tormenta a voz!
<BR>E o rir da folha, o sussurrar da fala,
 
<BR>Trenos da estrela no amoroso estio.
<BR>Voz que dos poros o Universo exala
<BR>Do céu, da gruta, do alcantil, do rio!
<BR>Pede aos pequenos, desde o verme ao tojo,
<BR>Ao fraco, ao forte... - preces, gritos, uivos...
<BR>Pede das águias o possante arrojo,
 
<BR>Para encontrar os meteoros ruivos.
<BR>Pede à mulher que seja boa e linda
<BR>Vestal de um tipo que o ideal revela...
<BR>Pois ser formosa é ser melhor ainda...
<BR>Se és boa-és luz... mas se és formosa-estrela...
<BR>E pede à sombra p'ra aljofrar de orvalhos
 
<BR>A fronte azul da solidão noturna.
<BR>E pede às auras p'ra afagar os galhos
<BR>E pede ao lírio p'ra enfeitar a fuma.
<BR>Pede ao olhar a maciez suave
<BR>&nbsp;
<BR>Que tem o arminho e o edredom macio,
 
<BR>O aveludado da penugem d'ave,
<BR>Que afaga as plumas no palmar sombrio.
<BR>E quando encontra sobre a terra ingrata
<BR>Um reverbero do clarão celeste,
<BR>-Alma formada de uma essência grata,
<BR>Que a lua - doura, e que um perfume veste;
 
<BR>Um rir, que nasce como o broto em maio;
<BR>Mostrando seivas de bondade infinda,
<BR>Fronte que guarda- a claridade e o raio,
<BR>- Virtude e graça - o ser bondosa e linda...
<BR>Então, Senhora, sob tanto encanto
<BR>Pede o Poeta (que neo tem renome)
 
<BR>-Versos-à brisa p'ra vos dar um canto...
<BR>Raios ao sol - p'ra vos traçar o nome! . . .
<BR><b>&nbsp;</b>
<BR><b>&nbsp;</b>
<BR><b>&nbsp;</b>
<br><b>Hino ao Sono </b>
<BR>&nbsp;
 
<BR>Ó Sono !ó noivo pálido
<BR>Das noites perfumosas,
<BR>Que um chão de nebulosas
<BR>Trilhas pela amplidão!
<BR>Em vez de verdes pâmpanos,
<BR>Na branca fronte enrolas
 
<BR>As lânguidas papoulas,
<BR>Que agita a viração.
<BR>Nas horas solitárias,
<BR>Em que vagueia a lua,
<BR>E lava a planta nua
<BR>Na onda azul do mar,
 
<BR>Com um dedo sobre os lábios
<BR>No vôo silencioso,
<BR>Vejo-te cauteloso
<BR>No espaço viajar!
<BR>Deus do infeliz, do mísero!
<BR>Consolação do aflito!
 
<BR>Descanso do precito,
<BR>Que sonha a vida em ti!
<BR>Quando a cidade tétrica
<BR>De angústia e dor não geme...
<BR>É tua mão que espreme
<BR>A dormideira ali.
 
<BR>Em tua branca túnica
<BR>Envolves meio mundo.
<BR>E teu seio fecundo
<BR>De sonhos e visões,
<BR>Dos templos aos prostíbulos
<BR>Desde o tugúrio ao Paço,
 
<BR>Tu lanças lá do espaço
<BR>Punhados de ilusões!...
<BR>&nbsp;
<BR>Da vide o sumo rúbido,
<BR>Do hatchiz a essência,
<BR>O ópio, que a indolência
 
<BR>Derrama em nosso ser,
<BR>Não valem, gênio mágico,
<BR>Teu seio, onde repousa
<BR>A placidez da lousa
<BR>E o gozo de viver...
<BR>Ó sono! Unge-me as pálpebras..
 
