Espumas Flutuantes (1913): diferenças entre revisões

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Linha 116:
*[[Os Anjos da Meia-Noite]]
*[[O Hóspede]]‎
*[[As Trevas‎Trevas]]
*[[Aves da Arribação]]
*[[Os Perfumes]]
Linha 123:
*[[Canção do Boêmio]]
*[[É Tarde]]
*[[A Meu Irmão Guilherme de Castro Alves]]
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*[[Quando Eu Morrer]]
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*[[Uma Página de Escola Realista]]
<BR>&nbsp;
*[[Coup D'Étrier]]
<BR>&nbsp;
<BR>
<br><b>A Meu Irmão </b>
<br><b>Guilherme de Castro Alves </b>
<BR>&nbsp;
<BR>Na cordilheira altíssima dos Andes
<BR>Os Chimbolazos solitários,
grandes
<BR>Ardem naquelas hibernais regiões.
 
 
<BR>Ruge embalde c fumega a solfatera...
 
<BR>É dos lábios sangrentos da
cratera
<BR>Que a avalanche vacila aos
furacões.
<BR>A escória rubra com os celeiros brancos
<BR>Misturados resvalam pelo flancos
<BR>Dos ombros friorentos do vulcão...
 
<BR>Assim, Poeta, é tua vida imensa,
<BR>Cerca-te o gelo, a morte, a indiferença...
<BR>E são lavas lá dentro o coração.
<BR><b>&nbsp;</b>
<BR><b>&nbsp;</b>
<BR><b>&nbsp;</b>
<br><b>Quando Eu Morrer </b>
 
<BR>&nbsp;
<BR>Eu morro, eu morro. A matutina brisa
<BR>Já não me arranca um riso. A rósea tarde
<BR>Já não me doura as descoradas faces
<BR>Que gélidas se encovam.
<BR>JUNQUEIRA FREIRE
 
<BR>&nbsp;
<BR>Quando eu morrer... não lancem meu cadáver
<BR>No fosso de um sombrio cemitério...
<BR>Odeio o mausoléu que espera o morto
<BR>Como o viajante desse hotel funéreo.
<BR>Corre nas veias negras desse mármore
 
<BR>Não sei que sangue vil de messalina,
<BR>A cova, num bocejo indiferente,
<BR>Abre ao primeiro o boca libertina.
<BR>Ei-la a nau do sepulcro-o cemitério...
<BR>Que povo estranho no porão profundo!
<BR>Emigrantes sombrios que se embarcam
 
<BR>Para as plagas sem fim do outro mundo.
<BR>Tem os fogos - errantes-por santelmo.
<BR>Tem por velame -os panos do sudário...
<BR>Por mastro-o vulto esguio do cipreste,
<BR>Por gaivotas - o mocho funerário...
<BR>Ali ninguém se firma a um braço amigo
 
<BR>Do inverno pelas lúgubres noitadas...
<BR>No tombadilho indiferentes chacam-se
<BR>E nas trevas esbarram-se as ossadas...
<BR>Como deve custar ao pobre morto
<BR>Ver as placas da vida além perdidas,
<BR>Sem ver o branco fumo de seus lares
 
<BR>&nbsp;
<BR>Levantar-se por entre as avenidas!...
<BR>Oh! perguntai aos frios esqueletos
<BR>Por que não têm o coração no peito...
<BR>E um deles vos dirá "Deixei-o há pouco
<BR>De minha amante no lascivo leito."
 
<BR>Outro: "Dei-o a meu pai". Outro: "Esqueci-o
 
<BR>Nas inocentes mãos de meu filhinho"...
<BR>. . . Meus amigos! Notai. . . bem como um pássaro
<BR>O coração do morto volta ao ninho!...
<br><b>&nbsp;</b>
<br><b>&nbsp;</b>
<br><b>&nbsp;</b>
 
<br><b>Uma Página de Escola Realista </b>
<BR>&nbsp;
<BR>Drama cômico em quatro palavras
<BR>A tragédia me faz rir, a comédia me faz chorar,
<BR>E o drama? Nem rir, nem chorar...
<BR>(Pensamento de CARNIOLI)
 
<BR>&nbsp;
<BR>CENÁRIO
<BR>A alcova é fria e pequena
<BR>Abrindo sobre um jardim.
<BR>A tarde frouxa e serena lá desmaia para o fim.
<BR>No centro um leito fechado
 
<BR>Deixa o longo cortinado
<BR>Sobre o tapete rolar...
<BR>Há, nas jarras deslumbrantes,
<BR>Camélias frias, brilhantes,
<BR>Lembrando a neve polar.
<BR>Livros esparsos por terra,
 
<BR>Uma harpa caída além;
<BR>E essa tristeza, que encerra
<BR>O asilo, onde sofre alguém.
<BR>Fitas, máscaras e flores
<BR>Não sei que vagos odores
<BR>Falam de amor e prazer.
 
