Viagens de Gulliver/Parte IV/X: diferenças entre revisões

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[[File:Viagens de Gulliver 057.jpg|thumb|400px|right|<center>'''Gulliver conversando com um Houyhnhnm.'''</center>''']]
[A economia e a vida feliz do autor entre os Houyhnhnms. Seus grandes avanços com relação à virtude nas conversas que teve com eles. Seus diálogos. O autor recebe uma notícia dada pelo seu amo, que ele deve deixar o país. Ele perde os sentidos de tanto pesar, mas aceita. Ele constrói e termina uma canoa com a ajuda de um criado e amigo, e se lança ao mar em aventura.]
 
Eu havia estabelecido minha pequena economia para satisfação de meu próprio coração. Meu amo ordenara a construção de algumas acomodações para mim, segundo o hábito deles, a seis metros de distância da casa: as paredes e os pisos foram revestidos de argila, e cobertos com uma camada de junco tudo feito por mim mesmo. Juntei cânhamo batido, que ali cresce naturalmente, e construí uma espécie de acolchoado, que enchi com plumas de várias aves que eu apanhara com laços feitos dos pelos dos Yahoos, e que depois resultaram numa iguaria de excelente qualidade. Com a minha faca construí duas cadeiras, '''sendo ajudado nas tarefas mais difíceis pelo cavalo alazão.'''
 
Quando as minhas roupas ficaram todas rasgadas, fiz outras com as peles de coelhos, e de um certo animalzinho muito bonito, quase do mesmo tamanho, chamado NNUHNOH, sendo que a pele dele era coberta por uma pele muito suave. Com estas peles fiz também algumas meias que ficaram razoáveis. Coloquei solado de madeira em meus sapatos, que eu cortei de uma árvore, e o ajustei ao couro da parte superior, e quando o couro se rompia, eu o substituía por peles de Yahoos secas ao sol.
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aqui não havia zombeteiros, censuradores, caluniadores, batedores de carteira, salteadores, arrombadores de casa, procuradores, cafetinas, bufões, jogadores, políticos, pessoas de talento, hipocondríacos, tagarelas, controversistas, pessoas violentas, assassinos, ladrões, virtuosos, nenhum líder ou seguidores de um partido ou de uma facção, nem amigos do vício, seja por sedução ou pelo exemplo, nenhuma masmorra, machado, forca, poste de chicoteamento ou pelourinho, nem comerciantes ou mecanicos desonestos, não havia orgulho, vaidade, ou fingimento; nem almofadinhas, intimidadores, bêbedos, nem prostitutas passeando, nem sifilíticos; nem retóricos, libidinosos, esposas dispendiosas, não havia pessoas estúpidas, orgulhosas ou pedantes; nem pessoas incômodas, dominadoras, criadoras de caso, barulhentas, berrando, fúteis, vaidosas, companheiros juramentados, nem canalhas que surgiam da poeira do mérito de seus vícios, nem nobres levados em conta por suas virtudes, nem senhores, violinistas, juízes, ou mestres de dança.
[[File:Viagens de Gulliver 058.jpg|thumb|400px|right|<center>'''ele me fez a gentileza de levar o seu casco<br>suavemente até a minha boca.'''</center>''']]
 
Eu tive a honra de conhecer vários HOUYHNHNMS, que vinham visitar ou jantar com o meu mestre, onde a sua senhoria graciosamente me permitia que esperasse na sala, para ouvir as suas conversas. Tanto ele como a sua visita frequentemente se dignavam me fazer perguntas, e recebiam minhas respostas. Algumas vezes eu também fazia questão de acompanhar o meu amo em suas visitas a outras pessoas. Nunca ousava falar, exceto quando era perguntado, e então eu fazia isso com um certo pesar, porque perdia minhas chances de melhorar o meu aprendizado; porém, fiquei infinitamente satisfeito com a posição de um humilde auditor nessas conversações, onde ele aproveitava somente o que fosse útil, expressos com poucas palavras mas com grande significação, onde, como já disse antes, se observava a dignidade em seu mais alto grau, sem os menores resquícios de formalidade, onde ninguém emitia qualquer parecer se isso não lhe fosse agradável ou prazeiroso aos seus companheiros, e onde não havia interrupções, tédio, calor ou diferença de sentimentos.
 