<BR>Entorna o esquecimento
<BR>Na luz do pensamento,
<BR>Que abrasa o crânio meu.
<BR>Como o pastor da Arcádia,
<BR>Que uma ave errante aninha...
<BR>Minh'alma é uma andorinha...
 
<BR>Abre-lhe o seio teu.
<BR>Tu, que fechaste as pétalas
<BR>Do lírio, que pendia,
<BR>Chorando a luz do dia
<BR>E os raios do arrebol,
<BR>Também fecha-me as pálpebras...
 
<BR>Sem Ela o que é a vida?
<BR>Eu sou a flor pendida
<BR>Que espera a luz do sol.
<BR>O leite das eufórbias
<BR>P'ra mim não é veneno...
<BR>Ouve-me, ó Deus sereno!
 
<BR>Ó Deus consolador!
<BR>Com teu divino bálsamo
<BR>Cala-me a ansiedade!
<BR>Mata-me esta saudade,
<BR>Apaga-me esta dor.
<BR>Mas quando, ao brilho rútilo
 
<BR>Do dia deslumbrante,
<BR>Vires a minha amante
<BR>Que volve para mim,
<BR>Então ergue-me súbito...
<BR>É minha aurora linda...
<BR>Meu anjo... mais ainda...
 
<BR>É minha amante enfim!
<BR>Ó sono! Ó Deus noctívago!
<BR>Doce influência amiga!
<BR>Gênio que a Grécia antiga
<BR>Chamava de Morfeu,
<BR>Ouve!... E se minhas súplicas
 
<BR>Em breve realizares...
<BR>Voto nos teus altares
<BR>Minha lira de Orfeu!
<BR><b>&nbsp;</b>
<BR><b>&nbsp;</b>
<BR><b>&nbsp;</b>
<br><b>No Álbum do Artista </b>
 
<BR>Luís
C. Amoedo
<BR>&nbsp;
<BR>Nos tempos idos... O alabastro, o mármore
<BR>Reveste as formas desnuadas, mádidas
<BR>De Vênus ou Friné.
<BR>Nem um véu p'ra ocultar o seio trêmulo,
 
<BR>Nem um tirso a velar a coxa pálida...
<BR>O olhar não sonha... vê!
<BR>Um dia o artista, num momento lúcido,
<BR>Entre gazas de pedra a loura Aspásia
<BR>Amoroso envolveu.
<BR>Depois, surpreso!... viu-a inda mais lânguida...
 
<BR>Sonhou mais doido aquelas formas lúbricas...
<BR>Mais nuas sob um véu.
<BR>E o mistério do espírito... A modéstia
<BR>E dos talentos reis a santa púrpura...
<BR>Artista, és belo assim...
<BR>Este santo pudor é só dos gênios! -
 
<BR>Também o espaço esconde-se entre névoas...
<BR>E no entanto é... sem fim!
<BR><b>&nbsp;</b>
<BR><b>&nbsp;</b>
<BR><b>&nbsp;</b>
<br><b>Versos a Um Viajante </b>
<BR>&nbsp;
 
<BR>Ai! nenhum mago da Caldéia sábia
<BR>A dor abrandará que me devora.
<BR>F. VARELA
<BR>&nbsp;
<BR>Tenho saudades das cidades vastas,
<BR>Dos ínvios cerros, do ambiente azul...
 
<BR>Tenho saudades dos cerúleos mares
<BR>Das belas filhas do país do sull
<BR>Tenho saudades de meus dias idos
<BR>-Pét'las perdidas em fatal paul-
<BR>Pét'las, que outrora desfolhamos juntos,
<BR>Morenas filhas do país do sul!
 
<BR>Lá onde as vagas nas areias rolam,
<BR>Bem como aos pés da Oriental 'Stambul. . .
<BR>E da Tijuca na nitente espuma
<BR>Banham-se as filhas do país do sul.
<BR>Onde ao sereno a magnólia esconde
<BR>Os pirilampos "de lanterna azul",
 
<BR>Os pirilampos, que trazeis nas coifas,
<BR>Morenas filhas do pais do sul.
<BR>Tenho saudades. .. ai! de ti, São Paulo,
<BR>-Rosa de Espanha no hibernal Friul -
<BR>Quando o estudante e a serenata acordam
<BR>As belas filhas do país do sul.
 