<BR>Além da frouxa penumbra
<BR>Um vulto incerto ressumbra
<BR>-O vulto de uma mulher.
<BR>Vous, qui volez là-bas. légères hirondelles
<BR>Dites-moi, dites-moi, pourquoi vais-je mourir!
<BR>MUSSET
 
<BR>MÁRIO (no leito)
<BR>É tarde! É tarde! Abri-me estas cortinas
<BR>Deixai que a luz me acaricie a fronte!...
<BR>Ó sol, ó noivo das regiões divinas,
<BR>Suspende um pouco a luz neste horizonte!
<BR>SÍLVIA (abrindo a janela)
 
<BR>Da noite o frio vento te regela
<BR>O mórbido suor...
<BR>MÁRIO
<BR>Oh! que me importa?
<BR>A tarde doura-me o suor da fronte...
<BR>- Último louro desta vida morta!
 
<BR>Crepusc'lo! mocidade! natureza!
<BR>Inundai de fulgor meu dia extremo...
<BR>Quero banhar-me em vagas de harmonia.
<BR>Como no lago se mergulha o remo!
<BR>E que amores que sonham as esferas!
<BR>A brisa é de volúpia um calafrio.
 
<BR>A estrela sai das folhas do infinito,
<BR>Sai dos musgos o verme luzidio...
<BR>Tudo que vive, que palpita e sente
<BR>Chama o par amoroso para a sombra.
<BR>O pombo arrula - preparando o ninho,
<BR>A abelha zumbe - preparando a alfombra.
 
<BR>As trevas rolam como as tranças negras,
<BR>Que a Andaluza desmancha em mago enleio.
<BR>E entre rendas sutis surge medrosa
<BR>A lua plena, qual moreno seio.
<BR>Abre-se o ninho... o cálice... o regaço...
<BR>Anfitrite, corando, aguarda o noivo...
 
<BR>( Longa pausa )
<BR>E tu também esperas teu esposo,
<BR>Ó morte! ó moça, que engrinalda o goivo!
<BR>SÍLVIA (a meia voz, acompanhando-se na guitarra)
<BR>Dizem as moças galantes
<BR>Que as rolas são tão constantes...
 
<BR>Pois será?
<BR>Que morrendo-lhe os amantes,
<BR>Morrem de fome, arquejantes,
<BR>Quem dirá?
<BR>Dizem sábios arrogantes
<BR>Que nestas terras distantes,
 
<BR>Não por cá,
<BR>Sobre piras fumegantes
<BR>Morrem viúvas constantes,
<BR>Pois será?
<BR>Não creio nos navegantes
<BR>Nem nas histórias galantes,
 
<BR>Que há por lá.
<BR>Fome e fogueiras brilhantes
<BR>Cá não há...
<BR>Mas inda morrem amantes
<BR>De saudades lacerantes
<BR>Quem dirá?
 
<BR>MÁRIO ( vendo-a chorar)
<BR>(Aos últimos arpejos cai-lhe uma lágrimas
<BR>Sílvia! Deixa rolar sobre a guitarra,
<BR>Da lágrima a harmonia peregrina!
<BR>Sílvia! cantando- és a mulher formosa!
<BR>Sílvia! chorando-és a mulher divina!
 
<BR>Oh! lágrimas e pérolas! - aljofares
<BR>Que rebentais no interno cataclismo,
<BR>Do oceano - este, dédalo insondável!
<BR>Do coração-este profundo abismo!
<BR>Sílvia! dá-me a beber a gota d'água,
<BR>Nessa pálpebra roxa como o lírio...
 
<BR>Como lambe a gazela o brando orvalho
<BR>Nas largas folhas do deserto assírio.
<BR>E quando est'alma desdobrando as asas
<BR>Entrar do céu na região serena,
<BR>Como uma estrela eu levarei nos dedos
<BR>Teu pranto sideral, ó Madalena!...
 