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Confesso, na verdade, que todo escasso conhecimento de algum valor que eu possuo, foi adquirido nas conversas que ouvi do meu amo, e nas oitivas dele com seus amigos, aos quais eu tinha o maior orgulho em assistir, do que se fosse para palestrar para a maior e mais sábia assembleia na Europa. Eu admirava a determinação, a graça, e a agilidade dos habitantes; e tamanha constelação de virtudes, no meio de pessoas tão amáveis, produziu em mim a mais alta veneração. A princípio, na verdade, eu não sentia aquele pavor natural, que os Yahoos e todos os outros animais tinham em relação a eles, porém, isso foi crescendo dentro de mim aos poucos, muito mais cedo do que eu imaginava, e foi-se mesclando com um amor e uma gratidão respeitosos, que eles se dignaram distinguir-me do resto da minha espécie.
[[File:Viagens de Gulliver 059.jpg|thumb|400px|right|<center>'''sendo ajudado nas tarefas mais difíceis pelo cavalo alazão.'''</center>''']]
 
Quando eu pensava em minha família, meus amigos, meus compatriotas, ou na raça humana em geral, eu os considerava, como eles realmente eram, Yahoos na forma e no temperamento, talvez um pouco mais civilizados, e qualificados com o dom da fala, mas que não faziam melhor uso da razão, além de melhorar e multiplicar aqueles vícios dos quais os seus irmãos deste país tinham somente a parcela que a natureza atribuira a eles. Quando ocasionalmente eu contemplava o reflexo da minha forma num lago ou numa fonte, eu virava meu rosto tomado de horror e de repugnância por mim mesmo, e eu podia suportar melhor a visão de um simples Yahoo do que a minha própria pessoa. Conversando com os HOUYHNHNMS, e olhando-os com um certo encantamento, comecei a imitá-los no jeito de andar e em seus modos, que agora se tornou um hábito, e os meus amigos frequentemente me diziam, de forma descortês, ''que eu ando trotando como um cavalo;'' o que, todavia, aceito como um grande elogio. Tampouco posso negar, que ao falar eu era capaz de imitar a voz e os modos dos HOUYHNHNMS, e vejo-me ridicularizado por esse motivo, sem o menor problema.
 
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Experimentei a minha canoa em um grande lago, perto da casa do meu amo, e depois corrigi nela o que não estava bem, vedando todas as fendas com sebo de Yahoo, até que a considerei segura, e capaz de suportar a mim e a minha carga, e quando ela estava tão completa quanto era possível fazê-la, mandei que ela fosse arrastada bem devagar por um veículo pelos Yahoos até o litoral, sob o comando do cavalo alazão e de um outro criado.
 
Quando tudo estava pronto, e havia chegado o dia da minha partida, despedi-me de meu amo e da sua esposa e de toda a família, meus olhos transbordavam de lágrimas, e meu coração estava dilacerado de tanta dor. Mas a sua senhoria, por curiosidade e talvez (se é que eu posso falar sem vaidade) em parte por gentileza, estava decidido a se despedir de mim em minha canoa, e levou vários de seus amigos das redondezas em sua companhia. Fui obrigado a esperar mais de uma hora pela maré, e então, observando o vento que felizmente soprava em direção à ilha à qual eu tencionava orientar o meu curso, me despedi pela segunda vez do meu amo, mas, quando eu estava para me ajoelhar para beijar o seu casco, '''ele me fez a gentileza de levá-lo suavemente até a minha boca. '''
 
Não posso ignorar o quanto fui censurado por mencionar este último detalhe. Os detratores tem o prazer de achar isso improvável, que uma pessoa tão ilustre pudesse ter-se humilhado a ponto de demonstrar uma marca de sua nobreza para uma criatura tão inferior quanto eu. Tampouco me esqueci de como alguns viajantes são capazes de se vangloriarem por favores que tenham recebido. Mas, se estes censuradores estivessem mais familiarizados com as posturas nobres e gentis dos HOUYHNHNMS, logo mudariam de opinião.