O Cortiço/XIV: diferenças entre revisões

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— E que é preciso puxar por ele, filho! Ponha-me eu a dormir e quero ver do que como e com que pago a casa! Não há de ser com o que levo daqui!
 
— Or’'essa! Tens coragem de dizer que não te dou nada? E quem foi que te deu esse vestido que tens no corpo?!
 
— Não disse que nunca me desse nada, mas com o que você me dá não pago a casa e não ponho a panela no fogo! Também não lhe estou pedindo coisa alguma! Oh!
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Depois assentou-se no leito, esperou ainda algum tempo, fungando forte, sacudindo as pernas cruzadas, e afinal saiu, atirando para dentro do quarto uma palavra porca.
 
Pela rua, durante o caminho, jurava que "aquela caro pagaria a mulata!" Um sôfrego desejo de castigá-la, no mesmo instante, o atraía ao cortiço de São Romão, mas não se sentiu com animoânimo de lá ir, e contentou-se em rondar a estalagem. Não conseguiu vê-la; resolveu esperar até à noite para lhe mandar um recado. E vagou aborrecido pelo bairro, arrastando o seu desgosto por aquele domingo sem pagode. Às duas horas da tarde entrou no botequim do Garnisé, uma espelunca, perto da praia, onde ele costumava beber de súcia com o Porfiro. O amigo não estava lá. Firmo atirou-se numa cadeira, pediu um martelo de parati e acendeu um charuto, a pensar. Um mulatinho, morador no "Cabeça-de-Gato", veio assentar-se na mesma mesa e, sem rodeios, deu-lhe a noticianotícia de que na véspera o Jerônimo, tivera alta do hospital.
 
Firmo acordou com um sobressalto.
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— Disse-me o Pataca.
 
— Ora ai está o que é! exclamou o capoeira, soltando um murro na mesa.
 
— Que é o quê? interrogou o outro.
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E ficaram ainda a beber.
 
Jerônimo, com efeito, tivera alta e tornara aquele domingo ao cortiço, pela primeira vez depois da doença. Vinha magro, pálido, desfigurado, apoiando-se a um pedaço de bambu. Crescera-lhe a barba e o cabelo, que ele não queria cortar sem ter cumprido certo juramento feito aos seus brios. A mulher fora buscá-lo ao hospital e caminhava ao seu lado, igualmente abatida com a moléstia do marido e com as causas que a determinaram. Os companheiros receberam-no compungidos, tomados de uma tristeza respeitosa; um silêncio fez-se em torno do convalescente; ninguém falava senão a meia voz; a Rita Baiana tinha os olhos arrasados d’'água.
 
Piedade levou o seu homem para o quarto.
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— Não custa nada! respondeu esta. Com poucas está lá!
 
Mas não foi preciso que o levasse, porque daí a um instante, Jerônimo, com o seu ar tranqüilotranquilo e passivo de quem ainda se não refez de todo depois de uma longa moléstia, surgiu-lhe à porta.
 
— Não vale a pena estorvar-se em lá ir... Se me dá licença, bebo o cafezinho aqui mesmo...
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— Coitada!... resmungou depois. Muito boa criatura, mas...
 
— Cala a boca, diabo! Toma o café e deixa de maldizência! É mesmo viciovício de Portugal: comendo e dizendo mal!
 
O português sorveu com delícia um gole de café.
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— Pois sei de um que a quer como Deus aos seus!...
 
— Pois diga-lhe que siga outro oficioofício!
 
Ela se chegou para recolher a xícara, e ele apalpou-lhe a cintura.
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— Onde poderemos falar à vontade?
 
O Pataca lembrou a venda do Manuel Pepé, defronte do cemitério.

— Bem achado! confirmou Zé Carlos. Há lá bons fundos para se conversar.
 
E os três puseram-se a caminho, sem trocar mais palavras até à esquina.
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E bebeu.
 
— À da S’'ora Piedade de Jesus! reclamou o Pataca.
 
— Obrigado! respondeu o cavouqueiro, erguendo-se. Bem! Não nos deixemos agora ficar aqui toda a noite; mãos a obra! São quase oito horas.