<BR>Das várzeas longas, das manhãs brumosas
<BR>&nbsp;
<BR>Noites de névoas, ao rugitar do sul,
<BR>Quando eu sonhava nos morenos seios
<BR>Das belas filhas do país do sul.
<BR><b>&nbsp;</b>
<BR><b>&nbsp;</b>
 
<BR><b>&nbsp;</b>
<br><b>Onde Estás </b>
<BR>&nbsp;
<BR>É meia-noite. . . e rugindo
<BR>Passa triste a ventania,
<BR>Como um verbo de desgraça,
<BR>Como um grito de agonia.
 
<BR>E eu digo ao vento, que passa
<BR>Por meus cabelos fugaz:
<BR>"Vento frio do deserto,
<BR>Onde ela está? Longe ou perto?
<BR>" Mas, como um hálito incerto,
<BR>Responde-me o eco ao longe:
 
<BR>"Oh! minh'amante, onde estás?...
<BR>Vem! É tarde! Por que tardas?
<BR>São horas de brando sono,
<BR>Vem reclinar-te em meu peito
<BR>Com teu lânguido abandono!...
<BR>'Stá vazio nosso leito...
 
<BR>'Stá vazio o mundo inteiro;
<BR>E tu não queres qu'eu fique
<BR>Solitário nesta vida...
<BR>Mas por que tardas, querida?...
<BR>Já tenho esperado assaz...
<BR>Vem depressa, que eu deliro
 
<BR>Oh! minh'amante, onde estás?..
<BR>Estrela-na tempestade,
<BR>Rosa-nos ermos da vida,
<BR>Iris-do náufrago errante,
<BR>Ilusão-d'alma descrida!
<BR>Tu foste, mulher formosa!
 
<BR>Tu foste, ó filha do céu!...
<BR>. . . E hoje que o meu passado
<BR>Para sempre morto jaz...
<BR>Vendo finda a minha sorte,
<BR>Pergunto aos ventos do Norte...
<BR>"Oh! minh'amante, onde estás?..."
 
<BR><b>&nbsp;</b>
<BR><b>&nbsp;</b>
<BR><b>&nbsp;</b>
<br><b>A Boa Vista </b>
<BR>&nbsp;
<BR>Sonha, poeta, sonha! Aqui sentado
<BR>No tosco assento da janela antiga,
 
<BR>Apóias sobre a mão a face pálida,
<BR>Sorrindo -dos amores à cantiga.
<BR>ÁLVARES DE AZEVEDO
<BR>&nbsp;
<BR>Era uma tarde triste, mas límpida e suave...
<BR>Eu -pálido poeta - seguia triste e grave
 
<BR>A estrada, que conduz ao campo solitário,
<BR>Como um filho, que volta ao paternal sacrário,
<BR>&nbsp;
<BR>E ao longe abandonando o múrmur da cidade
<BR>-Som vago, que gagueja em meio à imensidade, -
<BR>No drama do crepúsculo eu escutava atento
 
<BR>A surdina da tarde ao sol, que morre lento.
<BR>A poeira da estrada meu passo levantava,
<BR>Porém minh'alma ardente no céu azul marchava
<BR>E os astros sacudia no vôo violento
<BR>-Poeira, que dormia no chão do firmamento.
<BR>A pávida andorinha, que o vendaval fustiga,
 
<BR>Procura os coruchéus da catedral antiga.
<BR>Eu - andorinha entregue aos vendavais do inverno.
<BR>Ia seguindo triste p'ra o velho lar paterno.
<BR>Como a águia, que do ninho talhado no rochedo
<BR>Ergue o pescoço calvo por cima do fraguedo,
<BR>-(P'ra ver no céu a nuvem, que espuma o firmamento,
 
