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A Grande Exposição Industrial de Nova OrlensOrleans prolongou-se até ao ''Almirante Barroso. ''O belo cruzador brasileiro começou desde logo a ser o alvo dos curiosos de todas as nações ali representadas.
 
Compreende-se o vivo interesse do povo em assuntos desta ordem.
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Não havia na cidade quem não soubesse que estava no porto um navio de guerra do Brasil, e este fato por si só era bastante para que toda a gente ardesse em desejo de vê-lo de perto, de o percorrer dum extremo a outro.
 
— Quantos canhões traz? perguntava-se. A máquina quantas milhas vence por hora? Quantas rotações por minuto?
 
E quando afirmávamos que a máquina do ''Barroso ''era de ferro Ipanema e doutros metais brasileiros, que todo o navio, da popa à proa, era construção inteiramente nacional, subia de ponto a surpresa dos. nossos vizinhos.
 
O quê! No Brasil já se constroem navios de guerra? — ''It is impossible!... ''E toda a população, tomada de um quase espanto, duvidando, talvez, da nossa habilidade, afluía ao cais.
 
Todo o cruzador, desde a câmara do comandante até ao alojamento dos marinheiros, desde o tombadilho até ao porão, foi exposto à curiosidade pública.
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Desde as oito horas da manhã, ao içar-se a bandeira, começavam a atracar lanchas a vapor e escaleres cheios de visitantes de ambos os sexos.
 
Grandes lanchas iam e vinham do cais para o cruzador e do cruzador para o cais, continuamente, incessantemente, apinhadas de passageiros, que pagavam 5 cêntimos de ida e volta. Cada uma trazia à proa, em letras esparrarnadasesparramadas e vivas, a senha: — ''Brazilian man~-of-war.''
 
À tarde, depois duma faina acabrunhadora de receber famílias e percorrer duas, três e mais vezes o navio, dando explicações, descrevendo aparelhos e maquinismos com uma paciência de pedagogos, íamos à terra, distrair nos cafés, nos teatros, nos bailes, tanto mais quanto multiplicavam-se os convites para todas as diversões públicas e familiares.
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As famílias com que íamos entretendo relações de amizade exigiam que fôssemos quotidianamente a suas casas, como se nos sobrasse tempo para isso; e, força é confessar, dispensavam-nos um tratamento quase paternal.
 
A melhor de todas as recepções que tivemos, não obstante o caráter oficial que a revestia, foi a do Governadorgovernador da LuísianaLuisiana, esplêndido baile no Royal Hotel, no dia 8 de abril, ao qual compareceram todas as autoridades civis e militares da cidade em uniforme de gala.
 
A casaca, o clak, a gravata de seda branca, o vestido decotado até aonde permite a decência, confundiam-se nos salões do hotel ricamente adornados, cheios de luz, escancarados de par em par como um palácio em festa.
 
A jovem oficialidade brasileira, exímia em ''cotillons, ''expandiu-se a valer nessa magnífica ''soirée ''de inverno, fria e clara, constelada de botões de ouro e brilhante, longe da pátria, longe de suas famílias, mas no seio dum povo que nos amava deveras.
 
Sarau principesco esse de que ainda sinto o saibo esquisito ao traçar as reminiscências da minha primeira ausência do Brasil.
 
Mesa abundantíssima e franca, desde a deliciosa sopa de ostras com molho inglês ao mais fino champanha Clicot, com escala pela maionese de lagosta, fresca e picante, pelo suculento ''poisson aà l'italiennel’italienne, ''rubro e apetitoso... e tantos, meu Deus, e tantíssimos outros pratos maravilhosos inventados pela gula epicurista de todas as gerações desde Lúculo até à nossa.
 
Volvemos para bordo seria madrugadinha, trôpegos, cansados e sonolentos, pálpebras caídas, suplicando a frescura dum travesseiro, dentro de nossas invioláveis capas da Bretanha.
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Uma noite brasileira com todos os excessos da nossa educação e do nosso caráter; saudosa noite, a primeira de minha vida em que me enfronhei numa casaca irrepreensivelmente bem-feita...
 
O ''Barroso''', '''''diluído na escuridão da noite, aproado à correnteza que descia rio abaixo cantando uma melodiamelopéia de lenda, o ''Barroso — ''pedaço da pátria longínqua — acenava-nos com a sua luzinha amarela palpitando às rajadas do vento frio.
 
... E os bailes repetiam-se e nós vivíamos cercados da alegria comunicativa desse povo americano eternamente jovial!
 
Falemos ainda das mulheres de Nova Orleans.
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Belas quase todas, amáveis e insinuantes, cheias duma inexcedível graça que arrebata e seduz voluptuosamente.
 
As ''créoles, ''ah! as ''créoles... ''ninguém as vê que não as fique desejando.
 
Caracteres principais: tez morena, com uns tons de rosa na face, olhos muito negros, criminosos até ao homicídio flagrante, pequenas, delicadas, flexíveis, aéreas quase, conjunto meigo e melancólico, muito sensíveis... A vaga expressão de seu olhar aveludado derrama não sei que misterioso fluido, cujos efeitos traduzem-se em voluptuosas sensações, secretos desejos de posse absoluta...
 
