Conteúdo apagado Conteúdo adicionado
Importação automática de artigos |
m Adição de link(s). |
||
Linha 1:
{{navegar
|obra=[[A Moreninha]]
Linha 11 ⟶ 10:
Tristes dias tem-se arrastado. Augusto está desesperado. Voltando da ilha de... depois daquele belo dia da declaração de amor achou na corte seu pai e em poucos momentos teve de concluir, na severidade com que era tratado, que já alguém o havia prevenido das suas loucuras e dos muitos pontos que ultimamente tinha dado nas aulas. A mais bem merecida repreensão, e um discurso cheio de conselhos e admoestações, veio por fim dar-lhe a certeza de que o seu bom velho estava ciente de tudo.
Para coroar a obra, contra o costume do maior número dos nossos agricultores que, quando vêm à cidade, estão no caso do fogo viste,
Chegou o sábado. O nosso Augusto, depois de muitos rodeios e cerimônias, pediu finalmente licença para ir passar o dia de domingo na ilha de... e obteve em resposta um não redondo; jurou que tinha dado sua palavra de honra de lá se achar nesse dia e o pai. para que o filho não cumprisse a palavra, nem faltasse à honra, julgou muito conveniente trancá-lo em seu quarto.
Linha 17 ⟶ 16:
Mania antiga é essa de querer triunfar das paixões com fortes meios; erro palmar, principalmente no caso em que se acha o nosso estudante; amor é um menino doidinho e malcriado que. quando alguém intenta refreá-lo, chora, escarapela, esperneia. escabuja. morde, belisca, e incomoda mais que solto e livre; prudente é facilitar-lhe o que deseja, para que ele disso se desgote; soltá-lo no prado, para que não corra; limpar-lhe o caminho. para que não passe; acabar com as dificuldades e oposições, para que ele durma e muitas vezes morra. O amor é um anzol que, quando se engole. agadanha-se logo no coração da gente, donde, se não é com jeito, o maldito rasga, esburaca e se aprofunda. Portanto, muita indústria deve ter quem o quer pôr na rua, e para consegui-lo convém ir despedindo-o com bons modos, parlamentares oferecimentos e nunca bater-lhe com a porta na cara. Porém os homens, mal passam de certa idade, só se lembram do seu tempo para gritar contra o atual e esquecem completamente os ardores da mocidade. O resultado disso é o mesmo que tirara o pai de Augusto da energia e violência com que procura apagar a paixão do filho.
Já era tarde. Augusto amava deveras, e pela primeira vez cm sua vida; e o amor, mais forte que seu espírito, exercia nele um poder absoluto e invencível. Ora, não há
— Já dormes, Augusto? perguntou o bom pai, abrindo as cortinas do leito.
Linha 49 ⟶ 48:
— Oh! Sr. doutor, julga isso pouco?
E além destas palavras não quis pronunciar mais uma única sobre o seu estado. E, contudo, ele estava em violenta exacerbação. O médico deu por terminada a sua visita. Algumas aplicações se fizeram e um dos colegas de Augusto, que o tinha vindo procurar, fez-lhe o que chamou uma bela [[wikt:sangria|sangria]] de braços.
A enfermidade de Augusto não cedeu, porém, com tanta facilidade como a princípio supôs o médico, e três dias se passaram sem conseguir-se a mais insignificante melhora; uma mudança apenas se operou: a exacerbação foi seguida de um abatimento e prostração de força notável; sua paixão, que também se desenhava no ardor dos olhares, na viveza das expressões e na audácia dos pensamentos, tomou outro tipo: Augusto tornou-se pálido, sombrio e melancólico; horas inteiras se passavam sem que uma só palavra fosse apenas murmurada por seus lábios, prolongadas insônias eram marcadas minuto a minuto por dolorosos gemidos; e seus olhos, amortecidos, como que obsequiavam a luz quando por acaso se entreabriam.
Linha 57 ⟶ 56:
— Não vamos bem...
Uma
— Oh! Meu filho!... Meu filho!... Por que me queres matar?
Linha 73 ⟶ 72:
Novidades do mesmo gênero perturbavam a paz e os prazeres da ilha de... D. Carolina também padecia. Os nossos amantes acabavam de chegar ao sentimental, e com seu sentimentalismo estavam azedando a vida dos que lhes queriam bem. Os namoradores são semelhantes às crianças: primeiro divertem-nos com suas momices, depois incomodam-nos choramingando.
A bela Moreninha tinha visto romper a aurora do domingo, no rochedo da gruta, e tendo, debalde, esperado o seu estudante até alto dia, voltou para casa arrufada. No almoço não houve prato que não acusasse de mal temperado: faltava-lhe o tempero do amor; o chá não se podia tomar, o dia estava frio de [[wikt:enregelar|enregelar]], toda a gente de sua casa a olhava com maus olhos, e seu próprio irmão tinha um deleite imperdoável: era estudante, pertencia a uma classe cujos membros eram, sem exceção, sem exceção nenhuma (bradava ela lindamente enraivecida), falsos, maus, mentirosos e até... feios. A tarde sentiu-se incomodada. Retirou-se, não ceou e não dormiu.
Tudo neste mundo é mais ou menos compensado, e o amor [[wikt:mio|mio]] podia deixar de fazer parte da regra. Ele, que de um nadazinho tira motivos para o prazer de dias inteiros, que de uma flor já murcha engendra o mais vivo contentamento, que por um só cabelo faz [[wikt:escarcéus|escarcéus]] tais, que nem mesmo a sorte grande os causaria, que por uma cartinha de cinco linhas põe os lábios de um pobre amante em inflamação aguda com o estalar de tantos beijos, se não produzisse também agastados arrufos, às vezes algumas cólicas, outras amargores de boca, palpitações, ataques de hipocondria, pruído de canelas etc., seria tão completa a felicidade cá embaixo, que a terra chegaria a lembrar-se de ser competidora do céu.
Um exemplo dessa regra está sendo a nossa cara menina. Coitadinha! Vai passando uma semana de ciúmes e amarguras; acordando-se ao primeiro trinar do canário, ela busca o rochedo, e com os olhos embebidos no mar, canta muitas vezes a balada de Ahy, repetindo com fogo a estrofe que tanto lhe condiz, por principiar assim:
▲E sou morena e linda".
E quando o sol começa a fazer-se quente, deixa o rochedo, para passar o dia inteiro no fundo do seu gabinete, ou ao lado de sua boa avó, que mal pode consolá-la, porque, conhecendo já a causa da tristeza da querida neta, teme vê-la fugir vermelha de pejo, se não fingir com finura ignorar o estado de seu coração.
Linha 87 ⟶ 85:
O dia de sexta-feira trouxe ainda algumas novidades à ilha de... A sra. d. Ana recebeu cartas que a tornaram talvez menos triste, mas, sem dúvida, muito pensativa. A presença da linda neta parecia alentar mais essas reflexões, que se prolongaram até à tarde do dia seguinte, em que um velho e particular amigo de sua família veio da corte visitá-la e com a respeitável senhora ficou duas horas conferenciando a sós.
Esse homem despediu-se, enfim, da sra. d. Ana, deixando-a cheia de prazer; e no momento em que saltava dentro do seu
— Esperança!
|