 
<BR>E o mar,-corcel que espuma ao látego do vento. . .
)
<BR>Longe o feudal castelo levanta a antiga torre,
<BR>Que aos raios do poente brilhante sol escorre!
<BR>Ei-lo soberbo e calmo o abutre de granito
<BR>Mergulhando o pescoço no seio do infinito,
<BR>E lá de cima olhando com seus clarões vermelhos
 
<BR>Os tetos, que a seus pés parecem de joelhos!...
<BR>Não! Minha velha torre! Oh! atalaia antiga,
<BR>Tu olhas esperando alguma face amiga,
<BR>E perguntas talvez ao vento, que em ti chora:
<BR>"Por que não volta mais o meu senhor d'outrora?
 
<BR>Por que não vem sentar-se no banco do terreiro
 
<BR>Ouvir das criancinhas o riso feiticeiro
<BR>E pensando no lar, na ciência, nos pobres
<BR>Abrigar nesta sombra seus pensamentos nobres?
<BR>Onde estão as crianças-grupo alegre e risonho
<BR>- Que escondiam-se atrás do cipreste tristonho...
<BR>Ou que enforcaram rindo um feio Pulchinello,
 
<BR>Enquanto a doce Mãe, que é toda amor, desvelo
<BR>Ralha com um rir divino o grupo folgazão,
<BR>Que vem correndo alegre beijar-lhe a branca mão?...~
 
<BR>É nisto que tu cismas, ó torre abandonada,
<BR>Vendo deserto o parque e solitária a estrada.
<BR>No entanto eu ~ estrangeiro, que tu já não conheces-
 
 
<BR>No limiar de joelhos só tenho pranto e preces.
<BR>Oh! deixem-me chorar!... Meu lar... meu doce ninho!
 
<BR>Abre a vetusta grade ao filho teu mesquinho!
<BR>Passado- mar imenso!... inunda-me em fragrância!
<BR>Eu não quero lauréis, quero as rosas da infância.
<BR>Ai! Minha triste fronte, aonde as multidões
 
<BR>&nbsp;
<BR>Lançaram misturadas glórias e maldições...
<BR>Acalenta em teu seio, ó solidão sagrada!
<BR>Deixa est'alma chorar em teu ombro encostada!
<BR>Meu lar está deserto... Um velho cão de guarda
<BR>Veio saltando a custo roçar-me a testa parda,
 
<BR>Lamber-me após os dedos, porém a sós consigo
<BR>Rusgando com o direito, que tem um velho amigo..
<BR>Como tudo mudou-se!... O jardim 'stá inculto
<BR>As roseiras morreram do vento ao rijo insulto..;
<BR>A erva inunda a terra; o musgo trepa os muros
<BR>A ortiga silvestre enrola em nós impuros
 
<BR>Uma estátua caída, em cuja mão nevada
<BR>A aranha estende ao sol a teia delicada!...
<BR>Mergulho os pés nas plantas selvagens, espalmadas,
 
<BR>As borboletas fogem-me em lúcidas manadas...
<BR>E ouvindo-me as passadas tristonhas, taciturnas,
<BR>Os grilos, que cantavam, calaram-se nas furnas...
 
<BR>Oh! jardim solitário! Relíquia do passado!
<BR>Minh'alma, como tu. é um parque arruinado!
<BR>Morreram-me no seio as rosas em fragrância,
<BR>Veste o pesar os muros dos meus vergéis da infância,
 
<BR>A estátua do talento, que pura em mim s'erguia,
<BR>Jaz hoje - e nela a turba enlaça uma ironia!...
 
<BR>Ao menos como tu, lá d'alma num recanto
<BR>Da casta poesia ainda escuto o canto, -
<BR>Voz do céu, que consola, se o mundo nos insulta,
<BR>E na gruta do seio murmura um treno oculta.
<BR>Entremos!... Quantos ecos na vasta escadaria,
<BR>Nos longos corredores respondem-me à porfia!...
 
