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Na entrada do vale, onde assenta a freguesia de Santa Bárbara, via-se outrora à margem do Piracicaba, encontraescontra o rio, um velho casebre.
 
Era uma antiga construção de taipa; e mostrava com pouca diferença o aspecto comum às habitações medianas que, naquela parte da província de São Paulo, se encontram de espaço em espaço pela beira do caminho, e à distância dos arraiais e povoados.
 
A porta de entrada ficava no meio entre duas janelas estreitas, com um só caixilho, coberto de esteira em vez de vidro. Tanto as portadas, como as folhas, estavam cobertas de uma pintura cor de ferrugem, que destacava na parede da frente, branquejada com tabatinga.
 
A um lado da casa cresciam umas encarquilhadas laranjeiras da China e um pessegueiro; no outro havia canteiros, onde espigavam no meio da ervagem couves gigantes, já com pretensões a arbustos, de tão velhas que eram.
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Amanhecera de pouco. Estava um dia de inverno frio e brumoso. Forte cerração cobria o vale, condensando-se ao longo do rio. A trechos, grossos borbotões de neblina mais espessa desdobravam-se do viso dos montes ao sopro da viração, e rolavam como vagas por esse mar de névoas.
 
Vistas através do véu, as árvores tomavam um aspecto pavorosovaporoso e fantástico, e às vezes figuravam os espectros, de que a abusão povoa os ermos, a fugirem espancados com os primeiros albores do dia.
 
Abriu-se a porta que dava para a varanda, corrida nos fundos da casa,; e assomou o vulto gentil e esbelto de uma moçoila que trazia ao braço um saco de chita. Apesar da cerração, era fácil de conhecer Berta, pela garridice petulante dos gestos e meneios.
 
Aos saltinhos, ganhou a menina o quintal onde havia um pequeno jardim, se tal nome cabe a moitasmoutas de roseiras, manjericão e malmequeres, plantados de mistura e sem arte dentro de um cercado de varas, entre as quais estavam suspensos alguns cacos de barro com pés de craveiros.
 
Apenas afastou Berta a faxina que servia de porta ao cercado, saiu debaixo de sua palhoça uma galinha sura e muito arrepiada. Não tinha pés a pobre, que lhos haviahaviam roído à noite os ratos; andavamandava aos trancos, sobre os cotos que mal a ajudavam a saltar, e incapazes de sustê-la, a deixavam cair a cada passo, cobrindo-a de terra, o que a fazia mais feia ainda.
 
Tanto que a avistou, correu a menina a seu encontro e tomando-a ao colo, deu-lhe a comer um punhado de milho que tirou do saco. Farta a galinha da sua pitança, levou-a Berta à bica, para matar-lhe a sede, e lavar-lhe as penas sujas de poeira e cisco.
 
Depois que assim desvelou-se em pensar a pobre ave, dando-lhe a nutrição e asseio, a menina a deitou numana palhoça, que a seu rogo fizera Miguel num canto do cercado, para abrigo de sua protegida.
 
Nos gestos de Berta, durante esses cuidados, já não se notava a travessa alacridade que cintilava de ordinário em seus movimentos; e era, pode-se bem dizer, a radiação de seu gênio. Sua graça então era séria; havia em seu lindo semblante uma serena efusão da ternura que fluía-lhe dos olhos meio vendados, e dos lábios descerrados por um riso gentil.
 
Bem se conhecia, ao vê-la embebida naquela ocupação, que não havia aí para ela unicamente o atrativo de uma afeição de criança, como todos na meninice sentimos, uns pelas bonecas, outros pelos cães ou passarinhos. Impulso mais forte era o que movia o coração de Berta para aquele mísero ente, como para todo o infortúnio que encontrava em seu caminho.
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Ninguém na casa se importava com essa galinha, a não ser para fazer-lhe mal. Antes de perder os pés, por ser feia e arisca perseguiam-na a pedradas, quando aparecia no quintal. Depois que a roeu a ratazana, esteve ameaçada da panela, donde a salvou Berta, que desde esse dia a tomou a seu cuidado.
 
Daí em diante, não houve mais quem bolissebulisse com a sura; porque sabiam que não o sofreria sua linda protetora. E como todos queriam a Berta de coração, o ponto era mostrar ela predileção por alguma pessoa, ou mesmo objeto, que porfiavam por lhe adivinharem os pensamentos.
 
Tendo acomodado a galinha na sua capoeira coberta de palhas, e mudado a água do caco, a menina que derramara pelo chão um punhado de milho e couvecouves, entreteve-se alguns instantes a ver suas flores, umas já de véspera abertas, outras botão como ela, esperando o primeiro raio dedo sol para desabrochamdesabrocharem.
 
Entre eles, colheu um de rosa que entrelaçou nos cabelos; e deixando o quintal, sem demorar-se com as outras galinhas que a cercavam cacarejando, e às quais atirou de passagem o resto do milho, ganhou o campo.
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Estendia-se este com pequenas ondulações até a margem do rio, que ficava a umas cem braças da casa. Entre as pitas e crautás, que formavam touças aqui e ali, em torno de algum arvoredo, serpejavam trilhos, cruzando-se em várias direções.
 
Seguiu Berta por aquele que estendia-se na direção do rio. Não tinha, porém, dado vinte passos, que voltou-se rapidamente, ouvindo o rumor da porta da varanda que outra vez se abria.
 
Por entre a folhagem e através da neblina viu ela o vulto de Miguel, que parara no quintal, volvendo o rosto de um a outro lado, como indeciso no rumo que devia tomar. Adivinhou logo a menina que o rapaz lhe percebera a saída e vinha disposto a acompanhá-la.