Conteúdo apagado Conteúdo adicionado
← nova página: {{navegar |obra=O Crime do Padre Amaro |autor=Eça de Queirós |anterior=Capítulo V |posterior=[[O Crime do Padre Amaro/VII|Capítul... |
Adição de links. |
||
Linha 8:
}}
Logo desde os primeiros dias, envolvido suavemente em comodidades, Amaro sentiu-se feliz. A S. Joaneira, muito maternal, tomava um grande cuidado na sua roupa branca, preparava-lhe petiscos, e o "quarto do senhor pároco andava que nem um brinco"! Amélia tinha com ele uma familiaridade picante de parenta bonita: "tinham calhado um com o outro", como dissera, encantada, D. Maria da Assunção. Os dias iam assim passando para Amaro, fáceis, com boa mesa, colchões macios e a convivência [[wikt:meigo|meiga]] de mulheres. A estação ia tão linda que até as tílias floresceram no jardim do [[wikt:paço|Paço]]: "quase milagre!", disse-se: o senhor chantre, contemplando-as todas as manhãs da janela do seu quarto, em ''robe-de-chambre'', citava versos das ''[[Éclogas]]''. E depois das longas tristezas da casa do tio da Estrela, dos desconsolos do seminário e do áspero Inverno na [[w:Gralheira|Gralheira]] — aquela vida em Leiria era para Amaro como uma casa seca e abrigada onde o alegre [[wikt:lume|lume]] estala e a sopa cheirosa fumega, depois duma noite de jornada na serra, sob trovões e [[wikt:chuveiro|chuveiros]].
Ia cedo dizer a missa à Sé, bem embrulhado no seu grande [[wikt:capote|capote]], com luvas de [[wikt:casimira|casimira]], meias de lãs por baixo das botas de alto cano vermelho. As manhãs estavam frias: e àquela hora só algumas devotas, com o mantéu escuro pela cabeça, rezavam aqui e além, ao pé dum altar envernizado de branco.
Entrava logo na sacristia, revestia-se depressa batendo os pés no [[wikt:lajedo|lajedo]], enquanto o [[wikt:sacristão|sacristão]], pachorrento, contava "as novidades do dia".
Depois, com o cálice na mão, de olhos baixos, passava à igreja; e tendo dobrado o joelho rapidamente diante do Santíssimo Sacramento, subia devagar ao altar onde duas velas de cera [[wikt:esmorecer|esmoreciam]] com uma claridade pálida na larga luz da manhã, juntava as mãos, murmurava, curvado:
— ''Introibo [[wikt:ad#Latim|ad]] altare [[wikt:dei#Latim|Dei]]''.
— ''[[wikt:ad#Latim|Ad]] Deum [[wikt:qui#Latim|qui]] laetificat juventutem meam'', resmungava, num latim silabado, o sacristão.
Amaro já não celebrava a missa como nos primeiros tempos, com uma devoção enternecida. "Estava agora habituado", dizia. E como não ceava, e àquela hora em jejum, com a frescura cortante do ar, já sentia apetite, [[wikt:engrolar|engrolava]] depressa, monotonamente, as santas leituras da Epístola e dos Evangelhos. Por trás o sacristão, com os braços cruzados, passava vagarosamente a mão pela sua espessa barba bem rapada, olhando de [[wikt:revés|revés]] para a Casimira França, mulher do carpinteiro da Sé, muito devota, que ele "trazia de olho" desde a Páscoa. Largas [[wikt:réstia|réstias]] de sol
Amaro, depois de recitar rapidamente o ofertório, limpava o cálice com o purificador; o sacristão, um pouco vergado dos rins, ia buscar as [[wikt:galheta|galhetas]], apresentava-as, curvado — e Amaro sentia o cheiro do óleo rançoso que lhe reluzia no cabelo. Naquela parte da missa, por um antigo hábito de emoção mística, Amaro tinha um recolhimento sentido: com os braços abertos, voltava-se para a igreja, clamava, com largueza, a exortação universal
— ''Ite, [[wikt:missa#Latim|missa]] [[wikt:est#Latim|est]]!'' dizia Amaro enfim.
— ''[[wikt:Deo gratias#Latim|Deo gratias]]!'' respondia o sacristão respirando alto, com o alívio da obrigação finda.
E quando, depois de ter beijado o altar, Amaro vinha do alto dos degraus dar a
{{separador}}
|