Outras Reliquias (Machado de Assis, 1910)/Poezia/O Almada/Canto I: diferenças entre revisões

Conteúdo apagado Conteúdo adicionado
Sem resumo de edição
Giro720 (discussão | contribs)
Sem resumo de edição
Linha 1:
{{navegar
==I==
|obra=[[O Almada]]
|autor=Machado de Assis
|anterior=[[../Advertência|Advertência]]
|posterior=[[../Canto segundo|Canto II]]
|seção=Canto primeiro
|notas=
}}
 
<poem>
;I
Musa, celebra a cólera do Almada
 
Que a fluminense igreja encheu de assombro.
 
E se ao douto Boileau, se ao grave Elpino
 
Os cantos inspiraste, e lhes teceste
 
Com dóceis mãos as imortais capelas,
 
Perdoa se me atrevo de afrontá-la
 
Esta empresa tamanha. Tu me ensina
 
A magna causa e a temerosa guerra
 
Que viu desatinado um povo inteiro,
 
Homens do foro, almotacés, Senado, [1]
 
Oficiais do exército e do fisco,
 
Provinciais, abades e priores,
 
E quantos mais, à uma, defendiam
 
O povo, a Igreja e a régia autoridade.
 
........................................
 
;II
==II==
 
E tu, cidade minha, airosa e grata,
 
Que ufana miras o faceiro gesto [2]
 
Nessas águas tranqüilas, namorada
 
De remotos, magníficos destinos,
 
Deixa que o véu dos séculos rompendo
 
A minha voz ressurja a infância tua.
 
Viveremos um dia aquele tempo
 
De original rudez, quando a primeira
 
Cor que se te mudou do muito afago
 
De mãos estranhas e de alheias tintas,
 
A tosca, ingênua fronte te adornava,
 
Não de jóias pesada, mas viçosa
 
De folhagens agrestes. Quão mudada
 
Minha volúvel terra! Que da infância
 
Te poliu a rudez pura e singela?
 
Obra do tempo foi que tudo acaba,
 
Que as cidades transforma como os homens.
 
Agora a flor da juventude o seio,
 
Que as mantilhas despira de outra idade,
 
Graciosa enfeita; cresceras com ela
 
Até que vejas descambar no espaço
 
O último sol, e ao desmaiado lume
 
Alvejarem-te as cãs. Então, sentada
 
Sobre as ruínas últimas da vida,
 
Velha embora, ouvirás nas longas noites
 
A teus pés os soluços amorosos
 
Destas perpétuas águas, sempre moças,
 
Que o tamoio escutou bárbaro e livre...
 
Mas, quão longe o crepúsculo branqueia
 
Desse sol derradeiro! A asa dos séculos
 
Muita vez roçará teu seio amado
 
Sem desbotar-lhe a cor. Inda esses ecos
 
Das montanhas, que invade o passo do homem,
 
Hão de contar aos sucessivos tempos
 
Muito feito de glória. Estrênua, grande,
 
Guanabara serás... Oh! não encubras
 
O gesto de ambição e de vaidade,
 
De travessa, agitada garridice,
 
Tão amável, decerto, mas tão outro
 
Do acolhimento, do roceiro modo
 
Dos teus dias de infância. Justo é ele;
 
Varia com a idade o gosto; és moça,
 
E moça do teu século.
 
;III
 
 
Reinava
==III==
Reinava
 
Afonso VI. Da coroa em nome
 
Governava Alvarenga, incorruptível
 
No serviço do rei, astuto e manso,
 
Alcaide-mor e protetor das armas [3];
 
No mais, amigo deste povo infante,
 
Em cujo seio plácido vivia,
 
Até que uma revolta misteriosa
 
Na cadeia o meteu. O douto Mustre [4]
 
A vara de ouvidor nas mãos sustinha. [5]
 
........................................
 
Do forte e grande Almada que regia
 
A infante igreja. [6]
 
........................................
 
........................................
 
Tal o vate cristão que os heróis mártires
 
Cantou piedoso, passeando um dia
 
Na velha terra grega, alar-se em bando
 
As mesmas aves contemplou, que outrora,
 
Rasgando como então o azul espaço,
 
Iam do Ilisso às ribas africanas. [7]
........................................
</poem>
 
[[Categoria:O Alamada|Canto 1]]