A Moreninha/XVII: diferenças entre revisões

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Se houve alguém que quisesse servir a d. Quinquina, ou se foi ela mesma quem pôs a carta anônima no bolso da [[wikt:jaqueta|jaqueta]] de Augusto, é coisa que pouco interesse dá; o certo é que o estudante, indo tirar o lenço para assoar-se, achou o interessante escritinho; então correu logo para um lugar solitário, e só depois de devorar o convite sem assinatura, foi que lembrou-se que ainda não se havia assoado e que o [[wikt:pingo|pingo]] estava cai não cai na ponta do nariz; enfim, ainda com o lenço acudiu a tempo, e depois entendeu que, para melhor decidir o que lhe cumpria fazer naquela [[wikt:conjuntura|conjuntura]], deveria [[wikt:avivar|avivar]] o cérebro, sorvendo uma boa pitada de [[wikt:rapé|rapé]]; portanto, lançou a mão ao segundo bolso de sua jaqueta, e eis que lhe sai com a caixa do bom Princesa um outro escritinho como o primeiro.
 
— Bravo! exclamou o nosso estudante; temíveis mãozinhas seriam estas, se se dessem ao exercício, não de encher, mas de vazar as [[wikt:algibeiras|algibeiras]] da gente.
 
E sem mais dizer, abriu e leu o escrito.
 
"{{Quote|Senhor: — Uma moça, que nem é bonita nem namorada, mas que quer interessar-se por vós, entende dever prevenir-vos que no banco de relva da gruta não achareis ao amanhecer uma incógnita, porém quatro conhecidas, que pretendem zombar de vós, porque esta mesma noite jurastes amar a cada uma delas cmem particular. Não procureis adivinhar quem vos escreve, porque apesar de vossa amiga será por agora — Uma incógnita".}}
 
— Muito bonito! Muito bonito!... disse Augusto, beijando o bilhete; estou exatamente representando um papel de romance! Mas quem sabe se ainda acharei mais cartas?...
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Porém nada mais havia; também duas cartas tão curiosas já eram de sobra em uma só noite.
 
O estudante pensou no conteúdo de ambas, e ainda reflexionava se lhe cumpria fugir ou aceitar um [[wikt:certame|certame]] com quatro moças, que ele adivinhava quais eram, quando a primeira rosa da aurora se desabriu no horizonte. Augusto correu para a gruta encantada.
 
Chegando ao pé, foi de mansinho se aproximando, sentiu rumor e ouviu que alguém dizia em tom baixo:
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— Ei-lo aqui, minhas belas senhoras, exclamou o estudante, que entendeu não lhes dever nunca dar tempo a tomarem a ofensiva; eis-me aqui!...
 
As moças, que estavam todas sentadinhas no banco de relva, como quatro pombas rolas enfileiradas no mesmo galho, ergueram-se [[wikt:sobressaltadas|sobressaltadas]] ao ver entrar [[wikt:inopinadamente|inopinadamente]] o estudante; era isso mesmo o que ele queria, pois continuou:
 
— As senhoras vêem que acudi de pronto ao honroso convite e que me entusiasmo vendo quatro auroras em lugar de uma só. Belo amanhecer é este, sem dúvida... mas, exposto ao fogo abrasador de oito olhos brilhantes... eu me sinto arder... juro que tenho sede... Eis ali uma fonte... Mas, meu Deus, é a fonte encantada que descobre os segredos de quem está conosco!... Bem! Bem! Melhor... uma gota desta [[wikt:linfa|linfa]] de fadas!...
 
— O que é que ele está dizendo, mana? exclamou d. Quinquina, apontando para Augusto, que tinha entre os lábios o copo de prata.
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Então o estudante, que tinha acabado de esgotar o seu copo d’água, voltou-se para elas, e dando a seu rosto uma expressão animada e às suas palavras estudado acento:
 
— Começo eu, minhas senhoras, disse, e começo por dizer-vos que aquela fonte é realmente encantada; sim, eu tenho, à mercê de sua água, adivinhado belos segredos: escutai vós. Perdoai e consenti que vos trate assim, enquanto vos falar inspirado por um poder sobrenatural. Vós viestes aqui para maltratar-me e zombar de mim, por haver amado a todas vós numa só noite; que ingratidão!... Eu vos poderia perguntar como o poeta: Assim se paga a um coração amante?! Mas, desgraçadamente, a fada que preside àquela fonte, quer mais alguma coisa ainda, e me dá uma cruel missão! Ordena-me que eu diga a cada uma de vós, em particular, algum segredo do fundo de vossos corações, para melhor provar os seus encantamentos. Pois bem, é preciso obedecer; qual de vós quer ser a primeira?...
 
Eu não ouso falar alto, porque pelo jardim talvez estejam passeando alguns [[wikt:profanos|profanos]]. Qual de vós quer ser a primeira?...
 
Nenhuma se moveu.
 
— Será preciso que eu escolha? continuou o [[wikt:tagarela|tagarela]]. Escolherei... lluminai-me, boa fada! Quem será?... Será... a sra. d. Gabriela?
 