Como diferem as chamadas ''créoles ''das verdadeiras americanas!
 
Estas — muito rubras, cabelo cor de ouro, olhos azuis — são frias, quase indiferentes ao amor, egoístas de sua beleza de estátua, vivendo para o trabalho e para a família; aquelas — adoráveis com as suas linhas ideais, com a vaga e comunicativa melancolia de seu olhar voluptuoso — fazem lembrar um povo místico e cheio de bondade dalgum país nebuloso e desconhecido...
 
É curiosa a origem da população ''créole ''de Nova Orleans. Ela descende na maior parte de aventureiros canadenses e ''courreurs des bois — ''gente ousada e valente, que emigrou do norte para o sul da América setentrional, por terra, através de inóspitos desertos povoados de selvagens perigosíssimos. Esses aventureiros chegaram à Luisiana sem famílias, depois de uma viagem cheia de trabalhos e fadigas, descansando, por fim, às margens do Mississipi. A Luisiana era então colônia francesa, e o rei, apiedando-se da sorte dos infelizes imigrantes, que viviam solteiros, longe de sua pátria natal, sujeitos a uma castidade quase absoluta, quis aproveitá-los para a colonização. Nesse intuito mandou vir de Paris um carregamento de mulheres, prisioneiras da Salpetrière, que chegaram a Nova Orleans em ferros, e onde foram postas em liberdade e entregues à concupiscência da população masculina.
 
Isso, porém, não trazia vantagens à colônia, que precisava de gente. Os canadenses satisfaziam seus apetites carnais sem que aumentasse o número de habitantes — fato este que não passou despercebido ao diretório da Companhia da Luisiana, cujo principal interesse era a multiplicação das almas.
 
Nestas condições foram dadas outras providências, e, em 1728, chegou a Nova Orleans um grupo de raparigas, conhecidas na Luisiana histórica pelas ''filles de la cassette ''ou ''casket girls, ''mandadas pelo rei para o convento das Ursulinas a fim de se casarem licitamente. A experiência foi coroada de sucessos. Em breve tempo começou a crescer a colônia e os descendentes da ''cassette ''tinham orgulho em o serem.
 
Tal foi a origem humilde dos primeiros filhos nativos da Luisiana.
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A mulher americana do Norte é geralmente bem-educada. Muitas vimos em Nova Orleans, que conheciam e falavam dois, três idiomas, além do vernáculo.
 
Preocupam-se pouco com bailes e modas, trajam com simplicidade e elegância, sem afetação, sem a natural ''coquetterie ''da mulher parisiense. Seu divertimento predileto é a música.
 
O proverbial desembaraço das americanas manifesta-se a todo instante. Prontas sempre a repelir com dignidade um ataque à sua honestidade, elas se dirigem aos homens em qualquer parte, na rua ou nos salões, com a mesma simplicidade com que o fazem às amigas. O respeito entre os dois sexos, nas classes superiores, é um dos principais caracteres do povo americano. Habituados, homens e mulheres, a uma educação livre, vivendo uns e outros em comum desde criança, as americanas não se confundem nunca diante dos homens.
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Os pais depositam confiança ilimitada nas filhas. Deixam, sem escrúpulo, que elas saiam a passeio, de carro ou a pé, só ou em companhia de um amigo da casa, na certeza de que elas saberão zelar a sua castidade.
 
Os raptos e os defloramentos são raros, não sei se devido ao temperamento da raça ou se à inflexibilidade da Lei. O que sei é que, se um rapaz gosta de uma rapariga de família reconhecidamente honesta, não tem mais do que namorá-la escandalosamente às barbas de quem quer que seja, à vista do mundo inteiro, beijá-la sem -cerimônia, como se fossem irmãos, e, daí a pouco, ei-los casadinhos de fresco, ''bras dessus, bras dessous.''
 
E ai! daquele que violar os preceitos decretados pelo governo! Imediatamente vê-se dentro deste triângulo medonho: o casamento, o dote, ou a cadeia. A Lei é inexorável e a polícia exerce uma vigilância sem igual.
 
Informados de tais particularidades do caráter americano, nós, brasileiros, pusemos um dique ao nosso temperamento de meridionais, evitando o mais possível os compromissos amorosos, as manifestações de simpatia por essas adoráveis ''ladies, ''que, a falar verdade, infligiam-nos os maiores suplícios com o maravilhoso poder de suas qualidades físicas.
 
Tântalos do coração, éramos obrigados a conter os ímpetos ferozes da carne que nos aguilhoava implacavelmente no delicioso convívio das louras ''misses ''e das ternas ''créoles.''
 
''Estão verdes, não prestam — ''era a nossa divisa e destarte escapávamos sempre aos ataques de tão perigoso inimigo...
 
[[Categoria:No País dos Ianques|Capítulo 08]]