<BR>Oh! casa de meus pais!... A um crânio já vazio,
<BR>Que o hóspede largando deixou calado e frio,
<BR>Compara-te o estrangeiro -- caminhando indiscreto
<BR>Nestes salões imensos, que abriga o vasto teto.
<BR>Mas eu no teu vazio - vejo uma multidão
<BR>Fala-me o teu silêncio - ouço-te a solidão!...
 
<BR>Povoam-se estas salas...
<BR>E eu vejo lentamente
<BR>No solo resvalarem falando tenuemente
<BR>Dest'alma e deste seio as sombras venerandas
<BR>Fantasmas adorados - visões sutis e brandas...
<BR>Aqui. . . além. . . mais longe. . . por onde eu movo
o passo,
 
<BR>Como aves, que espantadas arrojam-se ao espaço,
<BR>Saudades e lembranças s'erguendo -bando alado
<BR>-Roçam por mim as asas voando p'ra o passado.
<BR><b>&nbsp;</b>
<BR><b>&nbsp;</b>
<BR><b>&nbsp;</b>
<br><b>A Uma Estrangeira </b>
 
<BR>&nbsp;
<BR>LEMBRANÇA DE UMA NOITE NO MAR
<BR>&nbsp;
<BR>Sens-tu mon coeur, comme U palpite?
<BR>Le tien comme il battait gaiement!
<BR>Je m'en vais pourtant, ma petite,
<BR>Bien loin, bien vite, Toujours t'aimant.
 
<BR>(Chanson )
<BR>Inês! nas terras distantes,
<BR>Aonde vives talvez,
<BR>Inda lembram-te os instantes
<BR>Daquela noite divina?...
<BR>Estrangeira, peregrina,
 
<BR>Quem sabes?-Lembras-te, Inês?
<BR>Branda noite! A noite imensa
<BR>Não era um ninho?-Talvez!. ..
<BR>Do Atlântico a vaga extensa
<BR>Não era um berço? - Oh! Se o era...
<BR>Berço e ninho... ai, primavera!
 
<BR>O ninho, o berço de Inês.
<BR>Às vezes estremecias...
<BR>Era de febre? Talvez...
<BR>Eu pegava-te as mãos frias
<BR>P'ra aquentá-las em meus beijos...
<BR>Oh! palidez! Oh! desejos!
 
<BR>Oh! longos cílios de Inês.
<BR>Na proa os nautas cantavam;
<BR>Eram saudades?... Talvez!
<BR>Nossos beijos estalavam
<BR>Como estala a castanhola.:.
<BR>Lembras-te acaso, espanhola?
 
<BR>Acaso lembras-te, Inês?
<BR>Meus olhos nos teus morriam...
<BR>Seria vida?-Talvez!
<BR>E meus prantos te diziam:
<BR>"Tu levas minh'alma, ó filha,
<BR>Nas rendas desta mantilha...
 
<BR>Na tua mantilha, Inês!"
<BR>De Cadiz o aroma ainda
<BR>Tinhas no seio... -Talvez!
<BR>De Buenos Aires a linda,
<BR>Volvendo aos lares, trazia
<BR>As rosas de Andaluzia
 
<BR>Nas lisas faces de Inês!
<BR>E volvia a Americana
<BR>Do Plata às vagas... Talvez?
<BR>E a brisa amorosa, insana
<BR>Misturava os meus cabelos
<BR>Aos cachos escuros, belos,
 
<BR>Aos negros cachos de Inês!
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<BR>As estrelas acordavam
<BR>Do fundo do mar... Talvez!
<BR>Na proa as ondas cantavam,
<BR>E a serenata divina
 
<BR>Tu, com a ponta da botina,
<BR>Marcavas no chão... Inês!
<BR>Não era cumplicidade
<BR>Do céu, dos mares? Talvez!
<BR>Dir-se-ia que a imensidade
<BR>-Conspiradora mimosa-
 
<BR>Dizia à vaga amorosa:
<BR>"Segreda amores a Inês!"
<BR>E como um véu transparente,
<BR>Um véu de noiva... talvez,
<BR>Da lua o raio tremente
<BR>Te enchia de casto brilho...
 