<BR>SÍLVIA (tem-se ajoelhado aos pés do leito)
<BR>Meus prantos sirvam apenas
<BR>P'ra umedecer teus cabelos,
<BR>Como da corça nos velos
<BR>Fresco orvalho a resvalar!
<BR>P'ra molhar a flor, que aspires,
 
<BR>Rolem prantos de meus olhos,
<BR>P'ra atravessar os escolhos
<BR>Meus prantos manda rolar!...
<BR>Meus prantos sirvam apenas
<BR>P'ra a terra, em que tu pisares,
<BR>P'ra a sede, em que te abrasares,
 
<BR>Terás meu sangue, Senhor!
<BR>Meus prantos são óleo humilde
<BR>Que eu derramo a tuas plantas..
<BR>(MÁRIO estende-lhe os braços)
<BR>Mas se acaso me levantas
<BR>Meus prantos dizem-te amor!...
 
<BR>MÁRIO (tendo-a contra o seio)
<BR>Sentir que a vida vai fugindo aos poucos
<BR>Como a luz, que desmaia no ocidente...
<BR>E boiar sobre as ondas do sepulcro,
<BR>Como Ofélia nas águas da corrente...
<BR>Sentir o sangue espanadar do peito
 
<BR>- Licor de morte - sobre a boca fria,
<BR>E meu lábio enxugar nos teus cabelos,
<BR>Como Rolla nas tranças de Maria.
<BR>De teus braços fazer o diadema
<BR>De minha vida, que desmaia insana,
<BR>Esquecer o passado em teu regaço,
 
<BR>Como Byron aos pés da Italiana;
<BR>Em teu lábio molhado e perfumoso
<BR>O licor entornar de minha vida...
<BR>Escutar-te nus vascas da agonia,
<BR>Como Fausto as canções de Margarida!...
<BR>Eis como eu quero - na embriaguez da morte...
 
<BR>Do banquete no chão pender a fronte...
<BR>Inda a taça empunhando de teus beijos
<BR>Sob as rosas gentis de Anacreonte!...
<BR>(A noite tem descido pouco a pouco O luar penetrando
/o
<BR>pela alcova a alumia o grupo dos amantes. )
<BR>Sílvia!
 
<BR>Que palidez, meu poeta,
<BR>Se estende nu face tua
<BR>MÁRIO!...
<BR>São os raios descorados,
<BR>Os alvos raios da lua!
<BR>Sílvia!
 
<BR>Mas um suor de agonia
<BR>Teu peito ardente tressua..
<BR>MÁRIO
<BR>São os orvalhos, que descem
<BR>Ao frio clarão da lua!
<BR>Sílvia!
 
<BR>Que mancha é esta sangrenta,
<BR>Que no teu lábio flutua?
<BR>MÁRIO
<BR>São as sombras de uma nuvem
<BR>Que tolda a face da lua!
<BR>SÍLVIA
 
<BR>Como teus dedos esfriam
<BR>Sobre minha espádua nua!...
<BR>MÁRIO ( distraído )
<BR>Não vês um anjo, que desce,
<BR>No frouxo clarão da lua?...
<BR>SÍLVIA
 
<BR>Mário? Não vês quem te chama?...
<BR>Tua amante... Sílvia... a tua...
<BR>MÁRIO (desmaiando)
<BR>É a morte que me leva
<BR>Num frio raio da lua!...
<BR>&nbsp;
 
<BR>(O poeta cai semimorto sobre o leito. No espasmo sua
mão contraída prende uma tranca da mura.)
<BR>&nbsp;
<BR>SÍLVIA
<BR>Teus brancos dedos fecharam
<BR>De meu cabelo a madeixa,
<BR>Tua amante não se queixa...
 
<BR>Bem vês... cativa ficou.
<BR>Mas não se prende o desejo
<BR>Que n'alma acaso se aninha!...
<BR>Nunca viste a andorinha,
<BR>Que alegre o fio quebrou?
<BR>(Ouve-se um relógio dar horas.)
 
<BR>Já! tão tarde! E embalde tento
<BR>Abrir-te os dedos fechados...
<BR>Como frios cadeados,
<BR>Que o teu amor me lançou.
<BR>Porém se aqui me cativas
<BR>Minh'alma foge-te asinha...
 