— Eu?! respondeu a menina, recuando.
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— A senhora mesma, disse Augusto, trazendo-a pela mão para junto da fonte; vinde, senhora, para bem perto do lugar encantado; agora silêncio... ouvi.
 
— Ele está [[wikt:mangando|mangando]] conosco, murmurou d. Clementina.
 
Augusto já estava falando em voz baixa a d. Gabriela.
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— Senhor!...
 
— Oh! Não vos impacienteis; quereis provas?... Há quatro dias, uma [[wikt:vendedeira|vendedeira]] de empadas, que se encarrega de vossas cartas, enganou-se na entrega de duas; trocou-as e deu, se bem se lembra a fada, a de lacre azul ao sr. Juca e a de lacre verde ao sr. Joãozinho.
 
— Ora... ora, senhor! Quem lhe contou essas invenções?
 
— A fada! E fez mais ainda. Vós não achareis em vosso álbum o escrito desesperado do sr. Joãozinho, que vos foi entregue no momento de vossa partida para esta ilha; sou eu que o tenho, a fada [[wikt:mo|mo]] deu há pouco com sua mão invisível.
 
— Impossível! [[wikt:balbuciou|balbuciou]] d. Gabriela, recorrendo ao seu álbum.
 
Ela não podia encontrar o escrito.
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— Pode dizê-la.
 
— Sois [[wikt:sobremaneira|sobremaneira]] delicada, senhora; este excesso vos deve ser nocivo; quereis fazer-me o obséquio de ir descansar e dar-me a honra de aceitar a minha mão até à porta da gruta?...
 
— Com muito prazer.
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D. Quinquina deixou-se levar para junto da fonte; as moças tinham perdido toda a força; o que diante delas se passava pedia uma explicação que não estava ao seu alcance dar. Augusto começou:
 
— Senhora, eu poderia dizer-vos, pelo que me conta a boa fada, que vós sois como as outras de vossa idade, tão volúveis como eu; mas para tal saber não precisava eu beber da água encantada; podia também gastar meia hora em falar do vosso [[wikt:galanteio|galanteio]] com um tenente da [[w:Guarda Nacional (Brasil)|Guarda Nacional]], por nome Gusmão...
 
— Senhor!...
 
— Por nome Gusmão, que leva o seu despotismo amoroso a ponto de exigir que não valseis, que não tomeis sorvetes, que não deis [[wikt:dominus tetum|dominus tetum]] quando ao pé de vós espirrar algum moço e que não vos riais quando ele estiver sério,.
 
— Quem lhe disse isto, senhor?...
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— Eu me explico: o sr. Lúcio viu ser dado e recebido o presente, e fingindo-se zeloso, vos pediu esse cravo, muito notável porque, além da flor aberta, havia sete flores em botão. Ora, dizei, não é verdade? Pois o sr. Lúcio queria esse cravo, mas vós não lho podíeis dar, porque o velho militar não tirava os olhos de vós; ora, conversando com o sr. Lúcio, acordastes ambos que ele iria esperar um instante no jardim e que um pequeno escravo, por nome Tobias, lhe levaria a flor; e como o tal Tobias ainda não conhecia o sr. Lúcio, este lhe daria por senha as seguintes palavras — sete botões — não foi assim?
 
D. Quinquina guardou silêncio, porque tudo era verdade; ela estava cor de [[wikt:nácar|nácar]]. Augusto prosseguiu:
 
— Isto se passou estando vós na grande varanda, sentados em um banco e com as costas voltadas para uma janela da sala do jogo; ora, a fada esteve recostada a essa janela, ouviu quanto dissestes e como lhe é dado tomar todas as figuras, tomou a do moço, foi ao jardim, e quando viu o Tobias, disse — sete botões; e o cravo foi logo da fada e é agora meu; ei-lo aqui!...
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— Que quer dizer, sr. Augusto?
 
— Que quereis muito, quando ordenais a um estudante que vos escreva quatro vezes por semana, pelo menos; que passe defronte de vossa casa quatro vezes por dia; que vá a miúdo ao teatro e aos bailes que freqüentaisfrequentais, e até que não fume charutos de [[w:Havana|Havana]], nem de [[w:Manilha|Manilha]], por ser falta de patriotismo.
 
Quem lhe disse isso, senhor?
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Augusto ia falar; ela o interrompeu.
 
— Senhor, eu agradeço o benefício que recebi; o senhor quis zombar de mim, como das outras, mas não o fez; ao contrário, atalhou em princípio uma grande enfermidade, que, talvez, fosse daqui a pouco tempo incurável! Eu galanteio também às vezes, porém sei amar ao extremo. Adeus, senhor! Eu posso apenas agradecer-Lhelhe, dizendo que tenho tanta confiança na sua discrição e no seu caráter, que nem mesmo lhe recomendo o cuidado do meu segredo.
 
D. Joaninha ia deixar a gruta, e Augusto lhe ofereceu o braço.
 
— Agradecida, disse ela; permita que eu entre em casa. Augusto ficou . Esteve alguns momentos lembrando-se da cena que acabava de ter lugar; finalmente disse, soltando uma risada:
 
— Vieram buscar lã e saíram tosquiadas!