<BR>E a rastos no tombadilho
<BR>Cala a teus pés... Inês!
<BR>E essa noite delirante
<BR>Pudeste esquecer?-Talvez...
<BR>Ou talvez que neste instante,
<BR>Lembrando-te inda saudosa
 
<BR>Suspires, moça formosa!...
<BR>Talvez te lembres... Inês!
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<br><b>Perseverando </b>
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<BR>(Tradução de v. HUGO)
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<BR>A Regueira Costa
<BR>A águia é o gênio... Da tormenta o pássaro,
<BR>Que do monte arremete altivo píncaro,
<BR>Qu'ergue um grito aos fulgores do arrebol,
 
<BR>Cuja garra jamais se pela em lodo,
<BR>E cujo olhar de fogo troca raios
<BR>- Contra os raios do sol.
<BR>Não tem ninho de palhas... tem um antro
<BR>-Rocha talhada ao martelar do raio,
<BR>-Brecha em serra, ant'a qual o olhar tremeu. . .
 
<BR>No flanco da montanha-asilo trêmulo,
<BR>Que sacode o tufão entre os abismos
<BR>- O precipício e o céu.
<BR>Nem pobre verme, nem dourada abelha
<BR>Nem azul borboleta... sua prole
<BR>Faminta, boquiaberta espera ter...
 
<BR>Não! São aves da noite, são serpentes,
<BR>São lagartos imundos, que ela arroja
<BR>Aos filhos p'ra viver.
<BR>Ninho de rei!... palácio tenebroso,
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<BR>Que a avalanche a saltar cerca tombando!...
 
<BR>O gênio aí enseiba a geração...
<BR>E ao céu lhe erguendo os olhos flamejantes
<BR>Sob as asas de fogo aquenta as almas
<BR>Que um dia voarão.
<BR>Por que espantas-te, amigo, se tua fronte
<BR>Já de raios pejada, choca a nuvem?...
 
<BR>Se o réptil em seu ninho se debate?...
<BR>É teu folgar primeiro... é tua festa!...
<BR>Águias! P'ra vós cad'hora é uma tormenta,
<BR>Cada festa um combate!...
<BR>Radia!... É tempo!... E se a lufada erguer-se
<BR>Muda a noite feral em prisma fúlgido!
 
<BR>De teu alto pensar completa a lei!...
<BR>Irmão!-Prende esta mão de irmão na minha!. . .
<BR>Toma a lira-Poeta! Águia!-esvoaça!
<BR>Sobe, sobe, astro rei! . .
<BR>De tua aurora a bruma vai fundir-se
<BR>Águia! faz-te mirar do sol, do raio;
 
<BR>Arranca um nome no febril cantar.
<BR>Vem! A glória, que é o alvo de vis setas,
<BR>É bandeira arrogante, que o combate
<BR>Embeleza ao rasgar.
<BR>O meteoro real - de coma fúlgida -
<BR>Rola e se engrossa ao devorar dos mundos...
 
<BR>Gigante! Cresces todo o dia assim!. :.
<BR>Tal teu gênio, arrastando em novos trilhos
<BR>No curso audaz constelações de idéias,
<BR>Marcha e recresce no marchar sem fim!...
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<br><b>O Coração </b>
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<BR>O Coração é o colibri dourado
<BR>Das veigas puras do jardim do céu.
<BR>Um-tem o mel da granadilha agreste,
<BR>Bebe os perfumes, que a bonina deu.
 