<BR>Nunca viste a andorinha,
<BR>Que alegre o fio quebrou!
<BR>(Debruça-se Q escrever numa carteira.)
<BR>"Paulo! Vem à meia-noite. . .
<BR>Mário morre! Mário expira!
<BR>Vem que minha alma delira
 
<BR>E embalde cativa estou..."
<BR>MÁRIO (que tem lido por cima de s u ombro)
<BR>Sílvia! a morte abre-me os dedos,
<BR>És livre, Sílvia... caminha!( morrendo )
<BR>Minh'alma é como a andorinha,
<BR>Que alegre o fio quebrou.
 
<BR><b>&nbsp;</b>
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<br><b>Coup D'Étrier </b>
<br>&nbsp;
<BR>É preciso partir! Já na calçada
<BR>Retinem. as esporas do arrieiro;
 
<BR>Da mula a ferradura tacheada
<BR>Impaciente chama o cavaleiro;
<BR>A espaços ensaiando uma toada
<BR>Sincha as bestas o lépido tropeiro...
<BR>Soa a celeuma alegre da partida,
<BR>O pajem firma o loro e empunha a brida.
 
<BR>Já do largo deserto o sopro quente
<BR>Mergulha perfumado em meus cabelos.
<BR>Ouço das selvas a canção cadente
<BR>Segredando-me incógnitos anelos.
<BR>A voz dos servos pitoresca, ardente
<BR>Fala de amores férvidos, singelos...
 
<BR>Adeus! Na folha rota de meu fado
<BR>Traço ainda um - adeus - ao meu
<BR>Um adeus! E depois morra no olvido
<BR>Minha história de luto e de martírio,
<BR>As horas que eu vaguei louco, perdido
<BR>Das cidades no tétrico delírio;
 
<BR>Onde em pântano turvo, apodrecido
<BR>D'íntimas flores não rebenta um lírio...
<BR>E no drama das noites do prostíbulo
<BR>É mártir - alma... a saturnal - patíbulo!
<BR>Onde o Gênio sucumbe na asfixia
<BR>Em meio à turba alvar e zombadora;
 
<BR>Onde Musset suicida-se na orgia,
<BR>E Chatterton na fome aterradora!
<BR>Onde, à luz de uma lâmpada sombrio,
<BR>O Anjo-da-Guarda ajoelhado chora,
<BR>Enquanto a cortesã lhe apanha os prantos
<BR>P'ra realce dos lúbricos encantos!...
 
<BR>Abre-me o seio, ó Madre Natureza!
<BR>Regaços da floresta americana,
<BR>Acalenta-me a mádida tristeza
<BR>Que da vaga das turbas espadana.
<BR>Troca dest'alma a fria morbideza
<BR>Nessa ubérrima seiva soberana!...
 
<BR>O Pródigo... do lar procura o trilho...
<BR>Natureza! Eu voltei... e eu sou teu filho!
<BR>Novo alento selvagem, grandioso
<BR>Trema nas cordas desta frouxa lira.
<BR>Dá-me um plectro bizarro e majestoso,
<BR>Alto como os ramais da sicupira.
 
<BR>Cante meu gênio o dédalo assombroso
<BR>&nbsp;
<BR>Da floresta que ruge e que suspira,
<BR>Onde a víbora lambe a parasita...
<BR>E a onça fula o dorso pardo agita!
<BR>Onde em cálix de flor imaginária
 
<BR>A cobra de coral rola no orvalho,
<BR>E o vento leva a um tempo o canto vário
<BR>D'araponga e da serpe de chocalho...
<BR>Onde a soidão é o magno estradivário...
<BR>Onde há músc'los em fúria em cada galho,
<BR>E as raízes se torcem quais serpentes...
 
<BR>E os monstros jazem no ervaçal dormentes.
<BR>E se eu devo expirar. .. se a fibra morta
<BR>Reviver já não pode a tanto alento...
<BR>Companheiro! Uma cruz na selva corta
<BR>E planta-a no meu tosco monumento!...
<BR>Da chapada nos ermos... (o qu'importa?)
 
<BR>Melhor o inverno chora... e geme o vento.
<BR>E Deus para o poeta o céu desata
<BR>Semeado de lágrimas de prata!...
<BR>Curralinho,
1 de junho de 1870.
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<br><b>FIM</b>
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