<BR>O outro-voa em mais virentes balças,
<BR>Pousa de um riso na rubente flor.
<BR>Vive do mel-a que se chama-crenças-,
<BR>Vive do aroma-que se diz-amor.-
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<br><b>Murmúrios da Tarde </b>
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<BR>Écoute! tout se tait; songe à ta bien-aimée
<BR>Ce soir, sous les tilleuls, à la sombre ramée,
<BR>Le rayon du couchant laisse un adieu plus doux,
<BR>Ce soir, tout va fleurir: I'irnmortelle nature
 
<BR>Se remplit de parfuns, d'amour et de murmure
<BR>Comme le lit joyeux de deux jeunes époux.
<BR>A. DE MUSSET
<BR>Rosa! Rosa de amor purpúrea e bela!
<BR>GARRET.
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<BR>Ontem à tarde, quando o sol morria,
<BR>A natureza era um poema santo,
<BR>De cada moita a escuridão saia,
<BR>De cada gruta rebentava um canto,
<BR>Ontem à tarde, quando o sol morria.
<BR>Do céu azul na profundeza escura
 
<BR>Brilhava a estrela, como um fruto louro,
<BR>E qual a foice, que no chão fulgura,
<BR>Mostrava a lua o semicirc'lo d'ouro,
<BR>Do céu azul na profundeza escura.
<BR>Larga harmonia embalsamava os ares!
<BR>Cantava o ninho-suspirava o lago...
 
<BR>E a verde pluma dos sutis palmares
<BR>Tinha das ondas o murmúrio vago...
<BR>Larga harmonia embalsamava os ares.
<BR>Era dos seres a harmonia imensa,
<BR>Vago concerto de saudade infinda!
<BR>"Sol -não me deixes", diz a vaga extensa,
 
 
<BR>"Aura-não fujas", diz a flor mais linda;
 
<BR>Era dos seres a harmonia imensa!
<BR>"Leva-me! leva-me em teu seio amigo"
<BR>Dizia às nuvens o choroso orvalho,
<BR>"Rola que foges", diz o ninho antigo,
<BR>'Leva-me ainda para um novo galho. ..
 
<BR>Leva-me! leva-me em teu seio amigo."
<BR>"Dá-me inda um beijo, antes que a noite venha!
 
<BR>Inda um calor, antes que chegue o frio..."
<BR>E mais o musgo se conchega à penha
<BR>E mais à penha se conchega o rio...
<BR>"Dá-me inda um beijo, antes que a noite venha!
 
 
<BR>E tu no entanto no jardim vagavas,
<BR>Rosa de amor, celestial Maria...
<BR>Ai! como esquiva sobre o chão pisavas,
<BR>Ai! como alegre a tua boca ria...
<BR>E tu no entanto no jardim vagavas.
<BR>Eras a estrela transformada em virgem!
 
<BR>Eras um anjo, que se fez menina!
<BR>Tinhas das aves a celeste origem.
<BR>Tinhas da lua a palidez divina,
<BR>Eras a estrela transformada em virgem!
<BR>Flor! Tu chegaste de outra flor mais perto,
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<BR>Que bela rosa! que fragrância meiga!
<BR>Dir-se-ia um riso no jardim aberto,
<BR>Dir-se-ia um beijo, que nasceu na veiga...
<BR>Flor! Tu chegaste de outra flor mais perto!. . .
<BR>E eu, que escutava o conversar das flores,
<BR>Ouvi que a rosa murmurava ardente:
 
<BR>"Colhe-me, ó virgem,-não terei mais dores,
<BR>Guarda-me, ó bela, no teu seio quente. . .
<BR>" E eu escutava o conversar das flores.
<BR>"Leva-me! leva-me, ó gentil Maria!"
<BR>Também então eu murmurei cismando...
<BR>Minh'alma é rosa, que a geada esfria...
 
<BR>Dá-lhe em teus seios um asilo brando...
<BR>"Leva-me! leva-me, ó gentil Maria!..."
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